O filme “O jovem Karl Marx”, recente, reconstrói o clima de superexploração na Europa, no início da revolução industrial.


O que os dois casos – e os tempos atuais – têm em comum é a superexploração do trabalho advinda de uma nova revolução tecnológica apropriada pelo grande capital.

A primeira revolução industrial introduziu as máquinas na produção.

No século 19, a segunda revolução ocorreu nos serviços públicos – navios a vapor, ferrovias, iluminação, telefonia e saneamento, com o avanço da indústria química, elétrica, de petróleo e de aço. E na implantação do fordismo, a implantação de ortganização e métodos no trabalho descritos por Chaplin.

A terceira revolução começou nos anos 60/70 com o desenvolvimento da digitalização.

A quarta avançou recentemente, com o uso intensivo da digitalização para melhoria da produtividade dos processos.

Em todos os casos, havia mudanças nos modos de produção que definia novas formas de relação capital x trabalho, abrindo espaço para a super-exploração.

Nos últimos anos, a superexploração se refletiu no modelo ultraliberal, preconizando o desmonte do Estado, das legislações em defesa do trabalho e na privatização de todos os serviços públicos.

No Brasil esse modelo foi implementado de forma retardatária através da chamada “Ponte Para o Futuro”, endossada pela frente que articulou o impeachment de Dilma Rousseff – do Centrão ao Supremo -, em um momento em que o mundo começava a rever a superexploração como uma ameaça ao próprio capitalismo, ao impedir o desenvolvimento harmônico dos países, fazendo com que a riqueza financeira se despregasse da riqueza real, gerando bolhas e crises sucessivas.

No caso brasileiro, empregou-se o mais usual dos golpes liberais, a chamada “teoria do choque”.

Peça 2 – a teoria do choque

O modelo “teoria do choque” foi implantado, na economia ainda nos anos 70, pela Escola de Chicago. Foi inspirado em dois psicólogos alemães amalucados que, no pós-guerra, tentaram adaptar o choque terapêutico em um país inteiro.

A ideia do choque terapêutico é a de que os traumas que alteram o comportamento de uma pessoa derivam de traumas do passado. Com o tratamento de choque, bagunça-se completamente a história anterior do paciente, abrindo espaço para organizar uma nova lógica interna, que expurgue as razões do trauma.

Em cima disso, os psicólogos se mudaram para os Estados Unidos e propuseram aplicar o choque em toda a Alemanha, para expurgar o comportamento germânico bélico. Essa piração não foi levada adiante, mas o tratamento de choque acabou incorporado nas técnicas de interrogatório da CIA e, nos anos 70, foi adaptado para a economia pela Escola de Chicago.

Há um conflito permanente entre os interesses do capital e da população de um país.

Há dois caminhos para o capital, o virtuoso e o predatório. O virtuoso são os investimentos em novos setores e novos ativos, ajudando a consolidar as grandes mudanças tecnológicas; o predatório é o da arbitragem, de meramente adquirir ativos já existentes, através da privatização, operação segura e com margens elevadas de lucro, especialmente quando se consegue uma operação claramente criminosa, como a tentativa atual de privatizar a Eletrobras.

Em tese, o objetivo dos governos nacionais é de levar o bem estar aos cidadãos. O do capital é o de aproveitar todas as oportunidades para se rentabilizar.

Em tempos de normalidade, na busca do bem estar, governos nacionais sérios se comportam como defensores do chamado interesse difuso – aquele que atende toda a população, inclusive os grupos não organizados. Nessa empreitada, o Estado impõe regulações, intervenções na economia – como a escola pública, a saúde pública etc. E há uma estrutura política e social, uma ordem institucional entendendo e defendendo esses avanços como objetivo central.

Mas há momentos em que ocorre um choque de grandes proporções que desarruma todo o edifício institucional e todos os conceitos consolidados. Pode ser um choque político – um golpe de Estado como no Chile de Pinochet ou no Brasil de Michel Temer, Eduardo Cunha e Lava Jato -; ou um choque climático, como o furação Katrina em Nova Orleans

Esses momentos devem ser aproveitados para implementar medidas em favor do capital contra os interesses difusos. Segundo o receituário da escola de Chicago, em geral o período a ser aproveitado é de 6 meses. No Brasil perdurou em todo o período Temer e no primeiro ano do governo Bolsonaro.

A estreia desse modelo foi no golpe de Pinochet, no Chile. O golpe permitiu destruir a Previdência Pública, privatizar os bancos públicos e acabar com o ensino público.
Em Nova Orleans, aproveitou-se o choque do furacão Katrina para impor a privatização do ensino público. Mudou-se o modelo, privatizou-se, criou-se uma escola elitizada mantendo os piores indicadores educacionais do país.

O caso brasileiro é o mais notório. O golpe do impeachment foi montado em cima da tal “Ponte para o Futuro”, um conjunto de medidas de cunho ideológico-negocista visando desmontar a precária rede de apoio social brasileira e privatizar estatais estratégicas brasileiras. O choque em questão decorreu da incapacidade do governo Dilma de enfrentar a queda das cotações de commodities e manter uma base aliada coesa. Essas fragilidades foram aproveitadas por uma conspiração que teve como eixo central os fundamentos da teoria do choque. O golpe foi acompanhado de perseguição implacável aos críticos, desmonte da estrutura sindical, repressão a movimentos sociais e perfeita sintonia entre políticos do impeachment e Ministros do Supremo Tribunal Federal. Abriram-se as comportas para todo tipo de negócios até se chegar ao extremo da tentativa de privatização da Eletrobras.

Abaixo, alguns dos artigos do GGN para entender esse processo.





Peça 3 – a aliança com os fundamentalistas

Historicamente, o capital se aliou a diversos grupos de poder. O modelo mais adequado é o da democracia mitigada, que permite manter a estabilidade das medidas pró-capital através de formas de influência na mídia, no Congresso e no Judiciário.

A entrada da banca inglesa na República se deu através de associação com o capital nacional, mas também com o primeiro Ministro da Fazenda, Ruy Barbosa. O uso da retórica econômica como ferramenta política foi praticada por Rui Barbosa, por Campos Salle na renegociação da dívida externa brasileira, por Pedro Malan e pelos economistas do Real.

Nas décadas de 60 e 70 houve alianças com ditaduras. No caso brasileiro, após um período pró-mercado, no governo Castello Branco, seguiu-se uma era desenvolvimentista, com Médici-Delfim Netto, e um período de planejamento centralizado – com Geisel-Reis Velloso, reforçando, para o mercado, as dificuldades das alianças com ditaduras, já que fica-se na dependência da cabeça do ditador do momento.

Nos anos 90, retomou-se a busca de aliados na política. E a aliança mais profícua foi com Fernando Henrique Cardoso e a turma do Real, brandindo a bandeira da luta contra a inflação para impor as medidas mais impopulares, benéficas ao grande capital e nocivas ao desenvolvimento. Seguiu-se o período Lula-Dilma e a ofensiva mais atrevida, com o impeachment de Dilma e a entrada de Temer.

Como lembrou Kataguari, em seu debate, ali foi o auge da direita. Conseguiu-se a condenação e prisão de Lula, o desmonte da legislação trabalhista, da estrutura sindical, da Previdência, a maluquice da Lei do Teto por 20 anos, abriram-se as comportas para uma privatização selvagem.

Aí entra o fator Bolsonaro, com sua selvageria e a tragédia no enfrentamento da pandemia, ameaçando o próprio conceito de Nação e, com isso, abreviando o ciclo da direita mercadista nacional.

Ocorreu o mesmo nos Estados Unidos com o fenômeno Donald Trump. Sua gestão foi tão extravagante e tão desastrosa no combate ao Covid-19, que impediu a reeleição abrindo espaço para a eleição de Joe Biden.

O choque provocado pela pandemia expôs de maneira crua os desatinos das políticas liberais, a extraordinária concentração de renda e o abandono dos extratos sociais de menor renda.

Mais que isso, expôs o lado imprescindível do Estado nacional e das políticas públicas.

Peça 4 – a volta para a centro-esquerda

Independentemente dos desdobramentos das alianças políticas, o país caminhará, no pós-Bolsonaro, para a centro-esquerda, com a revalorização do papel do Estado, especialmente nas áreas de educação e saúde, com uma visão mais civilizada das relações de trabalho, das políticas ambientais, com um novo enfoque do federalismo – depois que os governadores se comportaram como âncoras para impedir que as loucuras de Bolsonaro jogassem o país ao mar.

Principalmente, será cortado o cordão umbilical entre o Banco Central e o mercado e o controle absoluto do mercado sobre as políticas monetária e fiscal.

Os efeitos da revisão econômica tardia – encabeçada por André Lara Resende e nova geração de economistas – frutificará no próximo mandato presidencial.

Lá atrás se sabia que o país só começaria a mudar depois que visse a bocarra do monstro. Bolsonaro cumpriu esse papel didático.

Ainda haverá um bom trajeto pela frente. Levará algum tempo para que esse movimento de retomada dos valores públicos se imponha. Mas a caminhada é irreversível.