sábado, 30 de outubro de 2021

Bolsonaro está afundando a pandemia e a economia trava

Fontes: IPS [Foto: Ato em memória dos 600 mil brasileiros assassinados pela COVID e em recusa à gestão da pandemia pelo presidente Jair Bolsonaro, na Plaza de los Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de outubro. As manifestações em comemoração às mortes evitáveis ​​pela pandemia são cada vez mais repetidas pelos diferentes pontos cardeais do Brasil. Foto: Pedro França / Agência Senado- Fotos Públicas]

RIO DE JANEIRO - A investigação parlamentar sobre o manejo da pandemia no Brasil dificilmente terá os efeitos criminosos propostos, mas desgastou gravemente o presidente Jair Bolsonaro, que tenta reagir com golpes econômicos que podem acabar enforcando-o.

Dois secretários do Ministério da Economia e seus deputados renunciaram na quinta-feira 21, após o governo de extrema direita anunciar um auxílio mensal de 400 reais (US $ 72) a 17 milhões de famílias pobres, quebrando assim o "teto de gastos", a regra constitucional criado em 2017 que limita o aumento do orçamento anual à inflação do ano anterior.

Os demitidos, responsáveis ​​pelo orçamento e pela Fazenda, alegaram "motivos pessoais" para a renúncia, mas discordância com a reviravolta nas regras fiscais e com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que admitiu a necessidade de "licença para gastar" acima daquele teto forçado.

É uma concessão ao “populismo eleitoral” de Bolsonaro, cuja tentativa de ser reeleito em outubro de 2022 requer a recuperação de uma popularidade perdida devido à sua atitude negativista em face da pandemia cobiçada-19, que já matou mais de 604.000 pessoas em este país de mais de 213.000 habitantes.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado o acusa de nove crimes, entre eles "crime contra a humanidade" e a propagação de uma epidemia com mortes, por ter estimulado a população a violar medidas de prevenção, atrasando a compra de vacinas e fomentando falsidades sobre a pandemia, entre outras ações.

O charlatanismo é outra acusação, pois o presidente recomendou medicamentos inadequados, como a cloroquina e o antiparasitário ivermectina, que seu governo continua promovendo como "tratamento precoce". O próprio Bolsonaro o defendeu em seu discurso na 76ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em 21 de setembro.

Acrescenta-se ao rol de denúncias a prevaricação, por omissão de ação contra denúncia de corrupção na compra de vacinas, além de “crime de responsabilidade”, que inclui diversas ilegalidades por parte do poder público.

Outras 65 pessoas, incluindo os três filhos políticos do presidente, quatro ministros e dois ex-ministros, são apontados como autores de pelo menos um dos 23 crimes previstos na legislação brasileira, segundo relatório de seu relator, o senador Renan Calheiros. O TPI planeja adicionar outros 10 réus nos próximos dias.

O devastador relatório de 1180 páginas deve ser aprovado no dia 26 de outubro pelos sete membros do TPI unidos na crítica ao governo, enquanto outros quatro, aliados de Bolsonaro e que já anunciaram relatórios alternativos, que isentam de culpa o governo.

A comissão entregará suas conclusões ao Ministério Público (procurador-geral), encarregado das investigações judiciais e do Ministério Público, ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que decidirá sobre a abertura de processos de inibição de presidente por os chamados crimes de sua responsabilidade, e outras autoridades judiciais.

Você também pode entrar em contato com o Tribunal Penal Internacional, com sede na cidade holandesa de Haia, por crimes contra a humanidade, supostamente cometidos pelo Bolsonaro, no poder desde o primeiro dia de 2019.

O relator da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a gestão da pandemia no Brasil, senador Renan Calheiros, durante a leitura, no dia 20 de outubro, do relatório que propõe processar o presidente Jair Bolsonaro por nove crimes, entre eles o de "crime contra a humanidade", tendo causou boa parte das mais de 600.000 mortes de covid-19 no Brasil. Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado-Fotos Públicas.

Dificuldades para uma inelegibilidade presidencial

Mas os juristas antecipam as dificuldades em processar o presidente e outros réus.

O relatório do TPI é político, embora tipifique os crimes que identificou nos seis meses de seu trabalho, e será submetido a avaliações judiciais e de outras autoridades que, até agora, se destacaram por proteger Bolsonaro e sua família.

É o caso do procurador-geral da República e titular do Ministério Público, Augusto Aras, único que pode abrir processos de investigação judicial contra o presidente.

Além disso, os processos de desqualificação presidencial dependem do presidente da Câmara dos Deputados e Lira já tem uma pasta com mais de 130 pedidos de ação contra o Bolsonaro, sem qualquer resposta. A proposta da ICC será mais uma, salvo um desenvolvimento imprevisto.

O presidente do TPI, senador Omar Aziz, sustenta que não há argumentos possíveis para que tais autoridades rejeitem as conclusões de sua comissão. De qualquer forma, não há prazo para desfecho e é conhecida a morosidade da Justiça no Brasil.

Na esplanada do legislativo Congresso Nacional, em Brasília, novas bandeiras brancas são colocadas todos os dias em homenagem aos brasileiros que morreram desde a data de 19, cada uma com o nome do falecido. No dia 15 de outubro, data da imagem, já havia 602 099 mortos pela pandemia. Foto: Roque de Sá / Agência Senado-Fotos Públicas

Impacto político

Mas o efeito político já é um fato. As sessões públicas do ICC, veiculadas em canais noticiosos de televisão, expuseram os danos e o caos na gestão da saúde, produtos da orientação presidencial contra o consenso de epidemiologistas e infectologistas.

O resultado foram conflitos permanentes entre o governo central e a maioria dos 27 estados e mais de 5.500 municípios. Foi ainda necessária uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que confirmou a autonomia dos governos regionais e locais para ditar regras como o distanciamento social e o uso de máscaras.

Bolsonaro boicotou regularmente tais regras, procurou reativar a economia em meio ao aumento da pandemia e acusa o STF e os governadores regionais e prefeitos municipais (prefeitos) como responsáveis ​​pelas dificuldades econômicas do país.

Ao contrário de quase todos os chefes de estado que tentam dar o exemplo para sua população, Bolsonaro se recusa a ser vacinado para estimular a imunização anticovide. Primeiramente, ele argumentou que seria o último a fazê-lo e garante que não será vacinado, pois desde que contraiu o coronavírus em julho de 2020, ele é considerado imunizado.

As denúncias do TPI ao presidente estão praticamente todas documentadas. Eles são em grande parte seus discursos e diálogos com seguidores. A Comissão teve a função de concentrar e ordenar os eventos.

Os 57 depoimentos coletados nos seis meses do TPI constituem um quadro caótico que explica uma grande mortalidade evitável, que alguns especialistas estimam em até dois terços do total de mortes.

As pessoas investigadas, como o ex-ministro da Saúde, general atuante Eduardo Pazuello, e o atual médico Marcelo Queiroga, ou testemunhas, como o oficial daquela repartição, Luis Ricardo Miranda, que denunciou irregularidades na compra de vacinas, revelaram aspectos de uma gestão fadada ao fracasso.

Por exemplo, foi identificado o que o ICC chama de “gabinete paralelo” de médicos, empresários e políticos, que Bolsonaro reuniu para discutir ações contra a pandemia, em geral para promover a distribuição do chamado “kit covid”, um coquetel de medicamentos ineficazes e perigosos, como a ivermectina, que pode destruir o fígado, e a cloroquina, que agrava os problemas cardíacos.

O governo deixou sem resposta, durante seis meses, as propostas da norte-americana Pfizer-BioNTech para a venda de suas vacinas, hoje entre as mais utilizadas no Brasil. Um contrato em 2020 teria salvado muitas vidas, mas só foi assinado em março de 2021.

O taxista Márcio do Nascimento Silva durante seu depoimento perante a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a gestão da pandemia. Ele ficou conhecido por reposicionar as cruzes da praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, que homenageou as primeiras 100 mil mortes de covid-19 no Brasil. Sua irmã e filho de 25 anos morreram da doença. Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado-Fotos Públicas

O bumerangue do populismo

A deterioração política do governo o leva a adotar ações econômicas populistas. Mas as medidas podem acabar sendo o contrário.

O programa do Bolsonaro foi batizado de Auxilio Brasil e substituirá a Bolsa Família existente desde 2003, ampliará o número de beneficiários de 14 para 17 milhões de famílias e mais que dobrará o valor mensal.

Mas o novo plano ultrapassaria os limites do orçamento. Além da ilegalidade que está sendo superada com uma nova lei em tramitação no legislativo Congresso Nacional, seu simples anúncio já destruiu a confiança dos investidores no governo, especificamente no Ministro da Economia.

Guedes, ex-defensor rígido do "teto de gastos", que prometia eliminar o déficit público, sofre desde 2020 uma derrota de assessores diretos por conta de suas concessões à ingerência política do presidente na gestão econômica.

O anúncio do Auxilio Brasil de 400 reais fez o índice da Bolsa de Valores de São Paulo cair 2,75 por cento no dia 21 de outubro, enquanto o real desvalorizou 2 por cento em relação ao dólar. No acumulado do ano, a Bolsa acumula queda de 9,48% e a moeda brasileira de 9,05%.

A incerteza gerada deve elevar a taxa de inflação, que já acumula 10,25% nos últimos 12 meses, e já elevou as taxas de juros. Isso anula boa parte do aumento da ajuda.

A desvalorização cambial encarece ainda mais os combustíveis. A alta do diesel, cujo preço o governo justifica por causa do anúncio da greve dos caminhoneiros desde 1º de novembro, atingiu 49% de janeiro a setembro.

Bolsonaro anunciou um subsídio a 750 mil caminhoneiros autônomos para compensar seus custos, na tentativa de evitar uma greve como a de 2018, que afetou seriamente a economia.

É mais uma medida do populismo desenfreado que o presidente parece adotar, que agrava os riscos de uma recessão econômica, com resultados eleitorais opostos aos almejados por Bolsonaro.

ED: EG

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