O fato de a colheita ser orgânica também motiva os assentados, que hoje vivem um processo de transição do modelo convencional para o sistema agroecológico. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Cristiane Sampaio
Na mesa do brasileiro, o arroz é onipresente. No assentamento Fábio Henrique, do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), situado no município de Prado, Extremo Sul da Bahia, ele é também sinônimo de alegria, fartura e esperança. Nesta sexta-feira (22), os agricultores do local iniciaram uma plantação de arroz orgânico que envolverá a maior parte das 174 famílias que residem no assentamento.
Inédita no estado, a iniciativa deverá contribuir para gerar renda e diversificar ainda mais a produção dos agricultores, que tem a mandioca como carro-chefe, mas também inclui cultivos de urucum, milho, feijão e hortaliças.
Em um ato simbólico, os trabalhadores plantaram cinco hectares de arroz para comemorar o início dos novos trabalhos. A agricultora Ana Maria Silva Vaille, coordenadora do assentamento, afirma que o cultivo deve chegar, em breve, a 100 hectares. A estimativa é motivo de esperança para quem reside no local.
“Já fizemos um experimento e deu certo, então a gente sabe que nasce [arroz]. É muita expectativa, só de coisas boas, porque a gente pode dar uma condição de vida melhor para as pessoas, para os assentados que moram aqui. A gente está muito feliz e contente”, comemora Ana.
O fato de a colheita ser orgânica também motiva os assentados, que hoje vivem um processo de transição do modelo convencional para o sistema agroecológico, pautado na sustentabilidade e no respeito ao ecossistema.
“A gente pode comer confiante, sabendo que está comendo um produto de qualidade”, ressalta a coordenadora do assentamento.
A nova colheita do pedaço motiva também os mais jovens. É o que manifesta Carla dos Santos Andrade, de 16 anos: “Vai ser boa para o assentamento e para o nosso futuro, para o futuro de muita gente, muitas crianças, dos pequenininhos até os maiores. Vai ser um exemplo de como cultivar”.
O início da plantação de arroz carrega ainda outra simbologia para o assentamento – que tem oficialmente dois anos de existência, mas resultou de um processo de nove anos de embates políticos na região.
“Esse ato é uma grande conquista do processo de luta de classes, porque essa área aqui era do agronegócio e os trabalhadores conquistaram ela após um grande processo de luta, de enfrentamento. Hoje estão aqui as famílias vivendo, produzindo, construindo um quintal produtivo no sistema agroecológico. A luta não é em vão. A luta vale a pena”, celebra Paulo César de Souza, dirigente regional do MST.
Para sedimentar o caminho que leva a projetos dessa natureza, a militância conta com diferentes braços, como é o caso dos sem-terra que atuam na luta institucional.
No ano passado, o assentamento Fábio Henrique foi um dos beneficiados com maquinário de uso agrícola que permitiu um aperfeiçoamento técnico das práticas de cultivo em diferentes núcleos rurais do MST.
O avanço foi possível graças a emendas parlamentares obtidas por meio do mandato popular do deputado federal Valmir Assunção (PT-BA), que é assentado da reforma agrária na região, no município de Itamaraju (BA), e sabe que a atuação do agronegócio dificulta o financiamento e a efetivação de projetos de natureza popular.
“O que nós estamos fazendo no conjunto de assentamentos que temos no Extremo Sul, investindo na produção, é porque nós também temos que mostrar pra sociedade que a reforma agrária dá certo”, afirma Assunção.
Referência
De acordo com os dirigentes do MST, o plantio do arroz orgânico marca ainda o começo de uma nova fase do movimento na Bahia, estado que foi o pioneiro da luta organizada dos sem-terra no Nordeste e, por isso, serve de referência aos demais na região.
A mais nova produção dos sem-terra na Bahia é também promessa de outros horizontes para o MST no Brasil. É o que afirma o coordenador nacional do Setor de Produção da organização, Milton Fornazieri, mais conhecido como Rascunho.
Os agricultores familiares da organização já têm experiências com arroz orgânico em outros estados, como Rio Grande do Sul, onde 363 famílias se dedicam a esse cultivo em 15 assentamentos.
Com estimativa de 16 toneladas para a safra 2018-2019, a produção local fez com que o MST virasse referência nesse tipo de produção no continente. Fornazieri afirma que a projeção do movimento é de que a safra de arroz do MST seja ainda mais rentável na Bahia.
Por conta do clima temperado do Extremo Sul e das boas condições do solo, rico em matéria orgânica, os agricultores poderão fazer duas colheitas ao ano – diferentemente do Rio Grande do Sul, onde esse processo se dá somente uma vez ao ano.
“A ideia de vir aqui para a Bahia é justamente para aproveitar a potencialidade geográfica que tem a região e também [para] nós sairmos para outros estados. Nós não podemos ficar só com uma experiência. Temos que criar várias experiências pra transformar totalmente a produção de arroz em orgânica e fazer o enfrentamento com o agronegócio nesse sentido”, afirma.
João Pedro Stedile, da direção nacional do MST, acrescenta que o início da plantação de arroz no Extremo Sul marca “um dia histórico” para o movimento. Ele acredita que a região tem potencial para se tornar a maior produtora de arroz orgânico do Nordeste.
“O Nordeste já foi um grande produtor de arroz e, infelizmente, o agronegócio destruiu. Agora, o MST da Bahia tem nas mãos a possibilidade de fazer com que, de novo, o arroz que vai para a mesa do nordestino seja produzido aqui”.
Segundo a direção do movimento, o próximo passo será a criação de uma agroindústria para garantir o beneficiamento do produto na região.
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