Por José Carlos de Assis / http://jornalggn.com.br/
O Congresso Nacional é o cristal pelo
qual se vê a crise brasileira. Mas não é o local da crise. Também não é onde a
crise será superada, neste caso por absoluta falta de possibilidade real de
composição de uma saída entre os partidos políticos em conflito. O Executivo,
pelo que tem sido visto, perdeu credibilidade para propor uma alternativa
salvadora. E o Judiciário, supostamente o árbitro imparcial, mergulhou ele
próprio em querelas internas e decisões polêmicas que reduziram radicalmente
sua função conciliadora.
Nesse quadro caótico, como sairemos da
crise? Há a ilusão de que o Executivo, fazendo uma reforma ministerial que
concilie, de forma tradicional, os interesses e os apetites dos partidos,
poderá pacificar o Congresso e começar a governar. Essa alternativa é
convencional demais. Corresponde a situações em tempos normais, quando um
pequeno conjunto de partidos governantes, ou que podem ser assimilados no
Governo, disciplinados e hierarquizados, assumem de forma eficaz compromissos
políticos e conseguem cumpri-los.
Não é a situação que vivemos. Na
realidade, a superestrutura da sociedade e do Estado, da qual o sistema
político é a vanguarda, está em processo de derretimento e já não responde a
nenhum comando orgânico. Isso significa que devemos buscar ordem, para usar um
conceito marxista, na infraestrutura da sociedade. Em uma palavra, no setor
produtivo, no qual duas classes se confrontam tradicionalmente, cada qual com
seus interesses muito bem definidos por cima de ideologias: a classe empresarial
(ou burguesa) e a classe trabalhadora.
Volto com gosto às antigas categorias de
Marx para apontar o que, para ele, era o sinal claro de uma revolução social:
uma situação na qual surgiam claras contradições no seio da própria classe
dominante. Não seria um contradição desse tipo o conflito entre empresários
produtivos e financistas? Não seria uma contradição desse tipo o ajuste fiscal
do Levy, o qual, para proteger os beneficiados pela usura dos juros, destrói o
setor produtivo capitalista? Não haveria um conflito real, não ideológico,
entre banqueiros e produtores materiais?
Essas contradições, em outros tempos,
seriam resolvidas por uma guerra civil.
Felizmente , a história nos ensinou alternativas. A mais importante delas foi
experiência da democracia de bem-estar social na Europa Ocidental no
pós-guerra. Claro que essa experiência está sendo meticulosamente destruída no
sul da Europa pelo neoliberalismo, mas ela continua uma inspiração para outros
povos. Talvez possamos escapar do caos pelo recurso à social democracia real,
não o neoliberalismo tucano, em confronto direto com coisas do tipo ajuste Levy
e longe das provocações irresponsáveis de um Aécio, alimentadas pela Globo.
Entretanto, devemos ter a coragem de
assumir que o risco de guerra civil existe, por mais absurdo que pareça à
primeira vista. Homens e mulheres, em situação de caos, tendem ao radicalismo.
Para evitar a radicalização é essencial que as duas classes que constituem a
base produtiva da sociedade, empresários e trabalhadores, entrem em alguma
forma de acordo de interesse recíproco, projetando isso na superestrutura
social, que em última instância é materialmente dependente dela. Não é
impossível, embora não seja fácil. Exige sobretudo insistência numa articulação
despojada de ideologia.
O pacto entre trabalhadores e
empresários, pelo que tenho consultado de dirigentes de ambas as partes, pode
realizar-se a curto prazo. Pressupõe independência das classes em relação
Governo, assim como uma disposição do Governo de aceitar propostas sociais
autônomas. Em qualquer hipótese, dificilmente poderá ser costurado ao nível do
Congresso, do Executivo ou do Judiciário, todos sem credibilidade entre si e
frente à sociedade para propor alternativas, tendo em vista o caráter caótico
da crise. Pode ser estimulado, sim, por personalidades do Executivo, do
Congresso e do Judiciário que tenham credibilidade pessoal, mas a realização
efetiva deve ser articulada numa mesa de negociação bipartite.
José Carlos de Assis é jornalista,
economista, doutor pela Coppe-UFRJ, autor, entre outros livros, do
recém-lançado “Os Sete Mandamentos do Jornalismo Investigativo”, Ed. Textonovo,
SP.
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