terça-feira, 25 de julho de 2017

Uma sociedade em colapso

Uma sociedade em colapso
Foto: Guilherme Testa/FotoArena
http://justificando.cartacapital.com.br/

Há pouco mais de dois anos começamos a vivenciar o colapso total da sociedade em que vivemos, seja nas relações de trabalho, seja no aumento da violência urbana, seja na repressão desproporcional perpetuada pelas polícias, seja no expressivo número de pessoas que vivem sem nada nas grandes cidades, conhecendo o pior que temos a oferecer como sociedade, seja nas relações sociais que se fragmentaram pela nossa intolerância com os outros.
Não que a sociedade brasileira que existia antes de 2014 era perfeita, como modelo ideal a ser lembrado… Não, de forma alguma. Mas era minimamente mais justa e solidária. As pessoas eram mais preocupadas umas com as outras, nossos políticos eram mais comedidos, havia uma certa tranquilidade e esperança em relação ao futuro do país.

Antes, as pessoas votavam em eleições democráticas para a Presidência da República e, por incrível que possa parecer, o resultado dessa eleição era respeitado. As manifestações públicas e as greves de trabalhadores sempre se davam em prol de uma sociedade mais livre, justa e solidária, ou seja, a Constituição Federal de 1988 ainda vigorava. O Poder Público tinha minimamente vergonha na cara de ao menos tentar implementar as políticas públicas e sociais de inclusão dos menos favorecidos cumprindo com o papel que lhe era destinado pela soberania popular (artigo 14 da CF/1988). Os juízes eram mais humanos. Se houvesse alguma condenação, a decisão certamente estaria baseada em alguma prova. É o mínimo que se esperaria naquela época.

Como temos visto, após o golpe parlamentar-midiático-judiciário de 2016, a sociedade brasileira entrou em completo colapso. O congelamento dos gastos públicos pela Emenda Constitucional nº 95/2016 corta o orçamento em áreas sociais extremamente sensíveis, a CLT foi deformada e virou um código de trabalho empresarial (Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017), acordos parlamentares são descumpridos sem qualquer pudor, aumento de impostos são implementados na calada da noite atingindo todas as camadas da população ao mesmo tempo em que se perdoa dívidas bilionárias de grandes corporações e, por outro lado, políticas públicas e sociais são abandonadas em todas as esferas. E ainda pretende-se reformar a Previdência Social criando uma condição de inaceitável retrocesso social através da PEC nº 287/2016.

E o que fizemos?

Acordamos e seguimos para nosso local de trabalho todos os dias, de ônibus, lotação ou no carro, ouvindo Vinicius ou sertanejo universitário, pensando na vida, no casamento, nos filhos, nos afazeres do dia-a-dia e na próxima novela da Globo. Nada parece ter mudado. Nada parece ser capaz de nos tirar dessa inércia completa.

A classe média está na coleira. Claro, há focos isolados de resistência aqui e acolá, de juristas, sindicatos e trabalhadores. Mas é pouco. Obviamente, isso não bastará para impedir esse desgoverno temerário de entregar o país ao capital financeiro internacional, enterrando por completo os princípios e objetivos fundamentais da Carta da República de 1988. É preciso incendiar o país.

Como escrevi em outra ocasião, você precisa entrar em greve. Somente com o povo desvalido nas ruas é que poderemos recuperar nossos direitos e retomar o curso da história para a construção de um verdadeiro Estado Social Democrático de Direito.

Ao contrário do que as esquerdas imaginam, não é apenas com o voto popular nas urnas em 2018 que poderemos revogar todo esse pacote de maldades promovido pelo governo ilegítimo. Haja vista as eleições municipais e estaduais de 2016, quando candidatos e partidos alinhados ao desmonte do Estado Social se elegerem nas maiores cidades e nos principais Estados do país.

A sociedade brasileira precisa ser o que nunca foi[1], precisa ter a coragem de lutar diariamente por seus direitos, precisa ser revolucionária para combater em prol de um ideal de Justiça, precisa exigir o cumprimento efetivo e incondicional das promessas feitas pela Constituição Cidadã de 1988, esta que nunca vingou.

No ano em que comemoramos cem anos da maior revolução da história, espero que esta nos sirva de inspiração para sair da dormência que tomou conta da sociedade brasileira que se encontra alienada e inerte, sem líderes, entregue à própria sorte, esperando que algo aconteça e que mude a sua triste sina. Não vai acontecer nada. Não virá do céu. Somente a classe trabalhadora pode reverter o seu próprio destino e lutar no campo, nas ruas e avenidas para recuperar seus direitos ou – quiçá – ir além das expectativas e derrubar esse sistema capitalista corrupto vigente.
Átila Da Rold Roesler é juiz do trabalho na 4ª Região e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD). Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Processual Civil. Pós-graduado em Sociologia pela Universidade Estácio. Foi juiz do trabalho na 23ª Região, procurador federal e delegado de polícia civil. Publicou os livros: Execução Civil – Aspectos Destacados (Curitiba: Juruá, 2007) e Crise Econômica, Flexibilização e O Valor Social Do Trabalho (São Paulo: LTr, 2015). Autor de artigos jurídicos em publicações especializadas. Professor na pós-graduação na URI em Frederico Westphalen/RS e na FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul.

[1] Conforme Mino Carta: “O Brasil não é o país que merece ser por mil razões… De fato, é terra de predação há cinco séculos, dos quais três e meio foram de escravidão. E casa-grande e senzala continuam de pé, donde a facilidade de entender por que a maioria de um povo que ainda traz nos lombos a marca da chibata não lota ruas e praças e põe a tremer o solo pisado e o coração dos senhores”.

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