Materiais capturados pelo
Exército Sírio aos bandos terroristas. As observações do presidente Vladimir
Putin sobre a crise síria, durante uma visita a Vladivostok no fim de semana,
foram as primeiras feitas desde que a crise começou a agigantar-se com os movimentos
dos Estados Unidos para lançar um ataque militar contra aquele país do Médio
Oriente.
O que é gritante na transcrição
do Kremlin é que Putin falou muito mais extensivamente do que o noticiado pelos
media. Além disso ele falou sobre virtualmente todos os aspectos daquela
situação explosiva.
O momento escolhido foi
igualmente muito importante, pois resta menos de uma semana para o grande
evento internacional da cimeira do G20 que está programado para quinta-feira em
S. Petesburgo, reunindo os líderes de topo do mundo, inclusive o presidente Barack
Obama, em torno da mesa de conferência.
Certamente Putin hoje ergue-se
acima de outros homens de estado do mundo ao tomar uma posição baseada
altamente em princípios, dado o envolvimento da Rússia na Síria. A vantagem da
Rússia é seu profundo conhecimento da Síria e do Médio Oriente e é um facto bem
conhecido que ela continua a desempenhar um grande papel para remendar a
conferência Genebra 2 apesar de todas as fortes adversidades...
A grande questão é em que medida
Obama foi influenciado pelas observações de Putin ao adiar até 9 de Setembro a
sua decisão de lançar um "ataque limitado" contra a Síria, pois é ao
que equivale o seu pedido de endosso ao Congresso.
Muito depende desta grande
questão, porque, prima facie, a decisão de Obama de adiar o ataque torna
difícil para ele lançá-lo antes de o Congresso dos EUA se reunir em 9 de
Setembro. Nessa altura, já terá havido a cimeira G20 onde se espera que a crise
síria venha à discussão. Obama sentirá na G20 o isolamento dos EUA em relação à
opinião pública mundial, a qual abomina o recurso à força na Síria. E Putin
revelou que pretende levantar a questão síria com o presidente dos EUA.
Por outro lado, é virtualmente
certo que o Congresso dos EUA endossará a decisão de Obama de atacar a Síria.
Na realidade, a decisão de adiar o ataque por dez dias ou pouco mais dará a
Obama mais tempo para arregimentar a opinião pública europeia. Isto já está a
acontecer.
A valsa diplomática sobre a Síria
parece-se cada vez mais como uma valsa lenta (cross-step waltz). O mais recente
é a forte possibilidade, informada hoje pelo LATimes citando responsáveis
superiores em Londres, de a Câmara dos Comuns britânica optar por uma segunda
votação quanto à participação na "acção limitada" do presidente
Barack Obama contra a Síria. Os principais jornais britânicos também agarraram
a história.
Na verdade, é possível um
consenso entre o primeiro-ministro David Cameron e o líder da oposição Ed
Miliband. Assim como Cameron perdeu a face na votação de quinta-feira, também
Miliband enfrenta críticas dentro do seu partido – e de aliados ocidentais da
Grã-Bretanha – por precipitar uma divergência EUA-Reino Unido sobre uma questão
chave, enquanto a Grã-Bretanha como um todo torna-se uma potência muito
diminuída por ser implicada na situação de um cisma com os EUA sobre um grande
projecto internacional de imensas consequências.
É útil recordar que Miliband
também foi favorável à acção militar contra o regime sírio e seu argumento era
que deveria haver um "mapa da estrada" a ser seguido. Agora, e se
Cameron estiver aberto àquela sugestão? Claramente, os dançarinos estão a
viajar juntos lado a lado, como em passeios ou vinhedos. Isto é uma coisa.
Putin alegou que toda a crise é
uma farsa ("provocação") "daqueles que querem arrastar outros
países para o conflito sírio e que querem o apoio de membros poderosos da
comunidade internacional, especialmente os Estados Unidos". Ele deixou
implícito que uma cabala de estados regionais teria tentado arrastar os EUA
para a intervenção directa na Síria, o que até então a administração Obama
recusou-se a fazê-lo, muito para seu desgosto. Putin também duvidou da
veracidade da afirmação estado-unidense – e pôs em causa a intenção por trás
dela – de que Washington está na posse de "prova" quanto à culpabilidade
do regime sírio. Ele desafiou a administração Obama a apresentar a
"prova" ao invés de usar o álibi de que é informação classificada.
Putin enfatizou que falta aos EUA uma "base para tomar uma decisão
fundamental" de atacar a Síria.
Washington sabe que estes pontos
são impecáveis e difíceis de contestar e a administração Obama, portanto,
continuará a dançar em torno destas questões perturbadoras colocadas por Putin.
O secretário de Estado John Kerry fez precisamente isso na sua mais recente
entrevista à CNN, no sábado: "Eles [a Rússia] escolheram, eu literalmente
digo "escolheram", não acreditar nisso [a culpabilidade do regime
sírio] ou pelo menos reconhecê-lo publicamente. Se o presidente russo escolhe
ainda mais uma vez ignorar, essa é a sua escolha".
Putin disse que via o G20 como
"uma boa plataforma" para discutir a crise síria, embora não seja uma
"autoridade formal" ou uma "plataforma substituta" do
Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ele estava ansioso por discutir a
Síria com Obama "num formato expandido" no G20 da próxima semana.
Certamente, a esperança de Putin é trabalhar sobre a pedra nos rins de Obama e
desviá-la da trilha militar e, esperançosamente, rumo à ressurreição do
processo de Genebra 2. É um lance ambicioso e se alguém hoje pode encená-lo
hoje no palco mundial, esse alguém só pode ser Putin.
Contudo, será que Obama morderá
isso? Aqui, é importante analisar clinicamente as motivações americanas. Neste
fim-de-semana houve açodamento ao julgar que a decisão de Obama de adiar o
ataque até o Congresso deliberar significa que está a "retroceder".
Bem, ele não está. Ao contrário, tudo o que está a fazer ao levar o assunto ao
Congresso é ganhar tempo para organizar os aliados europeus, além de fazer um
movimento inteligente para cobrir seus flancos na política interna americana.
Quanto ao último ponto, o editor
da BBC para a América do Norte, Mark Mardell, avalia correctamente:
"Alguns dirão que isto mostra que Obama está fraco. Ao invés disso, mostra
que as cartas na sua mão são fracas... Tomar acção que é impopular, com uma
coligação internacional incerta e relutância interna, não é uma posição forte
para estar. Mas é sensível assegurar que a responsabilidade pela acção
impopular é partilhada com outros políticos, como sabiam os assassinos de
César. Também é astuto por razões internas adoçar um Congresso muito azedo.
Alguns podem mesmo argumentar que numa democracia é a coisa certa a
fazer".
O fim dos chefões
Hoje na realidade há i perigo
crescente de que a "acção limitada" possa bem vir a assumir uma
dimensão muito maior com uma vasta intervenção militar um tanto como o
"mapa da estrada" que Miliband havia proposto – especialmente se o
parlamento francês também se alinhar na quarta-feira, o que é altamente
provável, dado o facto de que tanto os socialistas como os verdes que têm
maioria no parlamento apoiam acção contra a Síria, com a esquerda intelectual
francesa [NR] proporcionando o estímulo necessário junto à opinião pública.
Em suma, um plano inclinado
encontra-se pela frente e podíamos mesmo estar a rumar para uma intervenção
ocidental na Síria como a do Kosovo. De facto, isso parece cada vez mais ser o
único caminho para Obama poder encontrar uma saída da armadilha da "linha
vermelha" que ele arrogantemente estabeleceu para si mesmo na questão das
armas químicas – a menos que alguma fórmula de compromisso, tal como a
"comunidade internacional" encarregar-se dos stocks de armas químicas
da Síria, surja no próximo G20 de quinta-feira.
A questão é que, se a "acção
limitada" dos EUA for desafiada militarmente pela Síria e/ou Irão e
Hezbolá, isso podia do dia para a noite transmutar-se numa "acção
ilimitada", pois os EUA teriam de responder com força muito superior. (Curiosamente,
os EUA continuam a aumentar sua armada naval no Leste do Mediterrâneo.) Tudo
começou como uma "acção limitada" de ataques aéreos sobre a
Jugoslávia em 24 de Março de 1999, mas quando a assim chamada Operação Bigorna
Nobre acabou onze semanas depois, em 10 de Junho de 1999, uma missão da ONU
atacou o Kosovo.
O que precisa ser decomposto do
ângulo geopolítico é que Obama não pode sequer pensar que tem qualquer outra
opção além de actuar sobre a Síria. Ou do contrário, os dias dos EUA como
chefão estão acabados no Médio Oriente – os laços com a Arábia Saudita ficarão
sob tensão sem precedente; a segurança de Israel será seriamente afectada; o
Irão inexoravelmente ganhará vantagem tanto como potência regional como no caso
de impasse; e os EUA terão de negociar com Teerão a partir de uma posição de
fraqueza. De modo geral, a falha em actuar na Síria já dará uma bofetada letal
na posição dos EUA no Médio Oriente da qual será difícil recuperar, e isso por
sua vez transformará a maré da Primavera Árabe e disparará uma série de
convulsões a jusante numa variedade de frentes tais como o futuro do Egipto, o
Iraque, o Líbano, o problema da Palestina, a presença militar americana na
região e assim por diante. Um período perigoso depara-se pela frente.
02/Setembro/2013
[NR] A classificação de
"esquerda" dada aos que apoiam servilmente as agressões militares do
imperialismo é do autor. Resistir.info não endossa tudo o que publica.
Do mesmo autor:
Syria: The Iron In Obama’s Soul ,
04/Setembro/2013
[*] Ex-embaixador da Índia.
O original encontra-se em
www.strategic-culture.org/news/2013/09/02/obama-nearing-point-of-no-return.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/ .
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