segunda-feira, 24 de julho de 2017

Cotas: uma universidade que não dá conta disso não pode reivindicar excelência

    Foto: Reprodução/Agência Brasil

Agora que caíram os últimos bastiões da resistência racista das universidades públicas estaduais com a aprovação de Cotas pela Unicamp e pela USP, nós, os defensores desta política, podemos falar com todas as letras que as cotas não são, como se diz, a pior das soluções para a exclusão social de pobres e negros do ensino superior.
Digo isso porque este argumento é embasado em uma noção meritocrática, elitista e etnocêntrica do que se supõe como “a melhor forma” de acessar a Universidade. Esta “melhor forma” seria todos terem acesso à educação básica, disporem das mesmas habilidades, das mesmas competências e gozarem das mesmas oportunidades. Em suma, esta visão pressupõe a existência de pessoas iguais, do ponto de vista cultural e material.

Sempre os mesmos sujeitos sociais formariam a clientela universitária, aprenderiam novamente as mesmas coisas, e não teriam absolutamente nada para compartilhar.
Em 2017, já podemos afirmar que isto seria – e é – péssimo para qualquer Universidade. E em se tratando de uma universidade que tem por sina formar elites dirigentes, isso é uma tragédia. Na formação de nossa elite, em especial a elite paulista, pode estar uma das razões de nossos males. Esta elite bárbara e violenta que hoje chafurda o país foi formada nestes parâmetros etnocêntricos e meritocráticos que eram as Universidades paulistas até, no mínimo, o século passado.
Agora que entramos no século XXI, podemos reconhecer o que o mundo já descobriu há tempos: experiências sociais distintas formam saberes distintos que impulsionam diferentemente a produção do conhecimento. Se uma universidade serve à formação do conhecimento, há que atrair para dentro dela tantas formas de saberes quanto lhe for possível. E durante mais de 80 anos a Universidade Brasileira fechou-se ao encantamento do solo dos subalternizados.
No ano em que vira coqueluche, Lima Barreto espreita a USP: é preciso viver para conhecer. A máxima cartesiana é suspensa um instante. O conhecimento não está num pentágono formado por Inglaterra, Alemanha, França, EUA e Itália. Barracos, florestas e campos resplandecem de sabedoria. Uma universidade que não dá conta disto não pode reivindicar excelência.
Festejos à parte, a reação virá. Desde a mais chula pichação em banheiro até a reação da força institucional e econômica mobilizada pelas elites que vierem a se sentir lesadas, prejudicadas e aviltadas. Resistência interna para a implementação da política, campanhas contra alguma característica de sua aplicação, corte de recursos para a pesquisa, criação de novos centros de estudo, até campanhas difamatórias.
Cabe àqueles engajados seguirem lutando por passos adiante, por consolidação das etapas seguintes dos trabalhos, pela vigilância de sua implementação, por reformas para enriquecer e deseuropeizar os currículos, por políticas de permanência estudantil e, finalmente, pela acolhida da primeira turma de cotistas na universidade.
Apesar de serem como uma lufada de ar que areja as ideias, os novos cotistas sentirão a pressão do que é estar num espaço cuja presença não é consenso. O olhar altivo destes novos cotistas é uma imposição. Na sociedade racista em que vivemos, é preciso levantar a cabeça e entender que será mais um dia.
Quando cheguei na UFSCAR para cursar Ciências Sociais em 2001, um panfleto de recepção de calouros dizia: “Parabéns! Você acabou de passar pela máquina de exclusão social que é o vestibular”. Ao longo de minhas passagens pela Universidade, vi que além de excluir pessoas, as Universidades, curiosamente, excluíam os conhecimentos. Espero que num futuro próximo possamos pensar em muitas outras formas de acesso à Universidade. As cotas são o primeiro passo para que isso aconteça e por esta razão é a melhor saída para a excelência.
Paulo Ramos é cientista social, mestre em sociologia (UFSCar) e doutorando Sociologia (USP). Seus temas são Relações raciais, Violência e Movimentos sociais.

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