quinta-feira, 6 de julho de 2017

As consequências drásticas de um ajuste fiscal estúpido

As consequências drásticas de um ajuste fiscal estúpido

Eduardo Strachman
http://justificando.cartacapital.com.br/

A objetividade é muito importante ao investigar algo, o que vale também para a atual crise brasileira se desejamos uma maior clareza sobre suas causas e consequências, distanciando-nos de dicotomias que podem obscurecer a razão. Quanto ao crescimento econômico, o Brasil vem apresentando há quase quarenta anos taxas baixas, as quais passam de uma média de 6,5% ao ano, entre 1930 e 1980 – a segunda maior do mundo no período, só perdendo para a japonesa – para menos de 2,2% ao ano, de 1980 a 2016, com a economia nacional tendo encolhido 7,2% só nos últimos dois anos! Por que isso ocorreu e por que um país resolve voluntariamente encolher, o que acontece há mais de dois anos, sem perspectivas para o fim desta crise?
Destaque-se que não havia nada como:

a) uma clássica crise de Balanço de Pagamentos, que tantos danos causou historicamente ao país, como nos anos 1980 ou em 1998-99 – afinal, em 31/12/2014, as reservas internacionais se encontravam nos maiores níveis da história, com US$ 374 bilhões, pelo conceito de liquidez, e vêm se mantendo na casa dos R$ 370 bilhões desde então, mostrando uma extrema estabilidade, ao contrário de visões infundadas;

b) descontrole inflacionário, pois a inflação encerrou 2014 com 6,41% ao ano, pelo índice oficial (IPCA), mantendo-se, então, dentro das rígidas e, por vezes, inadequadas metas adotadas pelo 10º ano consecutivo; 

c) um descontrole mais acentuado das finanças públicas, mesmo com elas se deteriorando, a partir de políticas econômicas com poucos resultados em termos de crescimento, a despeito de custos fiscais mais elevados – a dívida bruta/PIB atingiu 56,3%, ao final de 2014, quando havia sido de 76%, ao final de 2002, último ano de FHC, mantendo-se sempre em menos de 60%, desde 2004. Na verdade, é a partir do desastroso “ajuste fiscal” de Joaquim Levy, que esta relação volta a crescer, passando a 65,5%, ao final de 2015, 69,9%, ao final de 2016, e 71,6%, em março de 2017. Portanto, a política econômica iniciada por conta dessa escolha para o Ministério da Fazenda, e que tem continuidade e aprofundamento na atualidade, consegue também “explodir” a taxa de inflação, em 2015, quebrando aquela sequência de uma década de metas alcançadas, chegando a 10,67%, em 2015. Desde 2002 a inflação não atingia 2 dígitos no país.

A questão mais premente é entender porque escolher um tal rumo para a política econômica, optando por uma recessão – transformada, agora, na maior depressão da economia brasileira em 88 anos –, mas sem qualquer necessidade de medidas drásticas, como visto acima. A questão principal é, então, perceber porque no Brasil são adotadas políticas recessivas com tanta facilidade, ou seja, porque se inicia uma recessão que interrompe o já baixo crescimento do país, e, ademais, transforma-se na principal responsável pela perda de apoio político do II Governo Dilma em estamentos importantes, contribuindo decisivamente para sua queda, pouco mais de 16 meses após a posse.

Assim, parece ter havido um “consenso” de desnecessário anti-crescimento no país, tanto nas propostas dos dois principais candidatos derrotados à Presidência quanto na posterior política escolhida pela vencedora, o que demonstra o problema de ideologia e conhecimento inadequados e de interesses que se conectam a estes últimos. Kalecki, há 75 anos, em “Aspectos Políticos do Desemprego”, buscava entender os interesses que sustentam coalizões “austeras”.

No caso brasileiro, uma série de interesses se alinham nesse sentido: taxas de juros perenemente entre as mais elevadas do mundo, com sobredimensionamento do setor financeiro em relação ao tamanho da economia; além da usual contenção de salários e dos níveis de emprego, conjugada, no momento, com a destruição da legislação e de direitos trabalhistas e previdenciários. Além disso, devemos mencionar a busca pelo cerceamento do setor público, que é impedido de executar políticas anticíclicas – as quais foram tremendamente bem-sucedidas, no período 2009-2011 – e, por fim, mas não menos importante, a depreciação de ativos, funcional para agentes que estão líquidos, e que recebem juros a partir desta liquidez, proporcionada por uma das estruturas tributárias mais regressivas do planeta, a que se devem incluir aplicadores/investidores estrangeiros, para os quais se promove uma grande liquidação de ativos, depreciação do país e rebaixamento de sua importância no mundo.

Nada disso parece perturbar ou fazer mudar de direção esta coalizão austera. Em um país fundado sobre extrema desigualdade e desconsideração sobre direitos – pois foram ao menos 300 anos de escravidão intensa – medidas como a não tributação de rendimentos provenientes de lucros e a rejeição a uma alíquota mais elevada para o imposto de renda – no Governo FHC, mas não corrigida em treze anos de Governos petistas – não parecem causar maiores transtornos. O mesmo se pode dizer sobre a posição subalterna do Brasil e de toda a região em que ele se encontra, no mundo, a qual se acirra com este encolhimento recessivo auto-infligido – não precisamos mais de intervenção externa para adotarmos essas posturas.

Quais as perspectivas para reverter isso? Afinal, rumamos para um “equilíbrio”, uma tendência medíocre em que diminuímos o mercado interno, a contrapartida inevitável de fortes políticas pró-desemprego e da destruição de direitos trabalhistas e previdenciários; perenizamos juros entre os mais elevados do mundo, junto com uma estrutura tributária fortemente regressiva, tornando o setor público um Robin Hood às avessas; reduzimos fortemente, em termos de participação, a indústria em nossa economia e, ademais, quase nenhum industrial tem maior peso político e nem parece compreender o que está em jogo com as medidas apoiadas por suas associações, com problemas representativos. Ao mesmo tempo, conhecemos uma reprimarização acelerada da economia nacional e um sobredimensionamento do setor financeiro.

Haveríamos, então, que começar a construir uma outra coalizão, buscando um outro equilíbrio/tendência, que inclua uma indústria revitalizada, um setor de serviços e uma agropecuária igualmente modernos; mercado interno; direitos trabalhistas e previdenciários, cuja revogação não pode ser o foco da competitividade nacional, afinal a taxa de câmbio pode ser alterada, caso queiramos depreciar o salário em termos internacionais – mas, ressalte-se que nosso principal concorrente, verdadeiramente competitivo, a China, já não baseia suas vantagens em baixos salários, os dela já são maiores do que os nossos; uma tributação progressiva, que sustente um setor público forte e dinamizador do país, o qual possa arcar com políticas públicas generalizadas, de infra-estrutura, ciência e tecnologia, saúde, educação, meio-ambiente, segurança, etc. Ademais, todas estas políticas geram mercados (e lucros) para fornecedores, e empregos, tirando a economia deste atoleiro (“equilíbrio”) estúpido e aproximando o Brasil dos países civilizados.
Eduardo Strachman é Prof. Livre-Docente do Departamento de Economia da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP).

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