O acidente nas instalações da Hydro Alunorte, maior produtora de alumínio do mundo, que abalou a vida de dezenas de comunidades do município de Barcarena, no Pará
Por Jornal GGN
Barcarena, Pará - Impacto ambiental de obras na Amazônia, bacia de rejeitos da Albras, controlada pela Norsk Hydro. (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
da Amazônia Real
Por Bianca Leão, colaboração para a Amazônia Real
Barcarena (PA) – No município de Barcarena, no Pará, o nome da comunidade Bom Futuro mais parece uma ironia de mau gosto. Há um ano, um acidente nas instalações da Hydro Alunorte, maior produtora de alumínio do mundo, abalou a crença sobre o amanhã para dezenas de comunidades locais da região. Segundo perícia do Instituto Evandro Chagas (IEC), houve o transbordo de rejeito da mineradora na bacia da região. Moradora de Bom Futuro há quase duas décadas, Maria Salustiana Cardoso, 69 anos, diz que presenciou a enxurrada de águas avermelhadas que alagaram seu terreno em 2018. Animais morreram afogados e por pouco não levaram parentes e vizinhos.
Em setembro do ano passado, sete meses depois que rejeitos tóxicos (como o cromo e o chumbo) foram encontrados no rio Murucupi, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado, mas moradores como Maria Salustiana ainda não veem sinais de que a vida possa voltar ao normal, e muito menos sonhar em ter um bom futuro.
O TAC previa o pagamento de um cartão-ticket, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data de sua assinatura, com um valor equivalente a 70% do salário-mínimo (R$670,00). Esse valor se refere à unidade familiar que comprovadamente residisse na área da bacia hidrográfica do Rio Murucupi, em 17 de fevereiro de 2018, o que não aconteceu da forma como foi estabelecido no acordo.
Após o resultado de uma auditoria, o TAC também previa que este valor seria aumentado para o de um salário-mínimo mensal (R$ 998) por um ano para as famílias das comunidades impactadas, na área da bacia hidrográfica do Rio Murucupi, ou mesmo fora desta área geográfica.
Maria Salustiana mora em um terreno a menos de um quilômetro de uma das barragens da mineradora norueguesa. Em novembro de 2018, a falta de informação e ação por parte do poder público despertou a cobiça de criminosos. Um assaltante abordou o filho dela, Arlecláudio Cardoso, 38 anos, pedindo uma indenização no valor de R$ 10 mil, alegando que a família teria recebido esse valor da mineradora. Não havia indenização alguma, segundo Salustiana, mas ainda assim seu filho foi assassinado.
Maria Salustiana mostra a água que monitora próximo a bacia 1 (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
“Mataram o meu filho, a coisa mais preciosa que eu tinha na minha vida. Você acha que a gente ainda estaria aqui se estivesse com dinheiro? Eu não sei por que está acontecendo isso comigo. Vivo desesperada com a minha família”, desabafa ela.
O vizinho mais próximo de Maria Salustiana é Elias Lopes da Silva, 70 anos. Ele conta que, quando adquiriu o terreno que mora hoje, comia os peixes do próprio tanque e tinha fartura de frutas e hortaliças, a ponto de não conseguir colher tudo o que plantava. Desde a primeira enxurrada de lama tóxica, em 2009, suas terras nunca mais foram férteis. Hoje, ele e a mulher, Maria Elisabete da Rocha Barbosa Carvalho, 46 anos, sobrevivem com o dinheiro da aposentadoria dele. As dificuldades financeiras enfrentadas pelo casal foram agravadas pela dificuldade de locomoção, devido às sequelas de hanseníase dele e por ela ter perdido a visão de um olho devido à diabetes.
Elias afirma que o medo do rompimento do Depósito de Resíduo Sólido (DSR) 1 tira o sossego deles diariamente. “Queria ao menos o dinheiro para comprar um barraquinho para findar meus últimos dias de vida num cantinho.”
A contaminação do Rio Pará foi atestada por perícia do Instituto Evandro Chagas (IEC) e pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que se instalou de abril a dezembro de 2018 na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa).
Barcarena tem uma população de 121.190 habitantes. No segundo relatório técnico denominado “Avaliação Preliminar dos Impactos Ambientais Referente ao Transbordo e Lançamentos Irregulares de Efluentes de Lama Vermelha na Cidade de Barcarena, estado do Pará”, o IEC afirma que o transbordo e lançamentos irregulares de efluentes de lama vermelha da mineradora Hydro Alunorte contaminaram, também com metais tóxicos, as águas superficiais dos rios e igarapés que margeiam comunidades ribeirinhas do município de Abaetetuba (são 153.380 habitantes), no nordeste do Pará. “Os níveis de substâncias como arsênio, chumbo, mercúrio, cobalto, urânio, alumínio e cobre encontrados na água estão acima dos aceitáveis à saúde humana pela resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)”, diz o documento.
O TAC – assinado entre o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), as empresas Alunorte e Norsk Hydro Brasil e o Governo do Pará – contemplou, ao menos, 24 comunidades do município de Barcarena. Mas ele ainda não vem sendo cumprido integralmente e deixou de fora outras dezenas de comunidades.
O que diz do a Hydro Alunorte?
Tumulto na entrega de indenização da Hydro em dezembro de 2018 (Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Em dezembro de 2018, a mineradora Hydro Alunorte iniciou o pagamento do cartão-ticket no valor de R$ 670, para comprar água e alimentos, como parte da indenização pelo acidente na bacia de resíduos sólidos (DRS1). Elas recebem água por causa da contaminação de poços artesianos e mananciais. A Polícia Militar suspendeu o pagamento devido ao grande tumulto que se formou no Clube Cabanas, trazendo insegurança para muitas pessoas. Eram esperadas 4.800 pessoas, segundo a PM, mas foram receber o dinheiro quase 6 mil moradores de Barcarena.
Procurada para falar sobre o TAC, a empresa Hydro Alunorte enviou uma nota oficial à agência Amazônia Real, na qual diz que “o acordo prevê a distribuição dos cartões de alimentação para as famílias na área da bacia do Rio Murucupi, em Barcarena, que residiam nesses locais em fevereiro de 2018, quando ocorreram fortes chuvas na região. Essa demarcação foi definida pelo Ministério Público”.
Na nota, a Hydro afirma que “segue em diálogo com as comunidades para apoiar uma ampla colaboração em prol de uma mudança social em Barcarena e realiza uma série de investimentos sociais para promover o desenvolvimento sustentável da região”.
Sobre quantas e quais comunidades são atendidas pelo TAC, a empresa diz que “desde fevereiro de 2018 realiza o abastecimento de água, em caráter humanitário, para mais de 2.000 famílias das comunidades de Burajuba, Bom Futuro e Vila Nova que foram impactadas pelas chuvas. Mais de 20 milhões e 300 mil litros de água para uso doméstico em caminhão pipa e 190 mil galões já foram distribuídos. Também foram doados mais de 703 reservatórios de água”. Destaca ainda que “já forneceu recursos que viabilizaram mais de 5 mil atendimentos médicos para estas três comunidades com foco em clínica geral, dermatologia e pediatria por meio de unidades de saúde”.
Neste trecho da nota, a mineradora cita as chuvas como a responsável pelo vazamento de rejeito químicos em Barcarena, apontado nos relatórios do IEC, como o fator da contaminação dos poços artesianos e mananciais da bacia do rio Pará.
Peixes e água contaminados
Poço interditado para consumo na comunidade Jardim Cabano (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Os moradores das comunidades de Barcarena e do município de Abaetetuba reivindicam a ampliação da área de atuação do acordo, afirmando que há um ano começaram a observar mudanças significativas, em relação à qualidade da água, com a morte de peixes, baixa produtividade do solo e aumento de casos de doenças de pele e de estômago.
Moradora da comunidade de Arrozal de Barcarena, que tem cerca de 70 famílias e pertence à bacia do rio Murucupi, Maria do Socorro Marques do Carmo, foi uma das que ficaram de fora do TAC. Ela conta que nasceu na comunidade há 53 anos e que há um ano percebeu que a cor do rio mudou. Em seu trabalho como agente de saúde, ela vem observando a ocorrência de manchas e feridas na pele de crianças e adultos, bem como grande incidência de diarreia. “Procuramos trabalhar com prevenção e orientamos as pessoas a não comerem peixes ou beberem água de locais contaminados. Mas, muitas vezes, as famílias não têm outra opção”, lamenta.
O TAC prevê a investigação ambiental sobre a bacia do rio Murucupi, e determina a apresentação de relatório preliminar em até seis meses e de estudo final em até um ano, com a obrigação de indicar soluções e medidas técnicas a serem adotadas para prevenir futuros acidentes. Mas a vida dos moradores não pode ser congelada nesse tempo. Nas proximidades da comunidade Bom Futuro, os moradores do Quilombo Sítio São João também atribuem à Hydro Alunorte grande parte das dificuldades socioambientais, enfrentadas nos últimos anos. Sandra dos Santos Amorim conta que há um ano as pessoas só comem os peixes do igarapé quando não têm mais outra opção, pois sabem que a água está contaminada. De acordo com ela, se nenhuma providência for tomada, em menos de cinco anos não será possível a manutenção do quilombo na região. “Eu nasci aqui. Antes, eu podia dormir de porta aberta. Hoje, com o crime e o desemprego, a gente vive com medo”, diz.
Sandra Amorim, do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Para Sandra dos Santos, a refinaria de alumina tem condições de reparar os danos causados ao meio ambiente. “Queremos plantar porque somos acostumados a viver da terra. A gente sabe que é possível fazer reparos na natureza. Vi o caso de um rio que foi despoluído na Noruega”, argumenta. Para ela, é necessário também indenizar e remanejar as populações que vivem perto das bacias da mineradora. “É preciso fazer um trabalho em conjunto entre a empresa, o governo e a sociedade. Somos nós que sabemos onde doi”, defende.
“Estamos sendo assassinados aos poucos”, resume a ativista Maria do Socorro Costa da Silva, da comunidade quilombola do Burajuba, ex-presidente da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama). Ela alega que foram coletadas amostras de sangue e de fios de cabelo da população de Barcarena, que apontaram taxas de substâncias tóxicas acima das quantidades aceitáveis no organismo. Segundo ela, o Estado deve proporcionar maior transparência em relação aos exames toxicológicos realizados entre a população e atuar de forma mais enérgica para a proteção dos moradores do município. “Alumina e chumbo não votaram neles. Nós votamos”, argumenta Maria do Socorro.
Transparência sobre as barragens
Manifestação em 18 de fevereiro na frente a sede da Hydro (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
O coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Petronilo Alves, explicou que umas das propostas do movimento é a de criar um colegiado, por meio do qual as três esferas de governo, representantes da sociedade civil e das grandes empresas possam dialogar. Além de monitorar análises laboratoriais periódicas do meio ambiente, esse grupo garantiria que esses dados sejam repassados para a população. Para ele, as pessoas precisam ter acesso a informações sobre os depósitos de resíduos industriais e sobre a infraestrutura das empresas, assim como das condições de trabalho de seus funcionários.
Petronilo apontou, ainda, outras pautas do movimento como a priorização da mão-de-obra local para as vagas de emprego ofertadas pelas empresas, implementação de escolas públicas e a criação de um Fundo Sócio-Econômico Ambiental, com recursos provenientes das multas aplicadas às grandes empresas. Esses recursos seriam revertidos em projetos de desenvolvimento social para as comunidades.
Para a presidente da Associação dos Moradores do Bairro Jardim Cabano, Jackeline Sales, o plano de ação adotado pela Hydro Alunorte até o momento tem dificultado a efetividade das medidas de mitigação dos problemas enfrentados pela comunidade local. Ela cita, como exemplo, o pagamento emergencial de um cupom para comprar água e alimento no valor de R$ 670 por família que comprove ter residido na área em 17 de fevereiro de 2018. O cadastro inicialmente não levou em conta que muitos moradores não possuem documentos que comprovem a titularidade do imóvel, e, segundo Jackeline, muitos estabelecimentos locais aumentaram os preços dos produtos após a distribuição dos cartões.
“Depois que acabar o dinheiro depositado nestes cartões, como essas pessoas vão ficar? Não seria melhor reverter esse dinheiro em assistência para a comunidade? Oferecer empregos?”, indaga a liderança da comunidade Renascer em Cristo, Antônia Felícia da Costa. Ela questionou, ainda, os critérios utilizados para o cadastro de beneficiários, uma vez que observou que muitas das pessoas que mais precisavam do auxílio financeiro não conseguiram ter acesso a ele.
Embora o documento aponte para um caminho na solução dos problemas que a atividade refinaria vem causando na região, os manifestantes presentes no ato do dia 18 de fevereiro temem que novos acidentes possam ocorrer. Para a advogada e professora da Universidade Federal do Pará, Paula Arruda, mais um crime socioambiental está na iminência de acontecer, caso haja um rompimento em uma das bacias da Hydro Alunorte.
Paula é coordenadora do Laboratório de Justiça Global e Educação em Direitos Humanos na Amazônia (Lajusa) e trabalha há mais de dez anos no apoio e acompanhamento jurídico de comunidades em situação de vulnerabilidade e no enfrentamento a ameaças de morte. Segundo a advogada, a situação das vítimas dos impactos socioambientais da mineração é de risco, sobretudo no entorno da área industrial.
Maria do Socorro Carmo faz protesto na porta de mineradora (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
O que diz o MPF?
O Ministério Público Federal em Belém também foi procurado pela reportagem para falar sobre as comunidades que não integram a lista de beneficiadas pelo TAC. O órgão limitou a dizer que essa questão será respondida por auditoria independente, a ser contratada conforme o item do acordo.
Com relação à indenização de um salário mínimo para cada uma das famílias atingidas, o MPF disse que essa questão “está prevista apenas para as famílias que forem detectadas como impactadas pela auditoria descrita na primeira resposta. E que as condições de pagamento estão descritas no TAC.
Sobre o tempo de pagamento da indenização que a empresa Hydro Alunorte irá pagar a cada uma das famílias atingidas em Barcarena, o MPF afirmou que “Conforme itens 2.1.3 e 2.1.3.1 do TAC, o período será de 12 meses, podendo ser estendido, a critério dos signatários do TAC, mediante aditamento ao documento, após avaliação da necessidade e pertinência de sua renovação, pautada em dados técnicos.”
Ações contra a empresa
DRS1 em obras em dezembro de 2018 (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)
A mineradora Hydro Alunorte é controlada pela Norsk Hydro ASA, com sede em Oslo, na Noruega, desde de maio de 2010. As ações foram compradas da Vale do Rio Doce, pois na ocasião a empresa tinha participação acionária de 34%. Os principais acionistas da Hydro são o estado norueguês com 34,7 por cento e o fundo de pensão do governo norueguês com 6,5% (em 31 de dezembro de 2017). Entre outros acionistas majoritários encontram-se investidores institucionais na Noruega, Estados Unidos, Reino Unido e Hong Kong.
Em 2009, a Hydro Alunorte foi multada em R$ 5 milhões pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará, por um vazamento de resíduos sólidos no rio Murucupi. Em fevereiro de 2018, a mineradora recebeu duas multas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no total de R$ 20 milhões, por realizar atividade potencialmente poluidora, sem licença válida da autoridade ambiental competente e por operar tubulação de drenagem também sem licença. As multas foram contestadas pela empresa e os valores ainda não foram pagos. O pagamento faz parte do Termo de Ajustamento de Conduta do MPPA e MPF com à Hydro e com governo do Pará em vigor. A Justiça Federal mantém o embargo de 50% das atividades industriais da refinaria. A mineradora é também alvo de um processo judicial por crimes contra o meio ambiente e o patrimônio genético, pelos danos causados em Barcarena.
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