A aposta no moralismo que recusa direitos a
mulheres e homossexuais serve como cortina para sua falta de ética e para seu
trabalho sujo.
Flávia Biroli - Blog do Demodê // www.cartamaior.com.br
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos
Deputados aprovou no dia 21 de outubro um Projeto de Lei de autoria do Deputado
Eduardo Cunha que dificulta o atendimento de mulheres vítimas de estupro no
SUS.
Cunha, aquele que tem comprovadamente dinheiro de
corrupção na Suíça em seu nome, que mentiu à CPI e tem mesmo assim apoio
suficiente da oposição e de setores do governo para permanecer na Presidência
da Câmara dos Deputados, entende que culpadas no Brasil são as mulheres que
sofreram estupro.
Seu projeto, o PL 5.069/2013 é uma forma de punição
às mulheres que sofreram estupro, que atinge diretamente aquelas que dependem
do atendimento no SUS, portanto uma maioria de mulheres pobres e negras.
O que quer esse projeto?
Dificultar o acesso à chamada pílula do dia
seguinte, adotando procedimentos que na prática dificultam a interrupção da
gravidez nos casos de estupro (no Brasil, a legislação permite a interrupção da
gravidez em apenas três casos, quando é resultado de estupro, quando a mulher
corre risco de vida e quando o feto sofre de anencefalia).
De quebra, transforma a mulher que foi estuprada em
réu. É como mentirosas e criminosas, a quem se recusa garantias para sua saúde
e integridade física, que as mulheres são tratadas no projeto aprovado pelos
deputados liderados por Cunha.
Nenhum deles se preocupa, por exemplo, em aumentar
a eficácia da justiça na identificação e punição dos estupradores. Nenhum deles
está preocupado com a dignidade e integridade física das mulheres.
É possível identificar em Cunha e nos seus
apoiadores a conjunção de três motivações.
Uma delas é politico-eleitoral, parecem identificar
nesses temas uma agenda que lhes rende votos. Fica claro, assim, porque querem
menos educação crítica, menos educação para a igualdade de gênero e o respeito
à diversidade: a informação e o pensamento crítico operam contrariamente à
ideia de construir uma base eleitoral que aceite o obscurantismo, que tolere o
moralismo dos corruptos.
Nesse último ponto, há uma motivação específica. A
agenda “moral” serve para ocultar seu envolvimento com a corrupção, com o crime
– é espantoso, mas parece que a aposta no moralismo que recusa direitos a
mulheres e homossexuais serve como cortina para sua falta de ética, para o
trabalho sujo que vem sendo feito por Cunha e pelos seus para alguns poucos, comprometendo
o futuro de muitas pessoas. Vale lembrar que Cunha está também liderando ou
colaborando ativamente para as iniciativas que correspondem à desregulamentação
no âmbito trabalhista e ambiental, a um recuo nos direitos de trabalhadores,
índigenas, da juventude negra.
Parte do apoio que Cunha recebe na Câmara deriva de
sua colaboração para angariar fundos para as campanhas de outros deputados,
para quem não interessa que as falcatruas do padrinho sejam expostas.
Mas vejo também uma motivação de outra ordem,
fundada no sadismo. Cunha se vê como agente político mais eficaz quanto mais
compromete a dignidade das mulheres. Ele e outros deputados que têm apoiado as
investidas contras os direitos das mulheres parecem ter prazer ao rebaixá-las,
retirar-lhes a condição de cidadãs, ampliar seu sofrimento.
Eduardo Cunha e as bancadas que o apoiam estão
esgarçando ainda mais nossa democracia, provocando retrocessos nos direitos
humanos. E as mulheres estão entre seus alvos preferenciais.
Flávia Biroli é professora de Ciência Política da
UnB e coordenadora da Área de Trabalho Gênero, Democracia e Políticas Públicas
da Associação Brasileira de Ciência Política. É autora de Autonomia e
desigualdades de gênero: contribuições do feminismo para a teoria democrática
(Eduff e Horizonte, 2013), Família: novos conceitos (Fundação Perseu Abramo,
2014), Feminismo e política: uma introdução (Boitempo, 2015), entre outras
publicações.
Créditos da foto: José Cruz/Agência Brasil
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