quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Juan Delgado: Brasileiros deveriam ir aos lugares mais pobres

Médico cubano dá lição de dignidade a colegas brasileiros
“Os brasileiros deveriam fazer como a gente, ir nos lugares mais pobres”

O médico cubano Juan Delgado [de camisa amarela, na foto acima, conforme saiu na capa da Folha de S. Paulo], que foi vaiado e chamado de “escravo” por médicos do Ceará, deu uma lição de dignidade ao responder às ofensas dirigidas a ele durante o protesto da categoria. Em entrevista à Folha de São Paulo, Delgado se mostrou surpreso com as atitudes dos colegas brasileiros e disse que não entendeu o motivo da hostilidade, já que está no país para ser “escravo da saúde e dos pacientes doentes, pelo tempo que for necessário”. Os ataques ao médico cubano e a outros profissionais estrangeiros aconteceram na segunda-feira, após o primeiro treinamento do programa Mais Médicos. Juan foi estampado numa foto com duas mulheres de jaleco branco, aparentando boas condições financeiras, que o vaiavam.

“Vamos ocupar lugares onde eles não vão”, disse Delgado, em referência ao manifesto dos médicos cearenses. O médico cubano ficou impressionado com a reação dos colegas de profissão e ressaltou que os estrangeiros que chegaram ao Brasil “não vão tirar os postos de trabalho dos brasileiros”. Delgado se candidatou ao Mais Médico por vontade própria e já atuou no Haiti. Durante a entrevista, ele deu um caminho mais civilizado para os médicos brasileiros evitarem a contratação de outros estrangeiros. “Eles [médicos brasileiros] deveriam fazer o mesmo que nós, ir aos lugares mais pobres prestar assistência”, opinou. Para ele, o comportamento ofensivo não está partindo de toda a classe, mas apenas de alguns que rejeitam os cubanos.
Delgado comentou sobre as dificuldades que os médicos cubanos podem encontrar nas áreas mais remotas do país. “O trabalho vai ser difícil, porque vamos a lugares onde nunca esteve um médico e a população vai precisar muito de nossa ajuda”, disse Delgado, completando que é possível oferecer uma assistência eficiente à população, mesmo em condições de infraestrutura precária.
Nesta terça-feira (27), o Ministério da Saúde e outras entidades da classe médica no Ceará pediram desculpas aos médicos cubanos ofendidos e classificaram como “intolerância, racismo e xenofobia” a atitude dos médicos do Simec. O presidente do sindicato, José Maria Pontes, alegou que as vaias não foram dirigidas aos profissionais cubanos, mas aos gestores do curso e a expressão “escravos” não teve um sentido pejorativo. A presidente Dilma Rousseff também comentou o incidente, com a frase “Eu achei bom os aplausos”.
Jornalista é criticada por comentários preconceituosos
A jornalista potiguar, Michelline Borges, provocou revolta nas redes sociais ao se referir de forma racista e preconceituosa aos médicos cubanos que chegaram ao Brasil para trabalhar no programa Mais Médicos. “Me perdoem se for preconceito, mas essas médicas cubanas têm uma cara de empregada doméstica”, comentou a jornalista no seu perfil no Facebook. Na mesma postagem, Michelline questiona o profissionalismo dos médicos, comentando que “Médico, geralmente, tem postura, tem cara de médico, se impõe a partir da aparência”, diz ela. No final do texto, a jornalista deseja sorte ao povo brasileiro. Após ser acusada de racismo por milhares que usuários das redes sociais, que criticaram o tom preconceituoso que a jornalista tratou o assunto, Michelline apagou o seu perfil no Facebook, mas antes a postagem foi compartilhada por mais de mil pessoas.
Nesta quarta-feira (28), milhares de usuários das redes sociais estão promovendo manifestos em favor dos médicos cubanos e comentando os últimos protestos. Pelo perfil #bemvindomedicoscubanos, no Twitter, a população está deixando a sua opinião, pedindo desculpas aos médicos estrangeiros pelo comportamento dos médicos brasileiros no Ceará e elogiando o programa Mais Médicos.
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Marília, é um imenso preconceito esse que algumas vezes a gente vê sendo externado contra os médicos cubanos. Primeiro, é importante dizer que os médicos estrangeiros, e aí não só os cubanos, porque tem cubano, argentino, uruguaio, espanhol, português, tem de várias nacionalidades.
Esses médicos vêm ao Brasil para trabalhar onde os médicos brasileiros formados aqui não querem trabalhar. São as regiões da Amazônia, as regiões do interior do Brasil e também o interior das regiões metropolitanas, as periferias.
Então o que é que acontece? Os médicos cubanos têm um estatuto próprio. Uma parte, segundo a OPAS, que é a Organização Pan-Americana de Saúde, uma parte eles recebem aqui.
O salário que eles recebiam em Cuba, as famílias deles recebem em Cuba. Então, a forma de pagamento dos médicos cubanos, ela é diferente dos demais, mas, de qualquer jeito, todos os médicos estrangeiros, o que é que eles recebem ao vir trabalhar no Brasil?
Uma bolsa de R$ 10 mil mais uma ajuda de custo. É óbvio que uma pessoa que vai se deslocar para a fronteira da Amazônia e no meio da selva vai receber uma ajuda de custo mais significativa, no caso seria R$ 30 mil.
Se ela vai ali para o semiárido, para a região também bastante… de difícil acesso, em condições de vida mais precárias, ela vai receber uma ajuda de custo de R$ 20 mil, e os demais vão receber todo o apoio, toda a base de sustentação que o governo brasileiro e as prefeituras, eu tenho certeza, puderem dar. Agora, é um grande preconceito contra os médicos cubanos porque estão vindo médicos cubanos e médicos estrangeiros.
O que não é correto é a gente supor que em algum país do mundo há um bloqueio à vinda de profissionais especializados para ajudar o país quando ele não tem médico suficiente. Para você ter uma ideia, na maioria dos países, o que nós vemos é a presença de médicos formados fora do país, trabalhando dentro do país.
Nos Estados Unidos, é 25%, tem lugares no mundo, como o Canadá, que chega a 37%. Então, o Brasil tem uma taxa baixíssima. Aqui no Brasil, nós estamos abaixo de 2%. Então, veja você, o que nós fizemos com o Mais Médicos? Nós fizemos uma avaliação do país, percebemos que tinham 700 municípios, 700, para você ter uma ideia, hein? 700 municípios onde não morava nenhum médico.
Então, se você tivesse uma doença e se tivesse um filho, por exemplo, como foi o caso da minha filha com asma e que geralmente a asma é uma coisa terrível, ela acontece de noite, vem de madrugada na hora que está todo mundo dormindo, fica a criança com asma, aí você tem que sair correndo com a criança porque ela está com falta de ar, e levar para o médico.
O médico acompanhar, dar um broncodilatador. Então, eu te digo o seguinte: o Brasil precisava de médicos. O que o governo brasileiro fez? Tomou a providência de trazer médicos de fora, como os Estados Unidos faz. 25% dos médicos que trabalham nos Estados Unidos vêm de outros países, são formados em outros países.
Aqui no Brasil, além disso, nós vamos acompanhar esses médicos. Toda uma estrutura ligada ao Ministério da Educação e ao Ministério da Saúde, às universidades públicas, às Secretarias de Saúde vai haver um acompanhamento, um monitoramento de como é que esses médicos estão atuando.
Além disso, no caso do Brasil, nós fizemos um convênio com a Organização Pan-americana de Saúde e adotamos o mesmo padrão de 58 países do mundo, que são as missões que eles chamam missões humanitárias. São médicos que ficam por tempo determinado. Alguns desses médicos podem até ficar depois no Brasil se fizerem as provas que os capacitarão para ficar no Brasil permanentemente.
A grande maioria vai entrar, vai ficar três anos e vai depois sair. Por quê? Porque eles fazem parte dessas missões.
Eu posso assegurar a você uma coisa: nós vamos dar – o governo federal, e eu tenho certeza, as prefeituras que pediram esses médicos – vão dar a todos os estrangeiros que vierem atuar aqui no Brasil, as condições de moradia, de alimentação e tranquilidade material para que eles atendam bem a nossa população. Tudo que pudermos fazer dentro da lei para levar os médicos para locais onde não tem médicos, nós faremos.

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