A CONCENTRAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL E O QUE ISSO SIGNIFICA NA PRÁTICA
A concentração no Brasil é a pior do mundo, e isso tem impactos para o funcionamento da democracia
O grande empresário Rubens Menin é o dono da construtora MRV, uma das maiores de Minas.
Ele é também o controlador da CNN Brasil, TV a cabo.
Desde ontem, ele é também o dono da Rádio Itatiaia. Uma das maiores do estado, a mais tradicional das coberturas de esporte e também de política e economia – há alguns reconhecidos jornalistas/apresentadores que são referências para a população, do tipo “ah, vc viu o que o fulano de tal falou na Itatiaia?”.
Pois bem, Rubens Menin também é um reconhecido apoiador de Jair Bolsonaro.
Ele foi um dos empresários de mídia que estiveram presentes no jantar com Jair e membros do governo, em 8 de abril deste ano, e também um dos que elogiaram o discurso de Jair na ocasião.
Bem, ele ser a favor de Jair tendo uma construtora não é grande problema. Ele ser muito a favor de Jair e ter uma TV e uma rádio, ambas potentes, é um grande problema. Por quê? Vejamos alguns aspectos.
O Brasil tem a pior estrutura de concentração de meios de comunicação no mundo – setes grupos/famílias controlam a grande maioria do conteúdo produzido e a distribuição desse conteúdo.
Esses grupos se concentram, em sua quase totalidade, na região Sudeste e detêm grande audiência. Se a TV tem um lugar cativo neste Brasil gigantesco, o rádio é uma potência.
Então, se uma pessoa – cujo perfil é: grande empresário, homem, branco, muito rico, da região Sudeste – detém uma grande TV a cabo (fala com um público X) e uma grande emissora de rádio (fala com público Y) e esse cidadão apoia um determinado político ou grupo político, sendo portanto contrário a outro ou outros, podemos supor que haverá um determinado viés (ponto de vista, conjunto de valores) que vai orientar, de cima, a condução da linha editorial desses veículos.
Mas ter uma linha editorial, em si, também não é um problema. Todos os veículos de mídia têm linhas editoriais que vão orientar e conduzir a produção.
Onde está o problema, então?
O problema está na concentração de muitos meios nas mãos de poucos grupos. Grupos esses que têm um perfil muito semelhante: grandes grupos de empresários, brancos, ricos, da região Sudeste/Sul.
Ou seja, o controle dos meios não está pulverizado – não há grupos diferentes e plurais com acesso a meios de comunicação e, portanto, produzindo notícias e outros conteúdos a partir de um rol plural de formações, pontos de vista, afinidades, orientações politico-ideológicas – basta ver a enorme perseguição às rádios comunitárias no Brasil.
Ou seja, se são os mesmos perfis que têm o controle dos meios, a produção do conteúdo nunca será plural de verdade, nunca vai abarcar a complexidade do Brasil, nunca vai dar espaço de fala e voz a grupos minoritários, sobretudo, nunca haverá espaço de verdade para pensamentos políticos, econômicos e sociais dissonantes.
Vou mostrar um diagrama bem simples:

É uma ilustração para pensarmos, na prática, o que significa esse controle da informação – e por que isso é um mal para a democracia.
Se poucos grupos controlam muitos meios de comunicação, eles controlam a PRODUÇÃO da notícia, o que significa determinado viés predominante, determinados pontos de vista predominantes, sem espaço plural de verdade para outras manifestações.
Ou seja, a abordagem de determinado acontecimento terá somente uma cara. E controlam também a distribuição dessa notícia com um enorme alcance, pois têm condições de espalhar pelo pais a sua produção.
Uma rádio comunitária, que também tem seu viés e seus pontos de vista, tem um alcance super localizado, muito pequeno. Ao contrário de uma rádio potente e capilarizada.
O Brasil não tem TV pública, e a TV do estado fica à mercê de governos.
Por aqui, grandes empresários podem ter rádio, TV, jornal, TV a cabo, distribuidora de filme, de música, revista e por aí vai – isso é a concentração: um grupo sozinho tem MUITOS meios e consegue alcançar centenas de milhares de indivíduos com seus produtos e seus pontos de vista.
Voltando então ao começo do bate-papo: se um empresário tem uma grande TV e uma rádio potente e afinidades com determinado grupo político – o que implica determinado conjunto de valores, de pontos de vista, de visões de mundo – dificilmente seus veículos darão espaço qualificado para outros grupos políticos.
Mas vão fingir que fazem isso.
Porque, no Brasil, há um outro grande problema – por aqui os grandes veículos fingem imparcialidade e neutralidade. E aí, vão produzir a informação como se aquela versão fosse a ÚNICA possível e como se não fosse uma versão, mas a verdade sobre aquele assunto específico.
E vão afirmar com muita sobriedade que o interesse deles é “a informação” – como se informação não fosse um objeto construído.
A produção da notícia envolve um processo de seleção – alguém seleciona aspectos de um acontecimento a partir de uma linha editorial e de determinados pontos de vista e determinado viés.
Portanto, se tivéssemos muitos grupos donos de vários meios, teríamos vários pontos de vista sobre um mesmo assunto – e aí poderíamos formar o nosso próprio ponto de vista a partir de um conjunto mais amplo e diversificado de pontos de vista.
Vou dar um exemplo. Eu posso, num veículo tal, fazer um escarcéu e chamar de corrupção a compra de uma tapioca de R$ 8,30 com um cartão corporativo, ou eu posso mostrar, em outro veículo, que a figura em questão justificou a compra mostrando que estava sem seu cartão pessoal, afinal, foi uma tapioca.
Eu também posso escolher chamar de “orçamento paralelo” ou de esquema de corrupção recursos de 3 bilhões de reais reservados para a compra de deputados. Tudo são escolhas.
Vou dar outro exemplo. Vamos pensar numa reportagem sobre o funcionamento do Sistema Único de Saúde, o SUS.
Nessa suposta reportagem eu, como editora de determinado veículo, expresso o que aquele veículo tem como linha editorial; então, na seleção dos aspectos para compor a notícia, eu escolho mostrar apenas hospitais e postos de atendimento lotados, pessoas reclamando do atendimento no SUS, muita bagunça.
E como fonte, eu escolho pessoas preparadas, médicos, mas que estão ligados a planos de saúde, ao sistema privado de saúde. Ok. Nada há de errado nisso, é uma escolha, um procedimento.
Feita a reportagem, ela vai gerar no leitor ou espectador ou ouvinte uma determinada reação – o SUS não presta, o melhor é o sistema privado de saúde.
Mas, se eu estou em outro veículo, com outros interesses e pontos de vista, eu posso mostrar hospitais precários, pois existem mas posso mostrar que isso é resultado do corte de investimento na saúde pelo poder público e posso mostrar também que o SUS tem o maior sistema de cobertura vacinal do planeta para países com mais de 100 milhões de habitantes e o único totalmente gratuito nessa situação; posso mostrar ainda que o Programa de Saúde da Família prioriza um atendimento integral e que vai à casa das pessoas. Tudo gratuito.
Enfim, são vários aspectos de um mesmo tema ou assunto.
Mas eu como espectadora leitora ouvinte somente terei acesso a esse conjunto amplo de informações se houver pluralidade dos meios de comunicação, com pluralidade de pontos de vista.
Portanto, a concentração dos meios de comunicação, meus caros, é incompatível com a democracia.
PS.: A rádio é uma potência em termos de comunicação, sobretudo no interior do Brasil. Todo mundo ouve rádio. O dia inteiro.Os empresários bolsonaristas querem uma estação pra chamar de sua.
No ano passado, em setembro, reportagem do jornal O Globo mostrou, a partir de mensagens apreendidas pela Polícia Federal (PF) no celular de um empresario, que empresários bolsonaristas estavam fazendo um movimento para a compra de estação de rádio para apoiar as pautas de interesse do governo.
O empresário em questão conversava com o então secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten.
Minas Gerais ouve rádio. E ouve muito a Itatiaia. O Brasil ouve rádio. Rubens Menin, agora dono da Itatiaia, afirmou, após o jantar com Bolsonaro e outros empresários: “Foi uma conversa boa, eu gostei, me deu tranquilidade”, definiu Rubens Menin. Segundo o empresário, “foi uma conversa de alinhamento, não de confusão”.
Enfim, apenas especulações mesmo.
* Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística pela PUC/MG.
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