Reintroduzir a tributação sobre
lucros e dividendos poderia contribuir com aproximadamente R$ 50 bilhões de
receita adicional para o ajuste fiscal.
Rodrigo Medeiros / www.cartamaior.com.br
Pode-se hoje dizer que as
impressionantes manifestações sociais de junho de 2013 marcaram um novo tempo
no Brasil. Com base nas mais diversas estatísticas dos institutos de pesquisa,
é possível dizer ainda que as expectativas sociais se deslocaram para um patamar
mais elevado. Nesse sentido, o ajuste macroeconômico conservador proposto não
parece estar em sintonia fina com os anseios populares.
O fim do boom das commodities,
com a dramática queda dos seus preços internacionais desde 2014, afetou
negativamente a América Latina. Um novo relatório da Economist Intelligence
Unit (EIU), “Growth in an uncertain global environment”, traz um olhar de
preocupação para a respectiva região. Vejamos brevemente algumas dessas e
outras questões logo abaixo.
As moedas da região sofrem
pressões por desvalorizações cambiais e as políticas monetárias enfrentam um
delicado dilema. Deve a autoridade monetária elevar as taxas básicas de juros
para combater as pressões inflacionárias derivadas dos repasses das
desvalorizações cambiais quando a economia está desacelerando?
Espera-se que a inflação esteja
pressionada no curto prazo na região inclusive por conta do encarecimento das
importações. Certas taxas de inflação já estão elevadas: em julho atingiu 9,6%
acumulados para o Brasil (centro da meta de 4,5%), 4,6% no Chile (para 2-4% de
variação do alcance da meta) e 4,5% na Colômbia (para 2-4% de variação do
alcance da meta). O México é a única grande economia da região com inflação
subjugada (2,7%). No entanto, a depreciação cambial do peso deverá reverter
essa situação nos próximos meses.
Durante a década anterior, as
taxas de crescimento econômico na América Latina ajudaram a retirar milhões de
pessoas da pobreza. Entretanto, a partir de 2011 o crescimento foi reduzido na região
e 2015 marcará o quinto ano consecutivo de desaceleração na América Latina, que
desacelerou mais do que as outras regiões emergentes.
A qualidade da inserção econômica
externa da região precisa ser debatida, assim como outras relevantes questões domésticas
no Brasil também demandam debates públicos. O câmbio já mostrou ser capaz de
afetar a taxa de poupança em nosso país pelo canal do investimento produtivo
(FBCF). A elevação da taxa básica de juros no Brasil não está objetivando atuar
diretamente sobre a tomada de crédito em um contexto de recessão, mas busca
segurar o câmbio, algo comum desde 1994. O problema é que tal fato eleva o
déficit fiscal nominal e gera um ciclo “interminável” de necessidade de cortes
nos gastos públicos em um momento de queda da economia, algo que ajuda a
contrair ainda mais a demanda agregada.
Não há como negar que o Brasil
está bem vulnerável ao ciclo das commodities porque sofreu uma regressão na sua
base exportadora e a desindustrialização prematura, que ocorreu antes de o país
ter se tornado desenvolvido, está refletida na projeção da Confederação
Nacional da Indústria (CNI) para o peso das manufaturas de apenas 9% do PIB
neste ano. Tal patamar é equivalente ao dos anos 1940, quando ocorreu o famoso
debate entre Gudin e Simonsen sobre a necessidade da industrialização
brasileira.
Talvez ainda não esteja bem claro
que o nosso processo de desindustrialização prematura está associado à redução
do PIB potencial e que esse mesmo processo regressivo já coloca em risco os avanços
sociais da última década, além de reforçar o hiato entre ricos e pobres em
nosso país. Esse debate não se encontra presente nas discussões públicas sobre
a real necessidade do ajuste fiscal brasileiro.
A crise de perspectiva é a marca
do presente, detectou o instituto Data Popular (“El País Brasil”, 15/08/2015).
Segundo Renato Meirelles (Data Popular): “Quem paga mais imposto,
proporcionalmente, é a classe baixa. A elite tem dificuldade de entender, tanto
no Brasil, como na América Latina, que houve melhora, com projetos de redução
de desigualdade. E radicalizações de discurso não são positivos”. O
“Sonegômetro” disponível online, por sua vez, registra a estimativa de
sonegação fiscal na casa dos 10% do PIB no Brasil. Há, portanto, algum espaço para
ganhos de eficiência na fiscalização e na arrecadação tributária em nosso país.
Um estudo de dois pesquisadores,
Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair (Ipea), mostrou a partir dos dados
disponibilizados das declarações de imposto de renda das pessoas físicas entre
2008 e 2014 que existem alternativas mais progressistas para o ajuste
brasileiro (“Valor Econômico”, 31/07/2015). De acordo com os pesquisadores: uma
”minúscula elite (0,3% dos declarantes ou 0,05% da população economicamente
ativa) concentra 14% da renda total e 22,7% de toda riqueza declarada em bens e
ativos financeiros. Se adicionarmos a renda e o patrimônio dos que ganham acima
de 40 salários mínimos mensais ou R$ 325 mil anuais (0,5% da população ativa),
já chegaremos a 30% e 43% dos totais”.
Reintroduzir a tributação sobre
lucros e dividendos poderia contribuir com aproximadamente R$ 50 bilhões de
receita adicional para o ajuste fiscal. O Brasil possui uma carga tributária de
país da OCDE (média de 35% do PIB), porém tributa pouco a renda dos mais ricos
e sobretaxa a produção e o consumo.
Nesse sentido, uma passagem do
clássico texto de Arthur Lewis (1954) merece ser destacada: “A população em
geral não nos interessa [para fins de poupança], e sim os 10% que possuem as
rendas mais elevadas, que, nos países com excedente de mão de obra, detêm até
40% da renda nacional (e próximo de 30% nos países mais desenvolvidos). Os 90%
restantes da população não conseguem nunca poupar uma fração significativa de
suas rendas”. Essa passagem converge com o diagnóstico de Keynes (1936) sobre a
preferência pela liquidez dos mais endinheirados.
Para Keynes, existe “na ideia dos
proprietários de riqueza uma ordem de preferência bem definida, na qual eles
exprimem em qualquer tempo o que pensam a respeito da liquidez, e não
precisamos de mais nada para a nossa análise do comportamento do sistema
econômico”. Em um país de históricas e estruturais desigualdades, até que ponto
a preferência pela liquidez de uma minoria se encaixaria em um quadro
pós-keynesiano? Desindustrialização prematura, subdesenvolvimento e jabuticabas
tributárias?
Rodrigo Medeiros é professor do
Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)
Créditos da foto: Wilson Dias /
Agência Brasil
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