sábado, 1 de dezembro de 2018

Trump precisa de uma guerra, Bolsonaro é o seu homem-bomba preferido, por Fernando Horta

         Foto Editora Abril

Trump precisa de uma guerra, Bolsonaro é o seu homem-bomba preferido

por Fernando Horta

Desde que Trump assumiu a presidência dos EUA, muitos analistas tinham previsto um momento de “liberalismo”. Não ocorreu. Outros previram um recrudescimento da postura norte-americana contra a Coréia do Norte e até guerra. Também não ocorreu. As atitudes de Trump frente a China e Rússia obedecem a uma estranha dança de aproximações e recuos destinada – como é normal na política yankee – mais ao público doméstico do que aos diplomatas e analistas.

Os motivos deste comportamento são explicados por uma complexa situação. Desde a derrota eleitoral, os democratas optaram por não desestabilizar ostensivamente o governo de Trump, como havia sido a escolha dos republicanos durante o governo Obama. Nos EUA, devido a sua história e a solidez de suas instituições, os perdedores eleitorais percebem que é sempre muito melhor o caminho da democracia do que as opções laterais de desestabilização interna. Ao mesmo tempo, a burocracia federal nos EUA passou a gritar silenciosamente. Sabotam, boicotam e mudam vetores de ação política que emanam do mandatário da Casa Branca. Ao fazerem isto eles atenuam os efeitos negativos ao país, num esforço tão cansativo quanto perigoso, mas que – até agora – vem dando resultado.

Ocorre que os números da economia de Trump estão já apontando a catástrofe. Conforme quase a totalidade dos economistas previram, políticas econômicas baseadas em desonerações, desregulação do mercado financeiro, do mercado de trabalho e redução de gastos do governo provocam, a médio e longo prazo, uma crise de insolvência. Dado que os agentes econômicos, mesmo no topo da pirâmide capitalista DEPENDEM do Estado para absolutamente tudo, a redução do Estado cria a precarização dos serviços e ainda que o plano seja destruir aqueles voltados para a população e não para o capital, o movimento criado cria a precarização e retira a capacidade do governo de agir. Junto da redução dos investimentos do Estado, correm a precarização da infraestrutura, diminuição da massa salarial (por obra do capital que paga sempre menos) e diminuição da produtividade, em função do sentimento social pessimista pelo crescimento da desigualdade. Isto SEMPRE aconteceu, e o projeto de Trump não é exceção.

Como regra do século XX, os EUA sempre resolveram seus problemas internos com guerras no cenário internacional e o apelo ao “nacionalismo” norte-americano. Foi assim na Segunda Guerra, Guerra da Coréia, Vietnã, a nova Guerra Fria, Guerra ao Terror e etc. Este apelo é hoje mais perigoso, na medida em que os EUA aumentam seu déficit público desde o final da segunda guerra praticamente sem cessar. Hoje, a Casa Branca está envolvida em seis grandes conflitos internacionais com tropas estacionadas ou em atividade bélica por todo o globo. Os custos disto são da ordem de centenas de bilhões de dólares por dia e a sociedade deles já acusa a falta destes recursos.

Se o custo físico das guerras usadas para realinhar a política interna dos EUA já são quase proibitivos, o custo político é impossível de ser pago. As redes sociais e o desenvolvimento de uma imprensa livre, plural e não oligopolizada impõem ao governo a necessidade de se explicar a todo momento, e faz com que suas decisões tenham um custo crescente. Trump tentou levar antagonistas frágeis à guerra. Fez isto com a Coréia do Norte, com a Síria e com a Venezuela. Abertamente provocando e criando a possibilidade para que os líderes destes países levantassem a voz contra a “América”, fazendo com que a resposta de Trump fosse vista como uma “defesa” dos EUA e do “mundo livre”. Nenhum dos três caiu na esparrela.

Em verdade, todos eles AUMENTARAM o custo das ações dos EUA através da publicidade dos atos e das bravatas e o controle, a sangue frio, de suas ações. Mesmo Putin ou Xi-Jinping têm se mantido firmes, não mordendo as iscas de guerra lançadas por Trump. A Rússia inclusive tem respondido os EUA com uma imensa demonstração de força. Na Síria os ataques reais dos EUA e seus “aliados” foram contidos via tecnologia de defesa e sem exaltação por parte dos russos. A superioridade tecnológica dos russos assustou o mundo e os EUA em especial. E, se combinada com a superioridade numérica chinesa, fez com que, literalmente, os EUA colocassem as “barbas de molho”. A correlação de forças no mundo está mudando e não apenas em termos de economia, mas de tecnologia militar e capacidade de projeção de poder.

Tudo isto leva Trump a uma encruzilhada: com suas medidas econômicas fracassando e uma crise catastrófica já rondando os EUA e o mundo, a solução seria uma guerra. Ocorre que o custo político e material de uma guerra hoje (ainda que pequena) não seria suportado pelos EUA. Ainda mais com China e Rússia mostrando um domínio do ciberespaço de forma a romper qualquer tentativa de monopolização da informação por parte dos EUA. Sanders cresce e o “socialismo democrático” já é defendido abertamente no país que outrora gritava com Joseph McCarthy na luta contra o “mal”. Todas as tentativas da Casa Branca de desestabilizar o mundo (sanções, ataques à satélites, ameaças diplomáticas, ruptura de acordos nucleares, climáticos e econômicos, imposições de barreiras comerciais sem explicação e etc.) estão sendo contidas e tornadas inócuas por uma aliança silenciosa entre Rússia, China, Irã e uma parte da Europa. Todos parecem fazer eco com parte consciente da sociedade norte-americana a dizer não para Trump. E ele está ficando sem cartas.

Aqui entra um líder fascista e ignorante de uma nação jogada ao espaço diplomático da periferia política do mundo em anos recentes, mas que tem imensas reservas de petróleo, de população e ódio de classe. Os Bolsonaros não foram aos EUA usar bonezinho e bater continência como subservientes e domesticados ignorantes que são por decisão própria. Eles são por demais primitivos para isto. A própria eleição de Bolsonaro e o alinhamento acrítico e submisso que se está construindo são, em verdade, a possível salvação de Trump. Se o Brasil iniciar conflitos com a Venezuela, por exemplo, darão aos EUA a melhor desculpa para militarizarem ainda mais a América Latina, tomarem posse de riquezas estratégicas e mobilizarem sua imensa estrutura de guerra em “defesa da liberdade e da democracia”. A indústria bélica dos EUA (parte do motor da economia de lá) volta a se movimentar e a indústria financeira de empréstimos (outra parte do motor da economia deles) voltará a irrigar “as nações amigas” para a guerra. Trump não vai pagar o custo de ser o iniciador o conflito. Se o plano der certo, Trump vai “apenas auxiliar” nações livres na luta contra as “ditaduras” e nisto vai se apossar fisicamente da América Latina e provocar Rússia e China antes que elas atinjam maior desenvolvimento econômico e bélico.

No jargão popular, por este plano, o Brasil entra com a carne e os EUA com o espeto.

É sempre melhor quando são os jovens de outros países que morrem pelas causas norte-americanas. E melhor ainda se eles fazem isto com furor e acreditando que livram o mundo de algum “mal”.

Sanders já se deu conta disto e trata de fortalecer uma “aliança internacional” contra Trump e o plano de salvar seu governo. As apostas e os ganhos potenciais de todos os jogadores envolvidos estão muito altas, menos os do Brasil. A política externa de Bolsonaro não tem NENHUMA chance de trazer qualquer benefício ao Brasil. Mesmo se o plano de Trump der certo, o Brasil sai menor. Bolsonaro aposta que ELE sai fortalecido, mas isto é tudo o que almeja. Há o risco de o Brasil se aliar com os EUA no exato momento que sua posição hegemônica no mundo colapsa e novas forças tomarão este espaço. Ficaremos com a posição do bobo da corte subserviente ao rei posto. Nem Bolsonaro, nem o olaviano chanceler nomeado parecem compreender isto.

Por qualquer ângulo que se olhe a questão, ainda que assumidas vencedoras e bem-sucedidas todas as iniciativas dos planos de Trump e Bolsonaro, o Brasil sai menor, mais pobre e com a estabilidade do mundo em posição mais frágil ainda. Mas o pior é a possibilidade real de que jovens brasileiros sejam chamados para uma guerra contra outros jovens latino-americanos para benefício da política externa dos EUA. Estarão os militares que apoiam Bolsonaro dispostos a pagar este preço? Estão os filhos da classe média brasileira sabendo que podem parar em algum palco de guerra com balas e sangue por todo o lado sem sequer saber o que realmente fazem lá?

Até agora uma parte significativa da população brasileira deu um cheque em branco a um ignorante que se elegeu sem falar nada sobre o que iria fazer. Mas até agora o custo do fracasso não era muito pior (na visão deles) do que os tenebrosos anos Temer. Agora, estamos falando de guerra, de conflito mundial e de realinhamento internacional. Que os envolvidos estejam avisados e que saibam que meus filhos não comporão nenhuma corporação militar de fanáticos para morrerem por ignorantes estrangeiros que comandam um fascista descerebrado em algum canto esquecido do mundo.

Os seus vão?

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