domingo, 14 de agosto de 2016

Marco Aurélio Mello, de Montreal: Naomi Klein bate duro; o capitalismo ganhou mas não levou

por Marco Aurélio Mello, de Montreal, especial para o Viomundo // http://www.viomundo.com.br/
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Tive a curiosidade de perguntar no centro de imprensa quantos jornalistas brasileiros estavam cadastrados para cobrir o Fórum Social Mundial.

Corremos uma grande lista e pasmem, além de mim, nenhum outro. É assustador! Se a gente considerar que estamos falando da oitava ou nona economia do planeta, chega a ser trágico. Só há uma explicação para isso: a alta concentração da nossa mídia, que estrangula a concorrência e define a agenda da cobertura.

Vou dar outro exemplo de como a concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos é danosa para uma nação. Aqui em Montreal não se vê nas ruas pessoas vestidas obedecendo a um padrão.

Ao contrário do Brasil, onde você pode classificar pessoas apenas observando a maneira delas se vestirem. E por que acontece isso? Simples, no nosso país, ao começar a nova novela das nove, as personagens passam a ditar todo o padrão de moda, beleza e consumo. A meninada ora quer ser periguete, ora quer ser Antonelli. Quem não se lembra da viúva Porcina? Esta ditadura acaba com a individualidade das pessoas.
Só há uma maneira de mudar isso, com educação: plural, aberta e crítica. Só o conhecimento nos liberta.

Conhecimento que me mostrou ter o balconista do café no Paço das Artes. Thomas nasceu no Canadá, mas é filho de chineses radicados aqui.

Bastou eu dizer minha nacionalidade para ele perguntar: existe uma situação política bastante complicada no Brasil, não é mesmo? Sim, eu respondi. Depois que derrubaram sua presidente, quem ficou no lugar? O vice, eu falei. E o que você pensa disso? Acho gravíssimo, respondi. E não há o que fazer? Infelizmente, não. Temos que esperar, encerrei agradecido.

Como é bom saber que o mundo olha para nós com interesse, ao contrário de muitos de nossos compatriotas, tão alienados e vulneráveis ao poder descomunal dos meios de comunicação.

O Brasil tem muita tradição e importância estratégica no Fórum Social Mundial. Nestes quinze anos de existência do evento quase a metade das doze, cinco edições, foram realizadas em nosso país: quatro em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e uma em Belém, no Pará. Há inclusive um brasileiro na organização, Chico Whitaker, co-fundador do Fórum.

Chico é arquiteto, político e ativista social brasileiro. Em 2006 recebeu do Parlamento Sueco o “Prêmio Nobel Alternativo” da Right Livewood Award. O prêmio veio 40 anos depois que, em 1966, ele teve que se exilar do país. Depois de voltar ao Brasil nos anos 80, Chico se elegeu vereador em São Paulo pelo PT, por duas legislaturas. Em 2006 ele se desligou do partido e assumiu sua condição de ativista político.

Mesmo sem a cobertura jornalística que deveríamos estar fazendo, nosso prestígio ainda é muito grande com os ativistas. Nosso país avançou muito em programas sociais, como o Bolsa Família, o Mais Médicos, o Minha Casa Minha Vida, o Plano de Aceleração do Crescimento e várias outras políticas estruturantes, distributivas e afirmativas. O que entristece é que nossa mídia associada às grandes coorporações e a políticos inescrupulosos está afiançando um projeto de desmonte cruel em nosso país, enquanto a sociedade anestesiada apenas assiste.

Fui provocado por uma reflexão importante dia desses. Já imaginou como foi a construção do muro de Berlim? Pense nos alemães assistindo complacentes uma cidade ser dividida ao meio. Qual não foi o grau de ódio e indiferença que permitiu separar irmãos em dois lados diferentes da mesma cidade? Transpondo para o nosso país, o que vemos é um enorme muro invisível que quer separar os “honestos” dos “petistas”. Como se as coisas fossem simples assim…

Passadas rápidas me levam em direção à universidade. É a conferência mais esperada deste Fórum, depois que Bernie Sanders cancelou sua participação no dia anterior. Cerca de mil pessoas aguardam ansiosas para ouvir Naomi Klein.


A jornalista e intelectual canadense é hoje uma das ativistas mais importantes do planeta. No Brasil ficou conhecida por seus documentários que circularam muito na rede: The Corporation (A corporação, de 2003) eThe Shock Doctrine (A Doutrina do Choque, de 2009).

Ela bateu forte em seu país e em seu governo.

Começou dizendo que quinze anos atrás participou do primeiro Fórum Social Mundial. E que de lá para cá ele não é mais social, porque 70% dos requerimentos de vistos dos países do Sul Global (países pobres ou em desenvolvimento) foram negados pelo Canadá. O que é estranho, porque quem vem para um evento como este está profundamente vinculado às causas locais e não faz sentido negar-lhes acesso.

Segundo ela, o que seu governo deveria temer são os turistas americanos que prometem deixar os Estados Unidos em massa rumo ao Canadá caso Donald Trump vença as eleições. O comentário arrancou gargalhadas da plateia. Piada à parte, para Naomi Klein o mundo precisa de uma nova lógica que ela chama de fim do fim da história.

Para Klein, ao contrário de Francis Fukuyama, pai da teoria que decretou a vitória definitiva do capitalismo em 1989, o que se vê hoje é uma derrocada do sistema. As agendas das grandes corporações já não dão mais conta de barrar a destruição sistemática do meio ambiente e o aumento das desigualdades. “Estamos diante do precipício”, declarou.

Mas, ao contrário dos fatalistas, Naomi Klein tem esperança. O fenômeno Sanders nos Estados Unidos, o sindicalismo renascendo no Canadá e tantos outros exemplos em ebulição mundo afora, são uma prova de que há resistência. No entanto, ela não passa mais pela esquerda tradicional. A reinvenção da esquerda requer um redirecionamento econômico. Não podemos mais explorar. O que é preciso é cuidar: das pessoas e do meio ambiente.

Otimismo à parte, na volta para casa, uma passeata atravessa a principal avenida do centro da cidade, onde estão todas as grandes corporações do planeta: de grifes francesas a cadeias de fast food. Os manifestantes não passam de 30. Mas não é o número que importa, e sim a tese que esses jovens defendem, a destruição do capitalismo.


Por isso, o aparato policial é descomunal. São seis motos, dois carros e um blindado. Eles, os capitalistas, estão de olho em nós. E farão de tudo para defender seus privilégios.

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