Se fosse, mesmo, uma luta sincera contra a corrupção,
Alckmin, Richa, FHC e Serra deveriam ter o mesmo tratamento e mesma exposição
na imprensa.
Tarso Genro // www.cartamaior.com.br
Aos que festejam a condução coercitiva do Presidente Lula é
bom informar que os acontecimento de sexta-feira, 4 de março, marcam uma
profunda mudança no Estado de Direito em nosso país. E que essas mudanças, se
consolidadas, dependendo dos governos e da correlação de forças dentro do Poder
Judiciário, podem se aprofundar e chegarmos a uma situação que Mário Vargas
Llosa -insuspeito de ser de esquerda- classificou de “ditadura perfeita”. Foi
como ele designou o regime do PRI, partido-estado mexicano, que governou o país
durante mais de sete décadas.
Por quê “ditadura perfeita”? Trata-se de um regime - segundo
o epíteto de Vargas Lhosa - que, apoiado numa institucionalidade autoritária ou
num regime constitucional manipulável, não rasga seus códigos e leis, mas
estabelece uma tal supremacia do grupo político hegemônico, que ele pode fazer
o que quiser, sem declarar-se fiel a um ditador e sem o seu poder originar-se
de um golpe militar em sentido clássico.
O ex-Presidente da República Lula da Silva não ia sair do
país, atendeu todas as requisições para depor, tem residência fixa e jamais
regateou para prestar quaisquer esclarecimentos a qualquer autoridade
legalmente investida, a respeito da sua vida financeira e do seu passado como
gestor público.Todos os cidadãos podem ser investigados pelos órgãos do Estado,
dentro da legalidade e por motivos fundados, mas os vazamentos seletivos, os
massacres morais pela mídia, a midiatização do processo penal, certamente não
fazem parte desta legalidade.
A sua condução coercitiva, porém, foi um espetáculo político
nitidamente articulado com o movimento de golpismo político, que está em curso
contra presidenta Dilma, no momento em que é noticiado um PIB negativo, uma
eventual delação do Senador Delcídio e
-muito importante!- a “Zelotes” começa a apresentar alguns resultados
que fugiram à previsibilidade dos que
perderam as eleições presidenciais.
Mais do que bloquear uma nova candidatura de Lula, este
movimento de determinados setores autoritários da burocracia estatal
-articulados com a maioria da mídia tradicional- visa “ressecar” a esfera da política,
apropriar-se desta esfera “impura”, que está contaminada por partidos que se
corromperam e por políticos que só pensam em si mesmos.
Esta é nitidamente a orientação que está no despacho do juiz
Moro -nitidamente de “exceção”- que converteu a prisão temporária de João
Santana e de sua esposa, em prisão preventiva. Lá ele diz que, como a corrupção
é sistêmica e profunda “impõe-se a prisão preventiva para debelá-la, sob pena
do aguçamento progressivo do quadro criminoso…” Nada de individuação de
responsabilidades de maneira consistente, para manter a prisão de pessoas que
vieram do exterior para depor. Apenas o combate em abstrato à corrupção.
Isso não é novo, ocorreu com Getúlio, com a ascensão de
Mussolini, com Fujimori no Peru, com Hitler, com a genocida ditadura argentina,
em outras condições históricas, por outros meios, mas com o mesmo sentido final: mostrar que a
democracia não presta e que ela não consegue reformar a si mesma, pelos
processos políticos previstos na Constituição.
Longe de mim acusar
-e o digo sinceramente- que estamos perante uma conspiração de juízes e
promotores fascistas, tramando contra a República e a Democracia. Isso seria
simplismo e muito fácil de combater, porque bastaria mostrar provas da
existência de um grupo conspirativo e ataca-lo por meios jurídicos e políticos.
A situação é muito mais complexa, como movimento regressivo dos padrões
democráticos da Constituição de 88.
Trata-se, na verdade, de uma mudança profunda no funcionamento
do Estado, pela qual as suas funções públicas passam a ser diminuídas, momento
em que ele, Estado, precisa dar mais importância para responder aos credores da
sua dívida pública (com o capital financeiro global), em detrimento da sua
dívida originária com os sujeitos dos direitos sociais inscritos na
Constituição (povo constituinte que lhe deu sentido).
As duas dívidas não podem respondidas ao mesmo tempo e o que
predomina, a partir desta ambiguidade, é a força normativa do capital
financeiro se sobrepondo à força normativa da Constituição, processo que só se
consolida com a extinção da esfera democrática da política, cujos alvos
centrais são sempre os dirigentes mais prestigiados junto às classes populares.
Se fosse, mesmo, uma luta sincera contra a corrupção (o que
move os novos tutores da República), não deveriam eles ter o mesmo tratamento e
proporcionar a mesma exposição na imprensa, sem qualquer inculpação prévia, de
Alckmin, Richa, Fernando Henrique e Serra? Isso não ocorre porque a mídia -que
socorre e ampara todos os dias os novos tutores da República- romperia com eles e, sem o apoio da mídia,
estas arbitrariedades não teriam o mínimo apoio popular. Leiam o artigo que
Moro escreveu sobre as Operações Mãos Limpas, na Itália. Esta tudo lá.
Créditos da foto: ABr
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