Joe Biden e Vladimir Putin (Foto: Reuters)
"Sanções americanas, que demais países aliados dos americanos foram forçados a acompanhar, contra os russos, representaram tiro no pé", escreve César Fonseca
Por César Fonseca
Na casa dos 8,5% ao ano, a inflação americana, pavor global, afetada pela guerra na Ucrânia, apresenta face nova espalhando perturbação geral; o mercado está vomitando dólar depois que Putin só recebe em rublo para entregar matérias primas russas aos compradores ocidentais; pressão inflacionária geral na Europa, que desvaloriza dólar; as sanções americanas, que os demais países aliados dos americanos foram forçados a acompanhar, contra os russos, representaram tiro no pé; primeiro, o cliente precisa trocar dólar por rublo, fazendo operação em banco russo; só de posse de rublos, poderá, então, pagar mercadorias adquiridas na Rússia; ou seja, a hegemonia do dólar, está abalada; vai perdendo capacidade de exercer senhoriagem, fonte de extração de mais valia favorável aos Estados Unidos nas relações de trocas internacionais, desde Bretton Woods; em contrapartida, fortalece o movimento monetário russo-chinês de trocas recíprocas, para negociar ao largo da moeda americana, trocando mercadorias entre si mediante pagamento em rublo/yuan; se, na sequência, Rússia-China consegue criar novo modelo de pagamento alternativo ao swift, mecanismo monetário imperialista, que reúne cerca de 11.000 instituições financeiras em mais de 200 países, constituindo espinha dorsal do sistema financeiro internacional, emerge, consequentemente, nova divisão internacional do trabalho; está dada nova circunstância monetária global.
MERCADO SE RETRAI
Criou-se, nesse novo cenário, como vai se observando pelos transtornos decorrentes dos congestionamentos na circulação das mercadorias em todos os grandes portos do mundo, pressão inflacionária irresistível cujas consequências são desvalorização do dólar e o seu oposto, valorização do rublo, em aliança com o yuan; as sanções americanas prejudicam mais a economia americana que a russa, com reflexões negativos para economia europeia etc; a verdade segundo a qual a hegemonia monetária de Tio Sam vai virando coisa do passado, torna-se motivo suficiente para desconfianças na saúde dela; vira argumento para fuga do ativo que não tem lastro real como garantia contra prejuízos; Putin vai ganhando, dessa forma, com sua estratégia de que suas mercadorias são o lastro a garantir os especuladores, para fugirem de prejuízos iminentes; a economia real, expressa em mercadorias escassas, sobrepõe-se à economia fictícia, porque a abundancia em dólar, sem garantia real, vira inflação irresistível; se o mercado começa vomitar dólar, este perde capacidade de ser a garantia segura; a inflação americana de 8,,5% ao ano é a expressão da crescente fragilidade do dólar, alvo de especulação generalizada; dólar vira moeda quente, sinônimo de ativo volátil.
ECONOMIA DE GUERRA ABALADA
Essencialmente, o dólar, frente aos concorrentes, Rússia e China(poder militar e poder econômicos aliados) deixa, paulatinamente, de representar, como antes, vigor capitalista, sustentado em emissão monetária sem lastro real para bancar guerras sem limite; bate no teto credibilidade do poder monetário imperialista que sustenta economia de guerra; emerge, automaticamente, fuga do dólar e, consequentemente, perigo de hiperinflação mundial; como enxugar o excesso de moeda americana, se o dólar está, via inflação, sendo barrado pela estratégia monetária colocada em prática por Putin?; está batendo no teto a capacidade de o BC americano jogar dólar na circulação sem limites, pois tal estratégia já encontra pela frente resistência dos bancos privados, que mandam no FED, em continuar absorvendo títulos da dívida pública, a demandarem desembolso de mais de 300 bilhões de dólares/ano.
REFORMA MONETÁRIA AMERICANA À VISTA
Que esperar diante dessa possibilidade cada vez mais plausível, senão que venha a ocorrer algo inusitado, tipo reforma monetária que corte aí um zero do dólar, como ocorreu, no Brasil, com o real, para combater perigo de hiperinflação? Elevar a taxa de juro para enxugar liquidez mundial, como alternativa já tentada em outras ocasiões, como final dos anos 1970, para combater inflação, seria a solução, como foi, precariamente, naquela ocasião? Simplesmente, com juro mais alto, haveria aumento incontrolado da dívida pública de Tio Sam; todos que ainda acreditam na hegemonia do dólar correriam para ele; porém, se o FED, cujo gestor é a banca privada, resistir ao aumento sem limite do endividamento do tesouro americano, aceitando seus títulos, tendentes à desvalorização, diante da economia americana sem capacidade de competir com a China, o resultado poderia ser novo 1929; pintaria ou não corrida bancária contra verdinhas de Tio Sam? O resultado seria sobrevalorização do rublo, aliado ao yuan, frente ao dólar; precipitaria ou não nova crise irresistível?
KEYNESIANISMO DE GUERRA EM COLAPSO
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A solução keynesiana sem limites ainda está disponível ao governo americano como foi utilizada no pós-segunda guerra mundial ou se esgotou? Ainda é válido o conselho de Keynes ao presidente Roosevelt, em 1936? “Penso ser incompatível com democracia capitalista que o governo eleve seus gastos na escala capaz de fazer valer minha tese – a do pleno emprego –, salvo em condições de guerra; se os Estados Unidos se INSENSIBILIZAREM para preparação das armas, aprenderão a conhecer a sua força”? Tal conselho, na prática, perdeu validade em 1971, quando Nixon descolou o dólar do ouro e fez a moeda flutuar, ao lado da desregulamentação geral dos mercados; ampliaram-se os empréstimos internacionais em dólar, a taxa de juro foi a quase zero e a periferia capitalista se endividou ao máximo, até que o BC americano, em 1979, temendo calotes e inflação, puxou-a do patamar de 5% para 21%, em nome da estabilidade de preços; na sequência, baixou Consenso de Washington, para impor ajustes fiscais generalizados, meta de inflação, superávits primários e câmbio flutuante; o resultado, para periferia capitalista endividada, seria aumento da dívida, desindustrialização e desigualdade social, seguida, na sequência, de privatizações, arrochos salariais, instabilidade cambial e inflação incontrolável; é o retrato mundial do neoliberalismo em colapso, como se verifica, no momento; a hegemonia do dólar, nesse cenário, serviu para impulsionar nova guerra fria, desmontagem da União Soviética e guerras, como, agora, a da Ucrânia; a diferença é que a Rússia virou competidora armamentista aliada à China, que desbanca Washington; apelar para a inflação de guerra, nesse novo contexto em que EUA perde competitividade para Rússia e China, desvaloriza ainda mais o dólar e esvazia solução keynesiana, que deixa de ser funcional.
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