terça-feira, 8 de agosto de 2017

Os militares e a deterioração da República

REUTERS/Ricardo Moraes


A deterioração da instituições republicanas no Brasil pode ser avaliada a partir da forma com que foi recebida pela cidadania, em geral, a intervenção das Forças Armadas no Rio de Janeiro, onde a corrupção, o crime organizado, o tráfico de drogas, a violência cotidiana e os assassinatos levam a população, muito particularmente a população mais pobre – das comunidades e da periferia – a uma situação de desespero e angústia permanente. Não adianta tapar o sol com a peneira: a ampla maioria da sociedade apóia esta intervenção. Inclusive nos setores sociais mais vulneráveis há a expectativa de que, com o Exército nas ruas, também diminua a violência policial, que sempre desaba nas costas dos mais pobres.
Apesar das corretas e seguidas advertências do Comandante do Exército, General Villas Boas, de que esta não é a finalidade das Forças Armadas, e que não é positivo, para o país, o emprego da tropa para funções de Segurança, ele está cumprindo a ordem do Presidente, de forma disciplinada. É evidente que a determinação presidencial deve ser cumprida – mesmo que seja de um Presidente carente de legitimidade – embora o procedimento contrarie qualquer estratégia de segurança pública numa sociedade democrática. É fato público e notório, porém, que, atualmente, não temos nenhuma estratégia de segurança, o que justifica o alívio do povo carioca com a presença do Exército nas ruas.

Tratar esta questão simplesmente a partir da ótica de que há uma militarização da segurança no Brasil e que isso poderá trazer mais problemas, a médio e longo prazo – como a contaminação das FFAA pelo crime organizado – o que já ocorre, em maior ou menor grau, com todas as polícias do país, é criticar uma contingência sem atacar a questão de fundo. E é ofuscar o problema principal: que as instituições do Estado não estão mais funcionando dentro do Estado de Direito, mas o fazem – ainda que de maneira intermitente – pela "exceção. E o vácuo do seu funcionamento, quando a crise chega na Segurança Pública, pode ser preenchido de duas formas: ou pela politização da criminalidade, como é feito pela "narco-guerrilha", que estabelece um controle privado do território e se "politiza" como já ocorre – em parte – no Rio; ou o vácuo é preenchido por outro poder do Estado, ainda que de forma extraordinária, como está sendo feito pelos militares.

Não poderemos nos surpreender se esta "intervenção militar" no Rio se tornar a abertura de um ciclo de participação das FFAA, mais além das questões da Segurança Pública do país, pois o caos – em parte derivado da crise econômica, em parte impulsionado pelas reformas liberais que sucateiam o Estado – pode estimulá-las para movimentações mais ousadas, independentemente da sua vontade nos dias de hoje. Não penso que, se isso ocorrer, será fruto de uma conspiração "cívico-militar", como ocorreu em 1964, mas mais fruto da decomposição política da República, originária do golpismo que derrubou a Presidenta Dilma. Os golpistas alegavam que, para acabar com a corrupção, bastava tirar o PT do Governo e condenar Lula. O argumento, forjado em cumplicidade com a mídia tradicional- mentiroso e manipulatório- só serviu para semear o ódio como substituto da inteligência política.

O que tem segurado a base do Governo e o próprio, são as emendas parlamentares e a possibilidade do Congresso fazer as reformas do modelo liberal-rentista. Quando as tarefas terminarem, o Governo se esvai, o futuro político fica mais incerto, a sociedade mais insegura e a economia, ainda mais deteriorada. Se é verdade, como disse o General Villas-Boas, que a solução deve ser política e as eleições de 2018 são a chave para isso, talvez a enrascada seja mais complexa. E a paciência do povo, esvaída, mova outras opiniões na caserna, não tão prudentes e inteligentes.

Tarso Genro

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