sábado, 1 de outubro de 2022

John McEvoy aborda interesses escusos do Reino Unido no Brasil do golpe e de Bolsonaro

(Foto: Reuters)


Há muito tempo, as autoridades da Grã-Bretanha estão de olho nos recursos econômicos do país, incluindo as suas reservas de petróleo e gás

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Artigo de John McEvoy* originalmente publicado no Declassified UK em 29/9/22. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Em setembro de 2022, foi ao ar na BBC um documentário intitulado de “The Boys from Brazil: Rise of the Bolsonaros”. A série de três partes, lançada em conjunto com a PBS (Public Broadcasting Service) dos EUA, documenta o surgimento do líder de extrema direita do Brasil, Jair Bolsonaro – uma figura obscura da era da ditadura militar que venceu as eleições presidenciais do país em 2018.

“Jair Bolsonaro é um dos líderes mais controversos do mundo”, inicia o documentário. "Sendo um ardente admirador da ditadura militar do Brasil, Bolsonaro chegou ao poder determinado a reviver as suas políticas para explorar a Amazônia – a qualquer custo".

O documentário foi lançado um pouco antes dos brasileiros irem às urnas em 2 de outubro – tendo o ex-presidente e candidato do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, como favorito. Aumentam as preocupações sobre se Bolsonaro aceitaria uma derrota eleitoral caso ele perca no voto.

Enquanto o documentário mostra vozes que são críticas ao regime de Bolsonaro, ele omite um detalhe crucial e de claro interesse para o público britânico – os negócios secretos do governo do Reino Unido com os Bolsonaros.

Os documentos obtidos via o Ato de Liberdade de Informação oferecem detalhes da colaboração britânica com a extrema direita do Brasil e mostram como o Brasil de Bolsonaro representou uma oportunidade para os negócios do Reino Unido.

A ascensão de Bolsonaro ao poder

Bolsonaro chegou ao poder em 2018 em uma chapa de extrema direita defendendo a violência contra os seus oponentes políticos, se comprometendo de tirar a terra dos povos indígenas, romantizando a ditadura militar do Brasil e idolatrando os seus torturadores-chefe e prometendo um novo Brasil baseado na “lei e na ordem”.

A sua eleição também veio acoplada a uma série de manobras antidemocráticas.

Em 2016, a presidenta Dilma Rousseff foi derrubada num golpe “soft” e foi substituída por Michel Temer – que impôs esmagadoras medidas de austeridade, enquanto abriu o país para investimentos estrangeiros, especialmente os do setor de petróleo.

Em abril de 2018, Lula – o favorito para vencer as eleições presidenciais de 2018 – foi preso de forma ilegal após uma investigação “anti-corrupção” patrocinada pelos EUA conhecida como Operação Lava Jato.

Com Lula na cadeia e o Partido dos Trabalhadores em desordem, Bolsonaro venceu as eleições presidenciais de 2018, nomeando imediatamente o juiz corrupto responsável pelo encarceramento de Lula como seu ministro da justiça.

Durante os quatro anos seguintes, o Brasil se tornaria uma fogueira dos direitos humanos, com as comunidades indígenas descrevendo a decisão de Bolsonaro de abrir o Amazonas aos interesses dos agronegócios, da mineração e das madeireiras como uma “declaração de extermínio”.
A Grã-Bretanha e os Bolsonaros

Existem documentos que revelam que altos funcionários britânicos se encontraram com os Bolsonaros nos meses anteriores às eleições de 2018 no Brasil.

Em 10 de abril de 2018, alguns dias após a prisão de Lula, o embaixador do Reino Unido em Brasília, Vijay Rangarajan, se encontrou com Bolsonaro, o seu filho deputado Eduardo Bolsonaro e um conselheiro cujo nome é desconhecido – um nome permanece secreto.

Não está claro se o apoio de Jair Bolsonaro a uma ditadura militar, ou a discriminação de longas décadas contra as mulheres, os homosexuais e os povos indígenas foi discutido, porque o Ministério de Relações Exteriores do Reino Unido se recusa a divulgar quaisquer detalhes adicionais sobre a reunião.

Notavelmente, a então secretária-chefe do Tesouro e atual primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, chegou ao Brasil em 9 de abril para promover “o livre comércio, livre mercado e as oportunidades pós-Brexit.”Os documentos obtidos por 'Declassified' revelam que Truss se encontrou com Rangarajan na embaixada britânica em Brasília em 10 de abril – no mesmo dia em que Rangarajan esteve com os Bolsonaros.

No entanto, permanece não esclarecido se Truss também se encontrou com os Bolsonaro, ou se os seus encontros com as mesmas pessoas no mesmo dia foi uma coincidência improvável.

O Tesouro britânico não respondeu às perguntas concernentes a Truss e os Bolsonaros.

O resto da visita de Truss ao Brasil incluiu reuniões com ministros e autoridades brasileiras sobre assuntos que incluíam “privatizações”. Em uma das anotações de relatório de Truss, está escrito que existe um novo “interesse no mercado aberto” no Brasil, o qual “tem enormes reservas de petróleo e gás”.

Trus também visitou o Instituto Millenium – um “think tank” cofundado em 2005 pelo “Chicago boy” Paulo Guedes, que se tornaria o ministro de finanças de Bolsonaro.Durante a visita de Truss, Guedes já era o principal conselheiro econômico de Bolsonaro “e um proponente da privatização de empresas governamentais e a revisão da segurança social”.

Uma quantidade de itens de discussão de Truss com o Instituto Milênio permanecem secretas.
'Parceiros estratégicos'

Dois meses após a visita de Truss, o embaixador Rangarajan enviou uma carta privada a Bolsonaro, convidando o candidato presidencial à sua residência para se encontrar com “Parceiros Estratégicos”.

Este termo foi um eufemismo para os diretores de importantes corporações britânicas de petróleo, mineração, indústria farmacêutica e de construção – incluindo a Anglo-American, BP, Shell, AstraZeneca, Unilever e JCB.

A carta diz assim: “Deputado Bolsonaro, foi um grande prazer encontrá-lo e iniciar a nossa conversação em abril deste ano. Eu gostaria de convidá-lo para um café da manhã ou almoço na minha residência com os maiores investidores britânicos no Brasil, num momento que lhe aprouver”.

A reunião será composta por “um total máximo de 20 pessoas, para permitir uma discussão fluida”. Rangarajan conclui a carta dizendo a Bolsonaro: “Eu espero encontrá-lo novamente”.
BP e Shell

A Grã-Bretanha continuou a colaborar com os Bolsonaro após a eleição de 2018.

Em 14 de novembro daquele ano, Rangarajan e Bolsonaro se encontraram de novo, junto com o vice-presidente eleito Hamilton-Mourão, o General Augusto Heleno (chefe do Gabinete de Segurança Institucional), dois dos filhos de Bolsonaro e “outros” não identificados.

O Escritório de Relações Exteriores do Reino Unido se recusou a revelar o quê foi discutido nesta reunião, apesar de ser provável que as perspectivas de investimento para as principais multinacionais britânicas foram tratadas novamente.

Efetivamente, a Grã-Bretanha fez lobby com o governo brasileiro em prol da BP e da Shell em 2017, e Rangarajan se encontrou não menos de 20 vezes com representantes de ambas as companhias durante 2018 e 2019.

A visita de Truss também incluiu uma reunião com representantes do seu ex-empregador, Shell, que se gaba de um “prolífico … portfólio” de produção de petróleo e gás de águas profundas no Brasil.
'Reminiscente de Thatcher'

Em agosto de 2019, o ministro britânico da Grã-Bretanha, Conor Burns, viajou ao Brasil, onde ele se encontrou com o ministro da infraestrutura de Bolsonaro, Tarcísio Gomes de Freitas, elogiando a “pauta de reforma econômica” do governo brasileiro, que era “reminiscente de Thatcher”.

No Rio de Janeiro, Burns se encontrou com o então governador do estado e ex-aliado de Bolsonaro, Wilson Witzel, cuja polícia havia matado 881 pessoas entre janeiro e julho daquele ano – o maior número em quase duas décadas.

De maneira alarmante, Burns “enfatizou a amplitude dos interesses britânicos” no Rio, adicionando que o Reino Unido “estava pronto para trabalhar juntos numa variedade de questões, incluindo assuntos de segurança”, citando o “reconhecimento facial” como uma área de especialidade do Reino Unido.

O comércio britânico com o Brasil melhorou consideravelmente durante a presidência de Bolsonaro. Numa declaração conjunta emitida pelo então chanceler Rishi Sunak e Guedes, foi assinalado que o comércio total entre a Grã-Bretanha e o Brasil ascendia a 6,5 bilhões de libras esterlinas em 2019 – um aumento significativo de 12,6% sobre 2018.

A declaração segue afirmando que ambos os governos haviam tomado “as medidas corretas no momento correto para proteger o sustento e os empregos dos efeitos econômicos adversos da pandemia de Covid-19”.

Naquele momento, mais de 181 mil [*] brasileiros haviam morrido por Covid-19 – o segundo maior número absoluto de vítimas no mundo. Bolsonaro foi rotulado de ser “negligentemente homicida” pelo jornal mais amplamente lido no Brasil pela sua gestão da pandemia. [*Nota do editor: atualmente, são mais de 680 mil mortes por Covid-19].

Em setembro de 2021, o então-primeiro-ministro Boris Johnson teve uma audiência com Bolsonaro durante a reunião do Conselho de Segurança da ONU para falar sobre “comércio e segurança”, entre outras coisas, meramente algumas semanas depois que o líder brasileiro provocou preocupações internacionais de que ele estava preparando-se para lançar um golpe militar.

O Reino Unido também proveu algum treinamento militar ao Brasil nos últimos quatro anos, mas o Ministério da Defesa do Brasil se recusou a revelar os custos, declarando que fazê-lo “tem o potencial de afetar adversamente as relações com os nossos aliados”.

Mais recentemente, Bolsonaro foi o único líder político sul-americano a comparecer aos funerais da Rainha.

*John McEvoy é um jornalista independente que escreveu para a International History Review, The Canary, Tribune Magazine, Jacobin e Brasil Wire.

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