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Mas dá como certo que Bolsonaro causará tumulto se perder.
A avaliação é quase unânime no PT e no grupo de auxiliares diretos de Lula: Bolsonaro pode até tentar, mas dificilmente conseguirá ser bem-sucedido num golpe caso perca – ou perceba que vai perder – as eleições de outubro.
Evidentemente, a cúpula petista vê com preocupação as ameaças abertas e quase diárias feitas pelo presidente e a estratégia dele de colocar em dúvida a segurança do sistema eleitoral brasileiro.
Por outro lado, os petistas acreditam que falta a Bolsonaro o tripé descrito na página 2 do Manual do Golpista Sulamericano Mirim: apoio simultâneo dos detentores do dinheiro – banqueiros e empresários –, dos Estados Unidos e, principalmente, a unidade das Forças Armadas em torno do projeto golpista.
Apesar de admitirem grande dificuldade em encontrar interlocutores entre os militares de alta patente da ativa, o ex-presidente e seus conselheiros avaliam que existe uma ala das Forças Armadas constrangida com a situação na qual foram colocadas por Bolsonaro.
A obrigatoriedade da submissão absoluta de fardados ao presidente – inclusive com episódios de humilhação pública –, escândalos como o da compra de Viagra e a mancha irremovível na imagem do Exército pelo fracasso catastrófico na gestão da pandemia fazem o petismo acreditar que boa parte das Forças Armadas sonhe com a volta da época na qual só eram vistas em situações positivas, como as missões de paz no Haiti e no Líbano.
“Enquanto no mundo inteiro as forças armadas estão discutindo o impacto militar da guerra na Ucrânia, aqui no Brasil eles estão falando de Viagra e urnas eletrônicas”, me disse um aliado de Lula que há décadas acompanha os movimentos da caserna.
Uma análise majoritária no partido é de que a decisão do ministro da Defesa, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, jogou água na fogueira ao retirar o general Heber Portella da Comissão de Transparência Eleitoral do TSE e centralizar nele próprio a interlocução com a Justiça Eleitoral.
A leitura petista é a seguinte: Portella, um general de três estrelas, tem interesse em agradar Bolsonaro para receber a quarta. Além disso, ao requisitar para si a interlocução, o ministro levou a discussão para o âmbito do governo e blindou institucionalmente as Forças Armadas.
Para os conselheiros de Lula, mais do que dar um golpe para Bolsonaro, os militares desejam tutelar o processo eleitoral e todo o sistema democrático brasileiro. Algo que, ao ver deles, já vinha ocorrendo desde o governo Michel Temer, quando o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, foi às redes sociais em 2018 para opinar sobre a concessão de um habeas corpus a Lula pelo STF.
O ministro Luís Roberto Barroso, ainda conforme petistas, agiu exatamente como desejam os fardados ao chamá-los a compor tal comissão de transparência eleitoral. Para piorar, Barroso em seguida criticou os militares em uma palestra no exterior.
O PT tem atualmente poucos aliados com trânsito entre os militares de alta patente da ativa. Um deles é o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, que algumas semanas atrás garantiu a Lula não haver risco de intervenção militar caso ele vença as eleições.
O próprio ex-presidente age com muita cautela na interlocução com os militares. Ele não quer dar a impressão de que está pedindo autorização para tomar posse, caso eleito, e desta forma amplificar ainda mais a tutela dos fardados.
O fato é que a relação entre o PT e os militares nunca foi boa. Na semana passada, o próprio Lula admitiu em um discurso na Unicamp que, apenas 10 dias antes de tomar posse em 2003, ainda não tinha escolhido os comandantes militares.
Ao longo de seus dois mandatos, o ex-presidente buscou aproximações com as Forças Armadas. Foi Lula quem bancou a missão brasileira no Haiti, a maior operação militar do Exército brasileiro desde a Segunda Guerra Mundial. E foi pessoalmente até o país caribenho, cercado de astros do futebol, para promover o Jogo da Paz entre Brasil e Haiti.
Também foi Lula quem abriu o caminho para colocar um ponto final na novela da compra dos caças da Força Aérea, que se arrastava desde a década de 1990, e aportou recursos no projeto do submarino nuclear da Marinha.
O PT se apoia em tudo isso para acreditar que o rechaço de setores fardados a Lula e ao partido se deve muito a preconceitos criados na Guerra Fria e ao ranço golpista e tutelador entranhado nas Forças Armadas desde a formação da República. Alguns militares chegaram a interpretar os agrados de Lula como uma conspiração gramsciana com o objetivo de inocular divisões ideológicas no seio da corporação.
Embora não acreditem no sucesso do golpe, os interlocutores de Lula não descartam a possibilidade de episódios de violência, badernas e arruaças, espontâneas ou não, que possam levar à necessidade de intervenção armada. Um deles me alertou que toda crise tem regras próprias e que hoje vivemos várias delas: econômica, institucional, social, internacional.
Uma leitura corrente no partido é a de que a sanha golpista do presidente tem três objetivos: criar uma cortina de fumaça para impedir o debate sobre problemas reais como a inflação e o desemprego, manter sua tropa unida tanto para a disputa eleitoral quanto para um eventual futuro político de oposição a Lula e amedrontar e reduzir a intensidade da campanha petista.
Também é majoritária no PT a leitura de que, se perder a eleição, Bolsonaro não irá passar a faixa a Lula, vai sabotar o processo de transição governamental, e os milhares de militares alocados em cargos de confiança vão deixar o governo antes da posse do petista para fugir da humilhação de serem exonerados.
Poucas lideranças petistas aceitaram falar abertamente sobre o assunto. Uma delas é o senador baiano Jaques Wagner, que foi ministro da Defesa no governo Dilma Rousseff. Ao ser perguntado sobre a ameaça de golpe, deu a seguinte resposta:
“Não vai ter. Acho que a gente até fala demais nisso daí. Eles vão tentar, mas não tem espaço internacional [para um golpe]. Bolsonaro vive do conflito. Ele fala uma besteira e a gente passa 10 dias falando da besteira dele. Então, a gente fica na agenda dele”.
Nisso, não está errado.
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