segunda-feira, 24 de abril de 2017

Fermento pra massa

Ricardo Stuckert/ Instituto Lula

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No Brasil, 250 mil estão presos sem julgamento. A violência tem CEP e cor de pele. Jovens e policiais, quase sempre negros e pobres, se matam numa guerra sem sentido. As oportunidades têm berço e a riqueza da nação passa de geração em geração nas mãos dos 1% mais ricos, donos de um terço de tudo. É justo? Para conservar tudo assim há mais de século, foi (e ainda é) o Estado o grande mantenedor do status quo. Um Estado dirigido pelo "homem cordial", patrimonialista e afeito ao compadrio, que trata o que é público como a cozinha de casa, como definiu Sérgio Buarque de Holanda.

Anota o historiador: "A ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se naturalizou entre nós. A democracia no Brasil sempre foi um lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos ou privilégios". O modelo garante isenções para os barões e bilhões arrecadados dos trabalhadores para bancar universidade pública só para a elite; bilhões recolhidos na previdência para distribuir pensões mínimas à massa e pomposas a políticos, militares e juízes. Não é justo. Como bem disse Milton Santos, "o Brasil jamais teve cidadãos. Nós, a classe média, não queremos direitos, nós queremos privilégios, e os pobres não tem direitos".

A chegada de Lula à Presidência da República foi tão fora da curva que tudo que fizemos para desmontar a máquina de injustiças era inédito, virou jargão, "nunca antes na história desse país...". Viramos case de sucesso, exemplo recomendado pela ONU de políticas de redução da desigualdade que deram certo. O sentimento de injustiça que acompanha o cidadão brasileiro começou a dar lugar ao da esperança, a dignidade levantou a autoestima, muita coisa mudou para melhor, outras infelizmente ficaram como estavam.

O acesso à universidade garantiu não apenas ascensão social: educação faz pensar, questionar, formular, abre a cabeça. O Brasil mudou. Nas camadas urbanas, movimentos de afirmação social de minorias políticas surgiram neste extrato social mais complexo e plural. Esse novo Brasil foi às ruas em 2013 na tentativa de romper com o passado. Foi difícil para os políticos entenderem que a revolta era contra um modo de fazer política que ficou anacrônico para o país que surgia. Foi um difuso, mas sonoro "não" à identidade do brasileiro cordial, ao uso do que é público para benefício próprio, aos favores e privilégios, um clamor por mais cidadania e respeito ao que é público.

Apesar da bronca, o reconhecimento do poder de transformação social que os governo do PT ainda possuíam vieram nas urnas em 2014. Em vez de dar sinalizações de mudança, dobramos a dose, perdemos as ruas. Erramos, e foi a brecha para a direita ter sucesso no golpe que estava armado. Eles também erraram, e erraram feio. Nada parece mais com o Brasil antigo que golpe, ministério de brancos ricos, mulheres recatadas e do lar, patrimonialismo tratado no gabinete presidencial (vide Geddel). Para piorar, o governo voltou assombrosamente a ser uma fábrica de injustiça, propondo privatizações, terceirização e duríssimas reformas Previdenciária e Trabalhista.

Com esse pacotão golpista não precisa ser vidente para enxergar num retorno da esquerda pelas urnas. E foi na tentativa de neutralizar Lula e o PT que eles apostaram alto demais. Conduziram à força para depor, grampearam para expor, coagiram delatores para inventar, chegaram a debater na imprensa qual o "timing" de mandar prender. Perseguiram, difamaram, mas prova não há. Brasileiro odeia covardia. Transforam o grande líder do maior processo de redução das injustiças no Brasil em um injustiçado.

A volta de Lula em 2018 será com pouco dinheiro e muita luta. Estará sedimentada em um novo pacto social. A composição política para obter governabilidade é intrínseca de nosso modelo político e é demagogia fazer crer que é possível abandoná-la. Mas será em outros termos, com outros atores. Não repetiremos o mesmo erro, aprendemos.

Jorge Solla

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