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PT: entre a paralisia e a divisão?
por Aldo Fornazieri
É de se lamentar, tanto do ponto de vista da construção da democracia no Brasil, quanto do ponto de vista das lutas populares e progressistas, que o PT não consiga reagir à crise política do país e à sua própria crise, mergulhando numa profunda inação e crescendo a perspectiva da divisão interna. As críticas que as esquerdas devem fazer ao PT não podem ser orientadas no sentido da destruição do partido. Não será com a destruição do PT que os demais partidos se fortalecerão e crescerão, mas a partir de suas proposições positivas, capazes de angariar a simpatia e a adesão de segmentos sociais e populares.
Se o PT for destruído, há que ser pela sua própria vontade, pela sua incapacidade de sair da crise. Assim, a crítica ao PT deve ser no sentido de tirá-lo da paralisia, de cobrar-lhe uma autocrítica, de fazer com que se explique à sociedade, algo que já passou da hora, faz tempo. A própria presidente Dilma, a rigor abandonada pelo partido, cobrou-lhe que se explique à sociedade. Há que se lamentar também que parte dos militantes reaja de forma esbravejante em face das necessárias críticas que se deve fazer ao PT. Essa autocondescendência é a forma mais rápida de destruir o partido.
Os sinais da divisão interna se acentuaram na semana passada a partir de alguns episódios. Em primeiro lugar está claro que a direção do partido abandonou Dilma à sua própria sorte. Ela não é mais acompanhada por dirigentes. Foi sozinha ao ato contra o golpe em Taboão da Serra há algumas semanas. O ato do dia 31, chamado por movimentos sociais, no Largo da Batata, não teve empenho convocatório do PT e da CUT. As críticas internas e externas à impressão de que o partido abandonou a luta contra o golpe se avolumaram ao ponto da direção emitir uma nota refutando as imputações. Mas onde há fuça há fogo. Os sinais de que o impeachment é dado como favas contadas pela direção são evidentes. De fato, a reversão no Senado é improvável. Mas daí a cair na inanição é algo inaceitável para quem apregoou que Dilma foi afastada por um golpe.
Aceitar Temer ou deslegitima-lo?
Em face das ambiguidades dos dirigentes do partido, as correntes de esquerda emitiam uma nota, “Nenhuma Conciliação com o Golpe”, e alguns líderes desses grupos advertiram acerca da possibilidade de uma “ruptura” interna, caso não haja uma clara demarcação com os golpistas e com o governo Temer. Na sequência, a direção declarou que a proposta de realização de plebiscito e de eleições diretas, defendida por Dilma e setores petistas, não é apoiada pelo partido por ser inviável. Todo esse quadro sinaliza para a existência de três posições no PT: 1) não aceitar o golpe e lutar pelo retorno de Dilma e caso o impeachment seja consumado continuar a luta contra o governo Temer, com o objetivo de inviabilizá-lo; 2) aceitar o impeachment como fato consumado e fazer oposição ao governo Temer preparando o partido para 2018; 3) aceitar o impeachment e negociar com o governo Temer (reforma da previdência etc.,) preparando-se para 2018.
A perspectiva das segunda e terceira posições é a de que é preciso concentrar esforços para defender Lula visando apresenta-lo como alternativa nas eleições presidenciais de 2018. Enquanto isso, o partido entraria no leito normal da política, em oposição ao governo Temer. O problema dessa estratégia é que ela está totalmente submetida aos desígnios das contingências e da fortuna. Isto é: ao imponderável da Lava Jato, pois ela não está ao alcance da luta política por situar-se na esfera judicial; à investida de Gilmar Mendes, que quer suspender o registro do PT; ao próprio Lula, à sua vontade e à sua saúde. Mas o mais perturbador dessas duas posições é que há uma aceitação tácita, para não dizer explícita, do governo Temer.
Ademais, essa perspectiva, além de equivocada, é solitária e unilateral. Apega-se apenas ao mito Lula e não olha e não dialoga com a diversidade de movimentos sociais e políticos progressistas e combativos que surgiram a partir de 2013 e que não se submetem aos parâmetros do PT. Essa perspectiva acredita ter uma força que já não tem. Vive um profundo desgaste político e moral e teima em não reconhecer erros. Poderá até manter a máquina do partido, mas tende a afogar-se nos seus equívocos e na sua arrogância.
As correntes petistas de esquerda propõem que o “PT deverá seguir na luta contra o golpe em conjunto com os movimentos democráticos-populares num embate sem arrefecimento ou conciliação, que só acabará após a vitória da democracia”. Mais adiante o documento afirma que “parte da nossa resistência frente ao programa neoliberal do golpismo, passa pela construção, junto às forças democráticas populares, de diretrizes e de uma plataforma de lutas pelo desenvolvimento com distribuição de poder, renda e propriedade, com soberania nacional e alianças internacionalistas pela paz e pelo desenvolvimento sem o domínio imperialista. Assim propomos uma grande conferência programática que deverá ser realizada em conjunto com os partidos de esquerda e os movimentos e frentes democrático-populares, ressaltando a centralidade da unidade deste campo ao longo de todo o próximo período”.
Criar uma nova perspectiva de futuro
Embora a posição seja combativa, ela é ambígua e insuficiente. Não dá o passo decisivo que consistiria em propor, de forma clara, a formação de uma Frente democrática e progressista, com o objetivo de combater o governo e construir uma alternativa contra o conservadorismo, contra o ataque aos direitos e à democracia. Neste momento de confusão, desânimo e dispersão das forças políticas progressistas é preciso ter uma proposta clara e um rumo definido, visando aglutinar forças, desenvolver um novo programa para o Brasil e construir um instrumento organizativo que seja a expressão de uma nova vontade coletiva.
O pressuposto dessa estratégia é a de que o PT e os partidos de esquerda, como o PSol e o PC do B, e outras agremiações de centro-esquerda esgotaram o seu ideário, o seu apelo e sua capacidade de persuadir os grupos e movimentos sociais com uma esperança de futuro. Não se trata de renegar esses partidos, mas de integrá-los na construção de uma nova perspectiva.
O momento político brasileiro é perturbador e desafiador. Ele requer humildade, responsabilidade e compromissos. Requer, acima de tudo, a coragem para lutar e para mudar. Se a coragem é uma necessidade, então se está diante do dever de ser corajoso. A coragem precisa de mediações eficazes. É preciso fugir das bravatas, pois as forças democráticas e progressistas se mostraram frágeis, desorganizadas e sem capacidade de apelo social. A sociedade brasileira e os segmentos populares sofreram uma imensa derrota no processo político em curso.
Mas é preciso evitar também o oportunismo abstencionista do sangue frio que quer ficar no aguardo de momento mais oportuno para a luta. Esta fuga para o futuro é uma capitulação e um signo dos covardes. Não se trata de combater sem esperança, pois se a vitória vier, não virá de um golpe só, mas de uma nova construção, já que a esquerda que está aí não pode mais servir de parâmetro. O futuro é incerto e a única certeza que podemos ter é que precisamos cumprir nosso dever, lutando por aquilo que acreditamos ser a liberdade, a igualdade e o bem comum.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
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