A república macrista fantástica
que se prometia em Clarinlândia era mentira. O eleitorado argentino deu um
prêmio à direita mundial.
Raul Fitipaldi, no site Desacato
(via Blog do Altamiro Borges) // www.cartamaior.com.br
Os primeiros 30 dias do governo
de Maurício Macri estão por concluir. Como me comentou a colega argentina Nora
Veiras, do programa 6,7,8, não há como desconhecê-lo. Macri conduz o Executivo
argentino pela via democrática do voto representativo. Não há como negar sua
procedência para estar onde está. A pequena margem da sua vitória não é tema
que discuta a legalidade do lugar que ocupa. O que sim não é recomendável é
reconhecer suas medidas e as do seu governo como democráticas, muito menos como
populares, já que a maioria estão tingidas por uma pátina de ilegalidade, ou de
legalidade discutível.
O eleitorado argentino deu um
prêmio quase inesperado à direita mundial, aos capitais internacionais, aos
banqueiros, às transnacionais e, muito em particular, aos Estados Unidos. Mas,
em menos de 30 dias já suspeita que deu um tiro no pé. A república macrista
fantástica que se prometia em Clarinlândia era mentira, como a maioria do que
vende Clarín, e vendeu gato por lebre. Macri está destruindo a Argentina para
dentro do país, e para fora, entregando-a de mão beijada. A democracia presente
na Argentina é atingida de forma violenta e ícones e símbolos da malha social e
pensante do país sofrem a perseguição diária, simbólica e prática, por parte
desta espécie de “ditadura democrática” que encarnam Macri e sua equipe. Não se
salva ninguém, nem sequer o Parlamento, nada. A buldozzer macrista não
descansa.
A soberania monetária foi
atingida na linha de largada. A moeda argentina foi desvalorizada com relação
ao dólar um 40%. O passo imediato foi atingir a Lei de Meios que durante mais
de 20 anos o povo argentino procurou com debates setoriais e populares ao longo
do país. Um agrado especial ao CEO do Grupo Clarín, Héctor Magnetto, capo da
campanha de toda e qualquer direita argentina, especialmente das ditatoriais. O
seguinte foi uma agressão não muito bem explicada à Sede da Rádio das Mães de
Praça de Maio, com apedrejamento e agressão a um funcionário da emissora. Dias
depois foram liberados da prisão 5 militares da repressão. Depois veio o
anúncio da demissão em massa de 2.035 trabalhadores do Senado argentino e, a
repressão social, a proibição de trabalhar aos médicos formados em Cuba, e um
ar de ameaças de clausura contra o Centro Cultural Néstor Kirchner além de
demissões de 85% dos trabalhadores. Essas são as ações na linha de largada
imputáveis a este governo antipopular e conservador que votaram os argentinos.
Muita pressa para tanta medida?
Pode ser, é um direito do novo chefe da Casa Rosada, mas, o que se observa nos
jornais e nas redes sociais é o desejo de enterrar a chamada “era K” (assim
chamada em função dos mandatos do falecido Néstor Kirchner e de sua esposa,
Cristina Fernández de Kirchner). Não se trata de apagar da história o
peronismo, o que além de não ser possível não sugere nenhum desconforto ao capital
nacional e internacional. A era K não foi uma era convencionalmente de
esquerda, porém com avanços progressistas. Avanços especialmente importantes em
algumas áreas sensíveis da política, a economia e a sociedade argentina. A
reestatização de empresas estratégicas de transporte e energia, o bônus em
favor dos aposentados, e o bônus por filho e gravidez, a legalização do
casamento igualitário, o julgamento a genocidas da ditadura, a liberação do
futebol de forma gratuita por via da tevê aberta, a repatriação de científicos
que estavam no exterior, a lei de regulação da mídia e o ataque aos fundos
abutres foram um acinte para os interesses da oligarquia argentina e seus
sócios no exterior. A relação com a Venezuela bolivariana, com Cuba e a
aproximação com outros países da região tornou-se inaceitável para o compadrio
burguês.
Há mais de uma década que a
direita, a oligarquia, alguns setores militares, os juízes conservadores e,
especialmente, os grupos de Clarín e La Nación, vem acumulando ódio contra os
governos kirchneristas e seus seguidores. Esse ódio e sua natureza de classe e
econômica precisava sangue. A revanche está servida no pacote governamental de
Maurício Macri.
Paralelamente, as ruas começam a
se manifestar com formas parecidas àquelas que devolveram De la Rua de
helicóptero. Em dois parques simbólicos da cultura portenha, o ex-ministro de
economia de Cristina Axel Kicillof e o ex-titular da autarquia que regulava a
Lei de Meios, Martin Sabbatella, mais os jornalistas do programa 6,7,8,
reuniram algumas dezenas de milhares de pessoas que afirmaram, em primeiro
lugar, que os movimentos sociais não consideram que a “era K” tenha terminado,
com ou sem Cristina Fernández.
O que que que aconteça nos
próximos 30 dias definirá com mais clareza como se comportarão Maurício Macri e
a oposição capitaneada por Cristina Fernández. O que é seguro é que as veredas
se manterão paralelas e enfrentadas até o final. Quem garantiu esse clima é o
governo entrante de Macri com suas medidas de “choque elétrico” como alguém as
batizou.
A América Latina, onde também
venceu no parlamento a direita neoliberal venezuelana, passará por dura prova
este ano. O setores progressistas precisam reagir de forma vigorosa pois, o
vento traz ódio, revanche e o que é muito pior, ataque com e sem quartel às
conquistas, pequenas que fossem, que os trabalhadores, os excluídos e as
minorias obtiveram na primeira década do século, quando Hugo Chávez ainda
estava presente para liderar e aconselhar os caminhos a serem transitados na região.
* Com colaboração de Tali Feld
Gleiser.
Créditos da foto: Casa Rosada
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