O ministro da Saúde,
Alexandre Padilha, ficou com medo de a sua pasta empreender uma campanha
extremamente necessária à autoestima das “profissionais do sexo” e até à
segurança delas com a própria saúde. Por conta disso, eliminou a campanha e
cometeu uma tremenda injustiça: demitiu seu autor por ter feito o que era
necessário.
Todavia, não se pode
ignorar a crescente influência dos grupos religiosos radicais. Precisamos nos
lembrar, portanto, de que tal influência já pôs de joelhos a própria presidente
da República e até o prefeito de São Paulo.
Ou alguém já
esqueceu?
Dilma Rousseff teve
que “beijar a cruz” em 2010 na questão do aborto, explorada por José Serra para
fazê-la perder votos entre cristãos fundamentalistas; Fernando Haddad, enquanto
ministro da Educação, teve que sepultar o kit anti-homofobia, cartilha que
pregava tolerância a estudantes e que foi apelidado pelos homofóbicos de “kit
gay”.
Sim, Padilha se
acovardou diante dos enormes grupos de lunáticos que vêm ganhando influência
política. Contudo, não foi o único. Se vamos bater nele, batamos em todos os
outros, do governo e da oposição, que já se encolheram diante desses grupos.
Mas apesar de o
ministro da Saúde não ser o único, há um fato que torna o seu caso mais
intragável: ter demitido o autor de uma campanha moderna, necessária, que
poderia poupar vidas. Abandonar a campanha foi péssimo, mas imolar seu autor
foi trágico.
Agora, tenhamos
presente que a situação política no Brasil está muito complicada. Tudo bem,
Padilha, Dilma ou Haddad poderiam ter bancado ou vir a bancar políticas
públicas ou discursos modernos e desejáveis, mas tais políticas e discursos,
sem serem adotados com muito cuidado, por certo elegeriam seus adversários.
Em 2010, se Dilma
tivesse se mantido firme na defesa da necessidade imperiosa de legalizar o
aborto no Brasil, hoje estaríamos sendo governados por ninguém mais, ninguém
menos do que José Serra, que fez campanha de braços dados com Silas Malafaia.
Um fato: a vitória de
Serra certamente daria a esses grupos religiosos radicais ainda mais poder do
que têm hoje.
Certo?
Com Haddad, seria a
mesma coisa: se não tivesse recuado da campanha para estimular a tolerância
entre estudantes da rede pública, o mesmo Serra estaria hoje governando São
Paulo. E quem vive na minha cidade sabe muito bem o que isso significaria…
Voltemos a Padilha:
suponhamos que venha mesmo a ser candidato a governador de São Paulo no ano que
vem – e foi isso que o fez recuar, por certo. Imaginem o que seus adversários
fariam na campanha eleitoral graças à campanha abortada. Diriam a essas hordas
de fanáticos religiosos que ele estimulou a prostituição.
O bordão “Sou feliz sendo prostituta” seria apresentado a um dos
eleitorados mais conservadores do país como sendo “estímulo” a que nossas
meninas se tornem “profissionais do sexo”, por mais que se trate de uma tolice
descomunal, pois é ao menos incerto que o ideal de vida de qualquer mulher seja vender o
próprio corpo e os próprios sentimentos, assim como não deve ser de qualquer
homem, de qualquer ser humano.
Se não for “ideal de
vida”, porém, a prostituição é um caminho que homens e mulheres escolhem desde
o surgimento da civilização, há coisa de cinco milênios. Um “caminho” que quem
escolhe o faz sem prejudicar ninguém – além de si mesmo, pois a pessoa se expõe
a doenças, a psicopatas, enfim, até à violência.
Mas, como dizem por
aí, as putas diferem positivamente dos políticos porque só vendem o que lhes
pertence. Ah, é injusto estigmatizar os políticos todos? Bem, é tão injusto
quanto querer humilhar pessoas que não fazem mal a ninguém.
Um aviso: antes que
venham dizer que estou defendendo uma conduta de Padilha que pegou muito mal e
que por certo irá gerar consequências muito ruins, explico que sou
absolutamente a favor da campanha que foi abortada e, mais ainda, contra a
demissão de seu autor, que perdeu o cargo por fazer a coisa certa.
Contudo, o que
proponho, aqui, é uma reflexão: tudo bem, os políticos progressistas dão às
costas a esse eleitorado ultraconservador e bancam políticas como essa – que,
apesar de certa, é claramente intragável para uma parcela expressiva do
eleitorado. Qual o resultado disso? A eleição dos candidatos preferidos desses
fanáticos religiosos, claro.
Ou alguém duvida do
poder que um Silas Malafaia e assemelhados teriam caso Serra fosse eleito? Ah,
o governo Dilma está sendo igual? Quer pagar para ver? Pois eu digo: se essa
gente voltar ao poder, com toda a mídia a favor vai implantar uma ditadura no
país. Ninguém conseguirá nem sair à rua para protestar.
Democracia é um
conceito um tanto complicado, às vezes. Em casos como os de campanhas de
esclarecimento governamental que incomodam certas idiossincrasias ideológicas,
é preciso ter habilidade para dizer o que é necessário sempre pensando que um
setor imenso da sociedade é muito “sensível” a tais desejáveis avanços dos
tempos modernos.
Haveria como fazer a
tal campanha para as “profissionais do sexo” sem deixar mentes pequenas com a
impressão de que se trata de “apologia da prostituição”? Talvez sim, talvez não
– esses grupos radicais são extremamente intolerantes e veem problema em tudo.
Mas talvez fosse possível.
O desafio de Padilha
para não se indispor de forma tão irreconciliável com um setor igualmente
importante da sociedade – os grupos progressistas, os movimentos sociais,
sindicatos etc. – será encontrar uma solução de campanha que atinja o objetivo
sem ferir suscetibilidades, por mais que sejam suscetibilidades francamente
idiotas.
Dessa maneira, o
primeiro passo que o ministro poderia adotar, no âmbito do objetivo supracitado
de fazer omelete sem quebrar (muitos) ovos, seria fazer justiça ao funcionário
injustiçado readmitindo-o e dialogando com ele. Em seguida, poderia mostrar
capacidade criando uma campanha eficaz que não o inviabilizasse politicamente.
Sim, falar é mais
fácil do que fazer. Mas para ser governador do Estado mais rico e desenvolvido
da Federação, um Estado que chafurda há 20 anos sob a ditadura de um grupo
político ultraconservador que impede nele progresso social e econômico igual ao
do resto do país, o sujeito tem que mostrar que é capaz de se superar.
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