domingo, 18 de dezembro de 2016

São tempos perigosos para o nosso planeta

 Illustration by Nate Kitch
Não podemos continuar ignorando a desigualdade seja financeira ou social, porque temos os meios para destruir nosso planeta mas não de escapar dele.

Stephen Hawking, The Guardian // www.cartamaior.com.br

Como um físico teórico baseado em Cambridge, vivi a minha vida em uma bolha extraordinariamente privilegiada. Cambridge é uma cidade diferente, centrada em torno de uma das melhores universidades do mundo. Dentro dessa cidade, a comunidade científica na qual me tornei parte nos meus 20 anos está ainda mais rarefeita.

E dentro dessa comunidade científica, o pequeno grupo de físicos teóricos internacionais com quem eu passei minha vida trabalhando pode algumas vezes se referir a si mesmo como o topo. Além disso, com a fama que veio com os meus livros, e o isolamento imposto pela minha doença, eu sinto que a minha torre de marfim está ficando mais alta.
Então, a recente e aparente rejeição das elites tanto nos EUA quanto no Reino Unido está certamente mirada em mim, tanto quanto em qualquer outra pessoa. Seja o que for que pensemos sobre a decisão do eleitorado britânico em rejeitar fazer parte da UE e do público norte-americano em abraçar Trump como seu novo presidente, não há dúvidas nas mentes dos comentaristas de que isso foi um choro de raiva do povo que se sente abandonado por seus líderes.

Foi, e parece que todo mundo concorda, o momento em que o esquecido falou, achando suas vozes para rejeitar aconselhamento e condução de experts e da elite.

Eu não sou exceção a essa regra. Eu alertei antes da votação do Brexit que afetaria pesquisas científicas no Reino Unido, que a votação pela saída seria um passo para trás, e o eleitorado – ou ao menos uma porção significante dele – não se importou comigo nem com outros líderes políticos, sindicalistas, artistas, cientistas, homens de negócio e celebridades que deram o mesmo conselho para o resto do país.

O que importa agora, bem mais do que as escolhas desses dois eleitorados, é como as elites reagem. Devemos, ao invés, rejeitar esses votos como uma onda de populismo que falhou em considerar os fatos, e tentar circunscrever as escolhas que eles representam? Eu argumentaria que isso pode ser um erro terrível.

As preocupações implícitas a esses votos sobre as consequências econômicas da globalização e a mudança tecnológica acelerada são absolutamente compreensíveis. A automação de fábricas já dizimou empregos na manufatura tradicional, e é provável que a ascensão da inteligência artificial estenda essa destruição de empregos mais a fundo na classe média, com apenas os papéis mais criativos, de supervisão e atenciosos permanecendo.

Isso irá acelerar a já ampla desigualdade econômica ao redor do mundo. A internet e as plataformas tornam possível que grupos muito pequenos lucrem muito enquanto empregam pouco. Isso é inevitável, é o progresso, mas também é socialmente destrutivo.

Temos que colocar isso ao lado do colapso financeiro, que trouxe um lar para pessoas que poucos trabalhadores do setor financeiro podem prever grandes ganhos e que o resto de nós aceita esse sucesso e pega a conta quando sua ganância nos leva para o caminho errado.


Então, juntos, estamos vivendo em um mundo de uma desigualdade financeira em ascensão, no qual muitas pessoas não só vêem seus padrões de vida, mas também sua habilidade de se sustentar, desaparecer. Não é de se surpreender que estejam procurando por um novo acordo, o qual Trump e Brexit podem ter parecido representar.

Outra consequência não intencional da internet e das redes sociais é fato de que a natureza dessas desigualdades é muito mais aparente do que era no passado. Para mim, a habilidade de usar a tecnologia para comunicar foi uma experiência libertadora e positiva. Sem ela, eu não teria podido continuar meu trabalho nos últimos anos.

Mas também significa que as vidas das pessoas mais ricas nas partes mais prósperas do mundo estão visíveis para qualquer um que tenha acesso a um celular. E já que agora há mais pessoas com acesso a um telefone do que a água potável na África Sub-Saariana, isso significará brevemente que ninguém conseguirá escapar da desigualdade.

As consequências disso são visíveis: a ida dos campesinos pobres para as cidades, para favelas, levados pela esperança. E depois, vendo que o nirvana do Instagram não estará disponível lá, eles irão procurar além mar, se unindo ao milhares de migrantes econômicos em busca de uma nova vida. Esses migrantes criam novas demandas nas infraestruturas e nas economias dos países nos quais chegam, enfraquecendo a tolerância e alimentando o populismo político.

Para mim, o aspecto mais preocupante disso é que agora, mais do que em qualquer época na nossa história, nossa espécie precisa trabalhar junta. Nós encaramos desafios ambientais grandes: mudança climática, produção de alimentos, excesso de população, a dizimação de outras espécies, doenças epidêmicas, acidificação dos oceanos.

Juntos, eles são um lembrete de que estamos no período mais perigoso no desenvolvimento da humanidade. Agora temos a tecnologia para destruir o planeta onde vivemos, mas ainda não desenvolvemos a habilidade de escapar dele. Talvez, em algumas centenas de anos, teremos estabelecido colônias humanas nas estrelas, mas agora temos apenas um único planeta e precisamos trabalhar juntos para protegê-lo.

Para fazer isso, temos que quebrar, não aumentar, as barreiras dentro e entre nações. Se conseguirmos fazer isso, os líderes mundiais precisam reconhecer que falharam e estão falhando com todos. Com recursos concentrados nas mãos de poucos, teremos que aprender a compartilhar muito mais do que agora.

Com não somente empregos mas empresas inteiras desaparecendo, devemos ajudar as pessoas a se preparar para um novo mundo e apoiá-las financeiramente enquanto o fazem. Se as comunidades e as economias não podem lidar com os níveis atuais de migração, devemos fazer mais para encorajar o desenvolvimento global, pois esse é o único caminho no qual os milhões de migrantes serão persuadidos a seguir seu futuro em suas casas.

Podemos fazer isso, sou otimista com relação à nossa espécie; mas exigirá que as elites, de Londres a Harvard, Cambridge a Hollywood, aprendam com as lições desse ano. Aprendem acima de tudo com a humildade.







Créditos da foto: Illustration by Nate Kitch

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