segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Brasil investe menos em ciência e se condena ao subdesenvolvimento


O cenário da Ciência & Tecnologia atual: um dossiê sobre a decadência do setor e a necessidade de aumentar os investimentos


STÉFANO ARAÚJO NOVAIS
https://voyager1.net/
Em dezembro 2010, o portal Viomundo[1] publicava um artigo traduzido revista Science intitulado: “Ciência brasileira: de vento em popa”. O artigo apontava o momento positivo do desenvolvimento científico no país, impulsionado por uma economia vigorosa e as consequências das descobertas do petróleo. À época, o artigo destacava um imposto de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) sobre grandes indústrias, o que levantou o orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia (até então uma pasta exclusiva e encabeçado por Sérgio Machado Rezende, um físico) de US$ 600 milhões para US$ 4 bilhões em uma década.
O discurso otimista da comunidade científica era nítido. Também pudera, apesar das críticas ao nosso sistema educacional fraco e ao nosso histórico de pouco impacto no campo das pesquisas científicas, a economia crescia cerca de 7% ao ano e o país se dava ao luxo de reiniciar pesquisas no campo nuclear e até mesmo para negociar uma associação com o CERN, em Genebra, onde está o Large Hadron Collider (LHC, traduzido aqui como Grande Colisor de Hádrons).

Também em 2010 foi publicado o Livro Azul, que traçava um norte para a pesquisa brasileira[2]. Esse documento simbolizava a criação de uma política pública de investimento a longo prazo no setor, com a qual os investimentos deveriam chegar a, pelo menos, 2% do nosso PIB, sendo que o Brasil nunca passou de 1,5%.
No entanto, em poucos anos o cenário da ciência brasileira foi do otimismo ao desespero.
Trabalhar com ciência no Brasil sempre foi muito complicado, como aponta a professora e neurocientista Suzana Herculano-Houzel da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)[3]. A cientista relembra o fato de não haver regulamentação da profissão cientista no Brasil, atrasando o desenvolvimento tecnológico do nosso país. Assim, ela e outros pesquisadores necessitam atuar como professores de ensino superior para exercer atividades científicas que, segundo ela, equivale a atuar como cientista nas horas vagas.
Na entrevista, a professora ainda critica o fato de grande parte da produção científica nacional ser feita por estudantes de mestrado e doutorado, que se submetem ao regime de bolsa, sem qualquer direito trabalhista ou outro trabalho para complementação de renda, sem contar que essas bolsas possuem parcelas fixas de 24 ou 48 meses, sendo de R$ 1,5 mil para mestrado e R$ 2,2 mil para doutorado.
Isso motivou o artigo da Revista Galileu[4], no qual mostrou que as bolsas pagam menos do que o mínimo necessário, fazendo com que os estudantes peçam auxílio à família ou façam bicos para quitar as contas.
Para nos afundar ainda mais, o orçamento do (desde a era Temer) Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) em 2017 corresponde a um terço do que foi gasto há dez anos[2]. Desde a saída de Sérgio Rezende, o MCTIC já teve sete diferentes nomes, sendo atualmente encabeçado por Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo, do PSD, que prometeu recuperar o orçamento da pasta até o segundo semestre.
Mesmo com Kassab conseguindo levar R$ 1,5 bilhão da lei de repatriação fiscal para a pasta, o cenário está devagar, quase parando.
Queda do orçamento do MCTIC (*previsto). Fonte: Portal Siga Brasil
China, uma das economias mais vigorosas do mundo atual, colocou a ciência e tecnologia (C&T) como foco principal, esperando investir, até 2020, cerca de 2,5% do seu PIB, sendo 40% só na ciência básica  aquela cujo objetivo é obter conhecimento[2]Japão e Coreia do Sul chegam a investir cerca de 3% do seu PIB em C&T, enquanto os EUA investem cerca de 2,8% e a União Europeia espera investir 3% até 2020.
Ruanda, por exemplo, tem sua economia crescendo em cerca de 7% ao ano graças ao investimento contínuo de 3% do PIB nessa área.
Os incessantes cortes começaram a trazer suas consequências em projetos importantes do país.

Fonte: Battelle
Considerada a maior e mais complexa infraestrutura científica já construída no Brasil, o Sirius, um gigante acelerador de partículas de 230 metros de diâmetro e construído em Campinas para colocar o nosso país na liderança mundial de produção de luz de síncrotron, também está ameaçado pela crise que atinge o país.[5][6]
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), também já assinalou que não possui recursos suficientes para manter os pagamentos de bolsas, comprometendo campos de excelência do país  como doenças negligenciadas, exploração de petróleo em águas profundas e produtividade agrícola  e interrompendo a trajetória de 100 mil pesquisadores.[7] Vale salientar que o Orçamento aprovado pelo Congresso prevê R$ 1,1 bilhão de reais para o pagamento de bolsas, cerca de R$ 200 milhões a menos que em 2016, um ano também de dificuldades, como apontado pelo jornal O Globo[8].
O programa Fantástico, da Rede Globo, também apontou em uma matéria de julho de 2017[9] que a crise e os cortes no setor afetam estudos importantes de doenças neurológicas, como Alzheimer e Parkinson, o programa espacial e a pesquisa agrícola. As pesquisas com zika também sofrem com os cortes e os riscos de uma nova epidemia podem voltar caso os recursos com pesquisa continuem caindo.[7]
Também é apontado o desejo de pesquisadores saírem do Brasil. A matéria do jornal O Globo[8] cita que, no final de 2016, cerca de 23% dos profissionais da área desejavam deixar o país. A matéria da Revista Galileu[2], além de apontar a opção pelo exterior, também lembra do abandono da academia por doutores recém-formados.
As universidades públicas, principais centros de pesquisa e produção científica, também sofrem com os cortes. Assim, os cortes impostos aos orçamentos das instituições acabam por atacar o desenvolvimento da ciência nacional[10]. A Lei do Teto, Emenda Constitucional 95, que congela os investimentos em 20 anos, também preocupa professores.
O professor e presidente da Adufrgs (Associação dos Docentes da UFRGS), Paulo Mors, ataca o governo brasileiro dizendo que iniciativas como essa objetivam a “destruição do Estado Social brasileiro” e que a consequência disso é acabar com a ciência brasileira.[10] Para Mors, há uma intenção de que o país se torne “uma nação exportadora de grãos e de bois”.
No Fórum da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) de 2016, a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a bióloga Helena Nader, critica a instabilidade dos investimentos em C&T, além do baixo investimento (cerca de 1,05% do PIB). A presidente da SBPC também indicou a necessidade de uma política robusta que articule o desenvolvimento científico e tecnológico com o industrial.[11]
Segundo Aron Kuppermann, do California Institute of Technology, os países em desenvolvimento criaram um argumento de que “a ciência é uma atividade internacional”.[12] Ou seja, como os investimentos no setor ficaram caros, preferem deixar que o mundo desenvolvido invista em ciência. Assim, os conhecimentos básicos para fazer seu próprio desenvolvimento tecnológico está na literatura franca. Kuppermann critica esse argumento, citando-o como falacioso em vários aspectos. O autor afirma que isso pode ser válido para o entendimento da Tecnologia, pois o desenvolvimento de novas tecnologias é caro, mas defende que os investimentos em ciência por esses países deve ser suficiente para garantir a participação, de forma saudável e razoável, no empreendimento científico internacional.
O Governo Federal se pauta na crise para justificar os cortes, mas o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, defendeu o aumento em investimentos na área para contornar a crise[13]. Segundo ele, o argumento da falta de dinheiro é discutível, dado os acordos que o Governo faz com o Congresso para aprovar suas reformas, a política de concessão de créditos subsidiados para empresas pelo BNDES e o aumento de lucro dos bancos.
Para o presidente da Academia, o investimento no setor de C&T permite mudar o padrão de produtos de um país, fazendo com que países como o Brasil, que sobrevivem da exportação de commodities, passem a contar com uma pauta de exportação de produtos de alto valor agregado, gerando mais recursos para o país.
Lembra ainda a atuação da Eslováquia, em 34º no Índice Global de Inovação (onde o Brasil figura em 69º). Segundo Davidovich, os investimentos eslovacos em deep tech  as tecnologias profundas, que revolucionam o nosso cotidiano  permitiram ao país superar uma crise da década de 1990 de maneira inteligente, colocando-o em posição de destaque na concorrência do mercado global.
Enquanto isso, e apesar da crise, segundo o G1[14], as empresas de tecnologia deixaram de pagar R$ 55,7 bilhões em impostos.
Está mais do que na hora do Brasil entender que os investimentos em C&T são essenciais para o desenvolvimento do país.
Referências
[1] Viomundo – Ciência brasileira é tema da principal matéria da prestigiosa Science.  Acesso em 06/11/2017, às 16:31.
[2] [a] [b] [c] Revista Galileu – A ciência brasileira vai quebrar?  Acesso em 06/11/2017, às 16:33.
[3Agência CTI – A ciência brasileira não é feita por cientistas. Acesso em 06/11/2017, às 16:32
[4Revista Galileu – A ciência no Brasil é banca pelos pais. Acesso em 06/11/2017, às 16:37.
[5Agência EBC –  Ciência brasileira sofre com cortes de gastos. Acesso em 06/11/2017, às 16:36.
[6] Estadão – Crise ameaça maior obra da ciência brasileira. Acesso em 06/11/2017, às 16:40.
[7] O Dia – Ciência brasileira pode parar. Acesso em 06/11/2017, às 16:38.
[8] O Globo – O impacto da crise na ciência brasileira. Acesso em 06/11/2017, às 16:41.
[9] Fantástico – Crise e cortes de orçamento fazem ciência brasileira entrar em decadência. Acesso em 06/11/2017, às 17:00.
[10] [a] [bJustificando, Carta Capital – Ataque às universidades é um ataque à ciência brasileira, afirmam professores. Acesso em 06/11/2017, às 17:04.
[12] KUPPERMANN, A. – Investimentos em ciência e tecnologia. Dossiê Ciência e Desenvolvimento Sustentável. Vol. 08, n. 20, São Paulo: 1994. Acesso em 06/11/2017, às 16:53.
[14Gazeta Web, G1 – Empresas de tecnologia deixam de pagar R$ 55,7 bi em impostos. Acesso em 06/11/2017, às 17:07.

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