segunda-feira, 23 de maio de 2016

Um acerto de contas; o primeiro

(Acredito que meu voto seja o mais importante entre todos. Defendo-o com todo o vigor do meu corpo, toda a ardência da minha alma, toda veemência do meu verbo).

Omar dos Santos*

Senhor José Antônio Reguffe,

De início, informo-lhe duas coisas: o porquê de não utilizar o tratamento “excelência” e minhas convicções políticas.
Mesmo tendo muito claro ser o tratamento de “excelência” tão caro a vocês, os componentes do parlamento brasileiro, não o utilizei por questão de justiça. Esse pronome de tratamento, derivado do qualificativo excelente, significa, entre outras coisas, grandeza e elevação. Dessa forma, não faz sentido algum o seu emprego em referência à quase totalidade dos políticos brasileiros, visto a conduta ignóbil e desleal com que vocês tratam a política e a confiança do povo.

Senhor senador, qualquer pessoa minimamente informada sabe que a estratégia utilizada pela grande imprensa deste país e seus lacaios é a velha e surrada prática de desmoralizar o oponente para convencer a consciência ingênua de milhões de brasileiros de suas mentiras. Essa arma milenar foi sempre utilizada pelos que não têm argumentos honestos e nem vergonha na cara, como é, agora, o caso das ações dos políticos deste país. Neste momento histórico, a síntese desta canalhice pode ser resumida pela expressão: “isto é conversa de petista”.

Por isto, senhor senador, informo-lhe que não sou, e nunca fui filiado ao Partido dos Trabalhadores. Minha formação política no Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a militância sindical contribuíram muito para uma boa capacidade de análise e julgamento, que uso para minhas escolhas na vida.

Sempre fui um crítico dos partidos trabalhistas. Em todos os seus governos mundo afora, eles erraram, e erraram muito. Contudo, para não ser injusto e desleal como são as elites e a maioria dos políticos conservadores deste país, reconheço nesses governos enormes avanços, sobretudo em favor dos mais espezinhados e marginalizados pelo Estado e o capital.

A partir destas considerações gerais, vamos, senhor senador, ao ponto central que me motivou escrever-lhe.

Não o conheço pessoalmente. Vi-o três ou quatro vezes pela televisão, falando de suas propostas para o exercício do mandato de senador da república. Para resumir a conversa, confiei a você o meu voto. Alias, não só votei, mas divulguei sua candidatura e fiz campanha no meu círculo de influências. Como é democrático, só lhe dei um voto, mas foi um voto com a qualidade de que trata a epigrafe deste texto.

Lembro-me de que quando falava com as pessoas que havia um político diferente em Brasília; cidade quase prostituída pela classe política, cidade cuja história política desonra seus moradores; alguns companheiros de batalha me alertaram: “engano seu Omar, ele é um político como a maioria dos outros e vai te surpreender negativamente”.

Sendo eleitor que acompanha o candidato em que vota, tenho acompanhado seu trabalho parlamentar. Ouvi alguns de seus discursos e algumas manifestações suas no senado e na mídia.

Como a maioria dos brasilienses, tenho severas críticas ao imobilismo e à incompetência do atual governo do Distrito Federal, mas me causou surpresa, seu rompimento com ele, o qual, a meu juízo, se deu de forma absolutamente intempestiva e inoportuna.
Da mesma forma, não pude entender seu rompimento unilateral com o partido pelo qual foi eleito, até porque, como é postura comum entre vocês políticos, você julgou de menor importância a obrigação de dar maiores explicações a seus eleitores.  Seu abandono ao partido a mim pareceu uma decisão oportunista, visto que ela carece, até hoje, de explicações mais consistentes e de justificativas mais persuasivas. Sua atitude, senhor Reguffe, fez-me lembrar do que havia ouvido antes a respeito de minha opinião sobre sua conduta política. Nesse episódio, o senhor se igualou à maioria dos políticos. Ainda mais, tal decisão pode até ter sido legal, já que foi permitida por uma lei aprovada pelo parlamento, usando, é verdade, o mais puro casuísmo, como é do gosto de vocês. Contudo, não resta dúvida de que ela, a atitude, foi imoral, já que a referida lei é mais uma demonstração da capacidade de engodo e trapaça que caracteriza a classe política, sobretudo a atual.

Por último, chego ao fato que me deixou decepcionado e me fez sentir vítima de logro; seu voto no julgamento do processo de afastamento da Presidenta da República.
Economizarei verbo e argumentos comprobatórios de que a Presidenta não cometeu crime de responsabilidade como querem as elites brasileiras, a grande imprensa e a grande maioria dos políticos alojados no congresso e em outros setores da vida nacional. Os fatos e as análises de grandes juristas deste país já cumpriram esta tarefa. Só os três seguimentos citados, cuja conduta histórica sempre foi a conspiração e o golpismo, não aceitam as verdades. Se servir de consolo para a sua e as outras consciências, se é que essa gente a tem, nossa história republicana não os deixa sozinhos. O regime republicano é filho de um golpe e parece ter o infeliz destino de viver à sombra da vil inconfidência.

 Foi com profunda decepção que assisti sua patética tentativa de justificar a sua afronta à Constitucional Brasileira. Mais ainda, senhor senador, senti-me tratado como um imbecil com sua tentativa de justificar tamanha ignominia com argumentos absolutamente descontextualizados. Não consigo entender como é que uma pessoa que se diz séria pôde ombrear com tantos ladrões, tantos corruptos profissionais e até alguns assassinos para tentar legitimar um crime inventado. Goebbels não tinha razão senhor senador, a mentira repetida mil vezes não vira verdade. A desculpa que tem sido usada de forma reiterada por vocês que desrespeitaram a vontade da maioria do povo é a de que o congresso julga politicamente. Isto é de um cinismo que dói em minha alma.
O senador em que votei prometeu a seus eleitores autonomia política, defesa da democracia e discernimento do que é certo ou errado. Como é da natureza da maioria dos políticos do Brasil, o senhor prometeu; prometeu, mas não cumpriu. A mim só há uma explicação para tal mudança de postura: ou senador foi cooptado pelo poder dos mais fortes ou farpeado pelo apego ao poder, ou as duas coisas. Quem vai saber? Fora disto, não há justificativa para uma ação golpista de quem foi eleito para defender a nossa Constituição.

Sou um cidadão de setenta e três anos. Na caminhada já enfrentei muitos desafios em defesa da liberdade política, dos que mais necessitam e da moralidade deste país.
Assusta-me quando você, com sua atitude golpista, dá guarida e eco à voz dos que foram tangidos pela mídia golpista, abertamente conduzida pelo jornal e pelas redes de rádio e televisão Globo, cuja vocação é, e sempre foi a defesa intransigente dos golpes e das ditaduras militares e civis, clama pela volta da ditadura militar e pelo golpe na Constituição Federal.

Por fim, senhor senador, termino esta carta com as seguintes observações: Não tenho nenhuma presunção de que ela vá influenciar seu modo de pensar e agir, afinal sou dono de apenas um voto e isto vale pouco,  ou nada, para os políticos deste país. Contudo, meu voto é a minha identidade. É o guardião de minha liberdade e do meu caráter.

Taguatinga, DF, 23 de maio de 2016
            Omar dos Santos


                               
Omar dos Santos é professor aposentado da Secretaria de Educação do Distrito Federal                                                                                                                          

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