domingo, 11 de junho de 2017

O rebaixamento do Brasil


Vargas, JK, os militares e Lula queriam uma economia poderosa. FHC e Temer se esforçaram para apequená-la


No contexto atual de dilapidação acelerada da economia, custa acreditar que o País chegou a ter, no início dos anos 1970, praticamente o mesmo perfil estrutural da indústria dos países desenvolvidos.

A proeza fez parte do chamado “milagre econômico”, período de crescimento significativo durante o regime militar instalado em 1964. O avanço só foi possível porque contava com a base industrial e as principais instituições do capitalismo brasileiro criadas por Getúlio Vargas, entre os anos 1940 e 1950, e desenvolvidas por Juscelino Kubitschek, entre a última década mencionada e o início dos anos 1960.

O aço da Companhia Siderúrgica Nacional, o combustível da Petrobras, o financiamento de longo prazo do BNDE e a Consolidação das Leis do Trabalho, entre outros requisitos providos no período varguista, colocaram a economia no rumo da modernidade.

Kubitschek levou adiante a tarefa, ao impulsionar a indústria automobilística e grandes obras públicas multiplicadoras de investimentos e postos de trabalho.

Nesse período surgiram algumas das grandes construtoras nacionais, que seriam beneficiadas com recursos públicos nos anos 1970, realizadoras de empreendimentos de porte no País e no resto do mundo.

O êxito econômico do regime militar não o isenta, é óbvio, da responsabilidade pelo aumento da corrupção praticada pelas construtoras, e que prosseguiu nos governos civis. Assim como o sucesso na promoção do crescimento não o exime da destinação de dinheiro público a obras questionáveis, como a rodovia Transamazônica e o “Minhocão” paulistano.

Nada justifica também a violência do período e o mesmo critério deve ser usado para discernir entre a barbárie do Estado Novo e todos os efeitos positivos da edificação do capitalismo nativo sob Vargas.

Tampouco os êxitos do governo de Kubitschek apagam os efeitos negativos do hiperdimensionamento do transporte individual à custa da atrofia do transporte de massa crucial ao País, entre outros equívocos.

É inegável, entretanto, a existência de uma clara continuidade entre os três períodos mencionados na busca de um aumento do poder econômico do Brasil. Seguiram o mesmo rumo, no governo Lula, o crescimento dos investimentos na prospecção de petróleo e a descoberta do pré-sal, o impulso à indústria local da cadeia produtiva de óleo e gás e a ampliação do mercado interno com a melhora da distribuição de renda, entre outros feitos.

Na direção oposta, a regressão radical da economia une de modo indissolúvel a década de 1990, do governo FHC, ao período decorrido desde a gestão do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, sob o governo Dilma Rousseff, até este pouco mais de um ano da desastrosa administração Michel Temer.

O rumo do retrocesso FHC-Temer é claro: privatização, desnacionalização, desindustrialização e reprimarização sem limites, com redução alarmante da autonomia e do poder do País no contexto global.

A propósito do avanço econômico sob o regime militar, o estudo O Milagre Econômico (1968-1973) e a Estrutura Industrial Brasileira, elaborado pela Facamp Faculdades de Campinas, é esclarecedor.

Em 1973, por exemplo, o peso do valor adicionado pela manufatura ao PIB foi de 29,8%, superior ao da França, de 22,1%, e ao dos Estados Unidos, de 21,9%. A indústria brasileira contribuiu com 39% do PIB e a francesa, com 32,4%.

A produção de máquinas, equipamentos e produtos metalúrgicos no País era superior a 30%, inferior à dos Estados Unidos, de 49,5%, mas quase igual à da Europa Ocidental.

Atingiu-se esse patamar no fim do “milagre” e da política econômica conduzida pelo ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto – colunista e integrante do conselho editorial desta revista –, de abril de 1967 a dezembro de 1973.

O estudo destaca a “modernidade do sistema de planejamento e sua capacidade de impulsionar o desenvolvimento”, e mostra o grande potencial da estrutura econômica doméstica. As decisões implementadas no fim da década de 1960 não demoraram a ter efeito.

A taxa de crescimento passou de 4,2% para 9,5% anuais, em 1968, impulsionada pelas medidas tomadas no ano anterior. “As deliberações mais importantes foram a criação da letra de câmbio e de uma holding do setor, a Finasa, que possibilitaram a estruturação e a expansão do crédito ao consumidor ao longo de 1967”, ressalta o trabalho.

Além disso, reduziu-se o aperto dos financiamentos ao setor privado e o déficit público foi ampliado.

O crescimento começou com a reativação da indústria de bens de consumo duráveis, em especial a automobilística. Com a economia se expandindo entre 9% e 10% ano após ano, as receitas de tributos e das estatais aumentaram e permitiram a elevação do gasto público da União, dos estados e dos municípios.

A retomada da economia dinamizou também as estatais, principalmente nas áreas de siderurgia e eletricidade. O investimento cresceu 20% ao ano, entre 1968 e 1973, nas empresas públicas e ampliou-se também na área de infraestrutura social – construção de hospitais, postos de saúde, escolas –, movimentando a construção civil e outros setores.

A modernização da agricultura elevou a participação da soja nas exportações, de 2% em 1967 para 14,8% em 1973 (Foto: Jonas Oliveira/ANPR)

O setor expandiu-se à taxa de 15% ao ano. O investimento privado, sabe-se, colhe as oportunidades proporcionadas pelo crescimento e essa característica se comprovou no período, mostra a pesquisa: “As empresas multinacionais ampliaram seus parques produtivos com a entrada de investimento direto por meio da Lei nº 4.131.

As nacionais não encontraram obstáculos à sua expansão, na medida em que o BNDE estava à disposição e os bancos nacionais reemprestavam os recursos captados no euromercado através da Resolução nº 63.

Para a maior parte das companhias nacionais, entretanto, a continuidade do aumento do crédito corrente e a retenção de lucros permitiam arcar com boa parte dos investimentos”.

As empresas nacionais de bens de consumo corrente foram beneficiadas pelos efeitos da expansão da economia sobre o mercado de trabalho.

A forte ampliação do emprego, da ordem de 4,3%, foi ainda mais intensa no setor industrial, que cresceu 8,4% ao ano, entre 1970 e 1974. A política econômica contemplou também a expansão do setor agrícola, com garantia de preços mínimos mais elevados e crédito rural abundante e subsidiado, fornecido principalmente pelo Banco do Brasil.

O objetivo era a modernização produtiva da agricultura, que garantiu o aumento da oferta interna e o crescimento das vendas externas. A participação da soja na pauta de exportação passou de menos de 2%, entre 1967 e 1968, para 14,8% em 1973.

O setor de serviços avançou com a indústria, provendo atividades especializadas de logística e de engenharia, entre outros. A urbanização acelerada foi outro vetor: os serviços e os pequenos negócios se multiplicavam nas cidades em expansão, no comércio, na segurança, no lazer e na alimentação.

Em resumo, havia um circuito de crescimento acelerado. Em seis anos, a economia tornou-se 88,5% maior. O estudo buscou responder à seguinte questão: como foi possível atingir taxas elevadas sem estrangulamento financeiro externo?

O primeiro aspecto a considerar é que a economia mundial ainda crescia vigorosamente, o crédito externo era abundante no euromercado e as relações de troca – entre os preços de exportação e de importação – melhoraram sensivelmente, em cerca de 15% no período. “Foi o último suspiro dos 30 Anos Gloriosos”, de desenvolvimento mundial contínuo e relativamente equilibrado.

A elevação das exportações resultou, entretanto, da política econômica do governo. Os itens mais importantes foram os subsídios, por meio do regime aduaneiro drawback (suspensão ou eliminação de tributos incidentes sobre insumos importados para utilização em produto exportado), crédito-prêmio para o IPI e o ICM e as linhas de financiamento subsidiadas como o Befiex e o Finex, entre outros instrumentos.

Durante o “milagre”, as exportações cresceram 46% em dólar, com diversificação da pauta e de parceiros comerciais e participação crescente dos manufaturados, que chegou a 31,3% do total em 1973. O financiamento do déficit de transações correntes foi realizado sem grandes dificuldades. A dívida externa aumentou 8,8 bilhões de dólares e as reservas internacionais cresceram 6,1 bilhões de dólares.

O estudo responde também a essa outra indagação: por que a inflação não subiu numa economia oligopolizada que crescia com velocidade? O Conselho Interministerial de Preços, instituído em 1968, definia os reajustes de preços dos setores mais concentrados.

“Tolerou-se, entretanto, uma inflação média de 19% ao ano, ainda que a de 1973 tenha sido falsificada. Cabe lembrar que o mecanismo de correção monetária permitia uma convivência pacífica com a inflação e era inevitável numa economia sem moeda conversível.”

O País crescia com rapidez, puxado no início pela ocupação da capacidade ociosa da indústria de bens duráveis e, depois, pelos investimentos públicos. O balanço de pagamentos e a inflação não eram obstáculos.

Em 1973, o peso da estrutura industrial brasileira no PIB era considerável numa economia que se tornava uma das maiores do mundo. A renda ainda permanecia muito abaixo daquela dos países desenvolvidos, tanto a absoluta quanto a per capita.

Tratava-se, entretanto, de uma estrutura diversificada, integrada e que contava com os setores típicos do capitalismo desenvolvido.

“A grande falha estrutural dizia respeito ao desenvolvimento precário do setor do petróleo – ainda não havia o pré-sal – e à ausência da indústria petroquímica, montada mais adiante, de 1974 a 1980.”

Outro aspecto da estruturação econômica do País, segundo o trabalho, foi a política de concentração do sistema financeiro privado, “com grandes repercussões até hoje”.

A quantidade de bancos comerciais privados nacionais passou de 188, em 1968, para 72, em 1974. Com a criação dos bancos múltiplos, os maiores bancos comerciais passaram a abarcar quase 70% das emissões totais de letras de crédito ao consumidor e 85% dos bancos de investimento se associaram aos comerciais.

O estudo chama atenção para a importância da estrutura de planejamento fundada em um sistema público de financiamento, no gasto público e nas empresas estatais.

Proviam o financiamento público o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o BNDE, o BNH, bancos estaduais e instituições financeiras regionais, como o Banco do Nordeste.

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