sexta-feira, 21 de julho de 2017

FHC em 1997, Lava Jato em 2014: o desmonte da industrialização do país


Reportagem mostra como a economia do país não conseguiu sobreviver aos impactos da operação, e como ela beneficiou o mercado financeiro internacional

por Daniel Giovanaz, do Brasil de Fato

Brasil de Fato – A suspensão dos contratos da Petrobras com empreiteiras brasileiras, nos últimos dois anos, paralisou vários segmentos da indústria nacional. Entre os mais afetados, estão os setores metalúrgico, naval e de construção civil.

Os dois primeiros capítulos desta série demonstraram que o rombo na economia brasileira pode ser atribuído não só aos políticos e empresários, que cometeram crimes, mas também ao Poder Judiciário, que poderia ter evitado parte desse prejuízo – sem enfraquecer o combate à corrupção.
Mas como é que a Lava Jato foi capaz de comprometer, em poucos meses, o avanço da indústria nacional? A reportagem do Brasil de Fato Paraná ouviu pesquisadores sobre o tema e explica por que a economia do país não conseguiu sobreviver aos impactos da operação, e como ela beneficiou o mercado financeiro internacional.
Histórico 

Segundo o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, não se pode analisar os impactos da Lava Jato sem compreender o desmonte industrial ocorrido na década de 1990: “O Brasil vinha estruturando sua indústria desde os anos 1930, com Getúlio [Vargas], depois Juscelino [Kubitschek], e uma pequena interrupção entre 1961 e 1963. E os militares [a partir de 1964] retomaram o projeto de industrialização, mantendo o arranjo produtivo institucional entre bancos públicos, empresas estatais e articulação com o setor privado”, relata. “O chamado “milagre brasileiro” se apoiou nisso, até chegar no [Ernesto] Geisel, que cometeu o pecado do endividamento externo”.

Para superar o período de instabilidade financeira que sucedeu a ditadura militar (1964-1985), o Brasil adotou o chamado projeto econômico neoliberal. A indústria foi enfraquecida e as portas foram abertas para o capital estrangeiro. “Vendeu-se a ideia de que era preciso abrir a economia e diminuir o papel do Estado, através das privatizações”, critica o economista.

O abandono do projeto de desenvolvimento nacional, realizado nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), pode ser traduzido em números: “Se, no final dos anos 1980, a indústria tinha quase 25% de participação no PIB [Produto Interno Bruto], hoje tem 9%. E isso não foi revertido no governo Lula”. Ou seja, o efeito da Lava Jato foi ainda mais devastador porque o Brasil sequer havia se recuperado da destruição causada pelo projeto neoliberal, 20 anos antes.
Mau negócio

Entre as empresas privatizadas na década de 1990, está a mineradora Vale do Rio do Doce. Ela foi vendida por FHC por R$ 3 bilhões e, 14 anos depois, tinha um valor de mercado estimado em R$ 300 bilhões. Os movimentos sociais foram às ruas e denunciaram o modelo exportador adotado pela Vale, que não gerava emprego, desenvolvimento e industrialização. O pretexto da venda era o pagamento de parte da dívida pública interna e externa. A exemplo de outras privatizações, isso nunca aconteceu.

A Vale do Rio Doce principal empresa estratégica brasileira no ramo de mineração e infraestrutura, e suas reservas minerais eram calculadas em mais de R$ 100 bilhões à época do leilão. Nos últimos três anos, o fantasma das privatizações voltou a assombrar aeroportos e companhias de saneamento em todas as regiões do país, com a falsa promessa de tirar os estados do vermelho.

“Foi uma perda de oportunidade”, resume o doutor em Ciência Política e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Caio Bugiato, sobre aquele período. “Tínhamos finalmente uma democracia, uma Constituição cidadã, com vários direitos sociais garantidos, mas a política econômica, que poderia gerar empregos e desenvolver o país, foi rompida”.

Bugiato aponta que, durante os oito anos de governo Lula (PT), o investimento na indústria alcançou, em alguns meses, o mesmo patamar dos anos 1980. Porém, não houve uma política de diversificação. “A indústria brasileira se concentra em poucos setores: gás, petróleo, indústria de alimentos, construção civil, e para por aí. Como os investimentos se concentram em grandes monopólios e em estatais, como a Petrobras, nos momentos de crise, como na Lava Jato, toda a economia nacional é afetada”, explica.

Essa situação fica evidente no relato de Edson Rocha, conselheiro do Fundo da Marinha Mercante (FMM). A indústria naval foi desmantelada rapidamente, após a Lava Jato, porque a maioria dos estaleiros do país dependiam da demanda da Petrobras. “Lula e Dilma [PT] fizeram um esforço para investir no nosso setor. Mas a indústria naval não pode ficar pendurada em uma decisão governamental. Tem que criar uma política de Estado”, defende Edson Rocha. “O Brasil tem quase 9 mil km de costa e vários rios navegáveis. Por que é que a gente transporta quase tudo por via terrestre? Como um país desse tamanho não tem uma indústria naval forte?”.

Falta autonomia

Luiz Gonzaga Belluzzo afirma que os esforços realizados nos últimos 15 anos para retomar o caminho do crescimento não foram suficientes. “Quando eu digo que os governos PT fazem parte do período neoliberal é porque não se tocou em questões fundamentais. Tivemos um movimento de expansão da economia, e os programas sociais melhoraram muito a vida das pessoas. Mas, em termos de indústria, houve certa hesitação”, pondera. “É claro que reconstruir todo o parque industrial não era uma tarefa fácil. Seja como for, o pré-sal poderia fazer esse papel, com o chamado “conteúdo nacional".

A entrega da camada pré-sal para o investimento estrangeiro, além de ser uma consequência direta da Lava Jato, segundo o economista, impede qualquer perspectiva imediata de reindustrialização do Brasil.

O que explica os altos índices de crescimento econômico da China, na comparação com o Brasil, é que lá foi possível preservar a autonomia do setor público. “São as empresas estatais chinesas que definem a relação que vão manter com o setor privado. O que aconteceu na Petrobras, de certa forma, é que se inverteu a relação: as empresas privadas começaram a determinar as políticas da Petrobras. Com o neoliberalismo, houve uma tremenda invasão, no Brasil, do privado sobre o público”, interpreta Belluzzo.
Papel do BNDES

Segundo a Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base, o país possui um déficit em infraestrutura equivalente a R$ 3 trilhões. Com 14 milhões de desempregados e a necessidade urgente de voltar a crescer, o governo Michel Temer (PMDB) caminha na contramão do desenvolvimento. Uma das propostas do presidente golpista é reduzir o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), principal entidade fomentadora de obras e empreendimentos no território nacional.

“Foram ventiladas várias possibilidades de se fazer isso [enfraquecer o Banco]. Uma delas, que se concretizou no ano passado, foi a devolução antecipada de R$ 100 milhões referentes a empréstimos do Tesouro Nacional ao BNDES. E a ameaça mais recente é a MP [Medida Provisória] 777, que está em fase de audiências públicas”, afirma Thiago Mitidieri, presidente da Associação dos Funcionários do BNDES. 

A MP 777 coloca uma série de barreiras para investimento no setor produtivo, encarece os custos de financiamento e aumenta o risco dos empresários, favorecendo a concorrência estrangeira. A tentativa de imobilizar o banco público, segundo Mitidieri, é uma repercussão equivocada da operação Lava Jato.

“Nenhum funcionário do BNDES foi citado por receber vantagens ou favorecimentos. Tanto nas delações da Odebrecht quanto do Joesley Batista [executivo da empresa JBS], fica claro que não havia envolvimento do corpo técnico do BNDES”, esclarece. “Mas vivemos um período de destruição da reputação do Banco. É uma questão de oportunismo. Essa campanha coloca a opinião pública contra o banco, favorecendo qualquer proposta de mudança, mesmo que seja contrária ao interesse nacional”. 

De acordo com Belluzzo, não há saída para a crise do setor industrial sem o fortalecimento do Estado e dos bancos públicos. “O sistema de inovação exige um aporte muito grande de recursos, tanto humanos quanto financeiros. Porque a inovação tem um risco muito grande, e o Estado tem que mitigar esse risco. Eu não estou querendo minimizar, pelo contrário, eu estou exaltando o papel do empresário. Só que, hoje em dia, objetivamente, a articulação é essa”, afirma o economista. Tudo ao contrário do que propõe o governo Temer. 
Alternativa


A Frente Brasil Popular, que reúne movimentos sociais em defesa da democracia e da classe trabalhadora, lançou há dois meses um documento com alternativas para a política econômica do país. O material, chamado de Plano Popular de Emergência, propõe saídas para o cenário apresentado pelos economistas.


O Plano inclui a elevação dos investimentos a 25% do PIB no prazo de quatro anos. Além disso, prevê a suspensão das concessões e privatizações realizadas durante o governo Temer, por exemplo, a venda de ativos das empresas estatais e os leilões das áreas do pré-sal.

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