sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Ucrânia: O martelo está prestes a cair?


"Aqui está algo que é necessário entender. Não nos deram qualquer oportunidade para agir de forma diferente". (Vladimir Putin)

O plano de envolver militarmente a Rússia é uma admissão tácita de que os Estados Unidos não podem mais manter o seu domínio global apenas por meios económicos ou políticos. Após exaustiva análise e debate, as elites ocidentais optaram por um plano de ação para dividir o mundo em blocos em guerra, a fim de prosseguir uma guerra contra a Rússia e a China. O objetivo estratégico final da política atual é apertar o controlo das elites ocidentais sobre as alavancas do poder global e impedir a dissolução da "ordem internacional baseada em regras". Mas depois de 11 meses de guerra ininterrupta na Ucrânia, a coligação ocidental apoiada pelos EUA está numa posição pior do que estava no início.

Além do facto de que as sanções económicas afetaram severamente os aliados europeus mais próximos de Washington, o controlo ocidental sobre a Ucrânia mergulhou a economia numa recessão prolongada, destruindo grande parte da infraestrutura crítica do país, acabando com uma parcela significativa das forças armadas da Ucrânia. Mais importante ainda, as forças ucranianas estão agora sofrendo baixas insuportáveis no campo de batalha, preparando o terreno para a inevitável dissolução do Estado. Seja qual for o resultado do conflito, uma coisa é certa: a Ucrânia não existirá mais como um Estado viável, independente e contíguo.

Uma das maiores surpresas da guerra atual é simplesmente a falta de preparação por parte dos Estados Unidos. Pode-se supor que, se os mandarins da política externa decidissem "ir aos cornos" da maior superpotência nuclear do mundo, teriam feito o planeamento e a preparação necessários para garantir o êxito. Claramente, isso não aconteceu. Os formuladores de políticas dos EUA parecem surpreendidos com o facto das sanções económicas terem-lhes saído pela culatra e realmente fortalecido a situação económica da Rússia. Tampouco anteciparam o facto de que a grande maioria dos países não apenas ignora as sanções, mas explora proativamente opções para "abandonar o dólar" nas suas transações comerciais e venda de recursos críticos.


Vemos a mesma incompetência no fornecimento de armas letais à Ucrânia. Como explicar que os países da NATO rasparam freneticamente o fundo das gavetas para encontrar armas para a Ucrânia? Será que nossos líderes realmente começaram uma guerra com a Rússia sem saber se tinham armas e munições suficientes para lutar contra esse inimigo? Parece ser o caso.

Estavam tão certos de que o conflito seria uma insurgência de baixa intensidade que nunca planearam uma guerra terrestre em grande escala, com armas combinadas? Mais uma vez, parece ser o caso. Estes não são erros triviais. O nível de incompetência no planeamento desta guerra está além de qualquer coisa que já vimos antes. Parece que toda a preparação estava focada em provocar uma invasão russa, mas não nos eventos que ocorreriam logo em seguida. O que está claro é que o Pentágono nunca "apostou" na guerra em si ou no conflito como se está desenrolando atualmente. Se não, como explicar esses erros gritantes de julgamento:Eles nunca pensaram que as sanções sairiam pela culatra.

1. Eles nunca pensaram que ficariam sem armas e munições.

2. Eles nunca pensaram que as receitas do petróleo da Rússia iriam disparar.

3. Eles nunca pensaram que a maioria dos países manteria relações normais com a Rússia.

4. Eles nunca pensaram que precisariam de uma estratégia militar coerente para lutar numa guerra terrestre na Europa Oriental.

Há alguma coisa que eles tenham feito certo? Nada que possamos ver. Veja-se este trecho de uma entrevista com o brigadeiro-general Erich Vad, que foi conselheiro político de Angela Merkel de 2006 a 2013:

"Pergunta: Você também foi atacado por pedir negociações?

General de Brigada Erich Vad: Sim, tal como o Inspetor Geral das Forças Armadas Alemãs, General Eberhard Zorn, que, como eu, advertiu contra sobrestimar as limitadas ofensivas regionais dos ucranianos durante os meses de verão. Os peritos militares – que sabem o que se passa nos serviços secretos, o que está a acontecer no terreno e o que a guerra realmente significa - estão em grande parte excluídos do discurso. Eles não fazem parte da formação de opinião pública nos media. Estamos a viver, em grande medida, uma sincronização dos meios de comunicação social como nunca experimentei na Alemanha. (…)

As operações militares devem ser sempre acompanhadas de tentativas de encontrar soluções políticas. A unidimensionalidade da atual política externa é difícil de suportar. É muito fortemente orientada para armas. A principal tarefa da política externa é e continua a ser a diplomacia, a conciliação de interesses, a compreensão e a gestão dos conflitos. Sinto falta disso aqui. Congratulo-me com o facto de termos finalmente um ministro dos Negócios Estrangeiros na Alemanha, mas não basta usar a retórica de guerra e andar por Kiev ou Donbass com um capacete e um colete à prova de balas. Isso é muito pouco. (…)

Coloca-se então novamente a questão do que fazer com as entregas de tanques em geral. Para retomar a Crimeia ou Donbass, Marder e Leopard não são suficientes. No leste da Ucrânia, na região de Bakhmut, os russos estão claramente avançando. Eles provavelmente terão conquistado completamente Donbass dentro de pouco tempo. Basta considerar a superioridade numérica dos russos sobre a Ucrânia. A Rússia pode mobilizar até dois milhões de reservistas. O Ocidente pode enviar 100 Marder e 100 Leopard, eles não mudam a situação militar geral. E a questão geral é como acabar com tal conflito com uma potência nuclear beligerante – cuidado, a potência nuclear mais poderosa do mundo! – que quer sobreviver sem entrar numa terceira guerra mundial. (…)

Você pode continuar querer esgotar os russos, o que significa centenas de milhares de mortes, mas de ambos os lados. E isso significa uma maior destruição da Ucrânia. O que resta deste país? Ficará em ruínas. No final, esta também não é uma opção para a Ucrânia. A questão chave a resolver o conflito não está em Kiev, nem em Berlim, Bruxelas ou Paris, está em Washington e Moscovo. (...) Uma frente mais ampla para a paz deve ser construída em Washington. (...) Caso contrário, acordaremos uma manhã e estaremos no meio da Terceira Guerra Mundial". (“Erich Vad: “What are the War Aims”, Emma)

Resumindo:

1. Os media sobrestimam (o efeito de) as ofensivas regionalmente limitadas dos ucranianos". Ou seja, os ucranianos estão perdendo a guerra.

2. Os russos estão vencendo a guerra. ("Os russos estão claramente avançando. Eles provavelmente terão conquistado completamente Donbass num curto período de tempo").

3. As armas por si só não mudarão o resultado da guerra. ("Marder e Leopard não são suficientes.")

4. Não há evidências de que o Ocidente tenha objetivos estratégicos claramente definidos. ("Será que se quer obter boa vontade para negociar com as entregas de tanques? Quer-se reconquistar Donbass ou a Crimeia? Ou quer-se derrotar a Rússia completamente? Não há uma definição realista do estado final. E sem um conceito político e estratégico abrangente, as entregas de armas são puro militarismo... As operações militares devem ser sempre acompanhadas de tentativas de alcançar soluções políticas")

Não se trata apenas de uma acusação à forma como a guerra está a ser travada, mas também dos objetivos estratégicos que permanecem obscuros e mal definidos. A NATO é liderada pelo nariz por Washington, mas Washington não tem ideia do que quer alcançar. "Enfraquecer a Rússia" não é uma estratégia militar coerente. É, na verdade, uma fantasia alimentada por neoconservadores belicosos fazendo de generais em poltronas. Mas é por isso que estamos na situação difícil em que nos encontramos hoje, porque esta política está nas mãos de fantasistas perturbados. Alguém acredita seriamente que os militares ucranianos recuperarão os territórios orientais da Ucrânia que foram anexados pela Rússia?

Não, nenhuma pessoa séria acredita nisso. E, no entanto, a ilusão de que os "bravos ucranianos estão vencendo" persiste, mesmo quando as perdas aumentam, a carnificina aumenta e milhões de ucranianos fogem do país. É inacreditável.

"Devemos, portanto, suspeitar que a real intenção de um pequeno número de países que exaltam os méritos de uma ordem internacional baseada em regras é criar uma alternativa ao sistema existente de direito internacional, impor suas próprias normas aos outros, colocando seus estreitos interesses no centro do universo, e abrir a porta dos fundos para padrões duplos e excecionalismo. A declaração feita pelo representante dos EUA apenas nos convence de que as nossas suspeitas são plenamente justificadas. Se permitirmos que essa tendência perigosa continue sem controlo, nosso mundo regredirá aos dias em que a lei da selva e a política do poder dominavam. Todos os povos amantes da paz do mundo devem ter cuidado com isso. Esperamos que esta reunião seja uma oportunidade para todos os países afirmarem inequivocamente que existe apenas um sistema no mundo, a saber, o sistema internacional com as Nações Unidas no seu centro; que existe apenas uma ordem, a saber, a ordem internacional baseada no direito internacional; e que existe apenas um conjunto de regras, a saber, as normas básicas que regem as relações internacionais ancoradas nos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas". [1]

Recordam-se da Doutrina Powell? A Doutrina Powell afirma que uma lista de perguntas deve ser respondida afirmativamente antes que os Estados Unidos tomem uma ação militar:

1. Um interesse vital na segurança nacional está ameaçado?

2. Temos um objetivo claro e alcançável?

3. Os riscos e custos foram total e francamente analisados?

4. Todos os outros meios políticos não violentos foram totalmente esgotados?

5. Existe uma estratégia de saída plausível para evitar um enredamento infindável?

6. As consequências da nossa ação foram plenamente tidas em conta?

7. A ação é apoiada pelo povo dos EUA?

8. Temos um apoio internacional amplo e genuíno?

O ex-secretário de Defesa Colin Powell desenvolveu a sua doutrina para evitar qualquer futuro Vietname. E se o governo Biden ainda não enviou tropas de combate para a Ucrânia, achamos que é apenas uma questão de tempo. Afinal, os media já estão batendo os tambores da guerra enquanto demonizam tudo relacionado com a Rússia. É tradicionalmente assim que eles preparam o público para a guerra. ("Russofobia ... tem tudo que ver com desumanizar os oponentes para tornar a matança mais aceitável (e destruir) todas as restrições mentais que impedem os homens de caírem na barbárie.” Gilbert Doctorow)

Enquanto isso, os EUA continuam a encher a Ucrânia com armas e o Pentágono começou a treinar militares ucranianos na Alemanha e em Oklahoma. Parece que já foi tomada a decisão de embarcar os Estados Unidos noutro conflito no qual não há interesse vital na segurança nacional e nenhum caminho claro para a vitória. Por outras palavras, a Doutrina Powell foi descartada e substituída por um plano neocon delirante para arrastar a Rússia para um atoleiro sangrento "semelhante ao Afeganistão" que drenará seus recursos e impedirá que bloqueie a expansão dos EUA na Ásia Central.

E como tem funcionado até agora o Plano Neocon?

Aqui está o que o coronel Douglas MacGregor disse numa entrevista recente:

"Há agora 540 mil soldados russos estacionados à volta da Ucrânia preparando-se para lançar uma grande ofensiva que acho que provavelmente acabará com a guerra na Ucrânia. São 540 mil soldados russos, 1000 sistemas de artilharia de rockets, 5 000 veículos blindados de combate, incluindo pelo menos 1 000 tanques, centenas e centenas de mísseis balísticos táticos. A Ucrânia então experimentará uma guerra numa escala não vista desde 1945.

E como se isto não fosse sombrio o suficiente, aqui estão mais informações de um vídeo recente com Alexander Mercouris e Alex Christoforou:

Alex Christoforou: Há precisamente um pânico geral que está dominando o exército ucraniano, a NATO e o Ocidente. (...) Os russos são mestres na arte de esconder suas forças de combate (...) Então têm 500 mil militares (tropas de combate) esperando nos bastidores, o que levaria a Ucrânia a perguntar: "O que estamos a fazer? Estamos atolados nesta área de Bakhmut-Soledar quando esses 500 000 soldados russos poderiam estar planeando atingir-nos de qualquer direção e não temos ideia de onde virá o ataque?

Alexander Mercouris: Você está absolutamente certo. Os russos tomaram completamente a iniciativa estratégica. Eles deixam todos no limbo e, para aumentar ainda mais o sentimento de pânico em Kiev, um general russo, Sulukov, acaba de visitar o agrupamento russo na Bielorrússia, cujo tamanho continua a crescer (...) Isso significa que os russos planeiam avançar para o sul da Bielorrússia? Nós realmente não sabemos. (...) Mas há esse enorme acumular de acontecimentos em todas as frentes, uma ordem de magnitude maior do que qualquer coisa que já vimos antes. Não são apenas centenas de milhares de soldados implantados, mas centenas de tanques... veículos de combate de infantaria, munições, peças de artilharia... e tudo isso está-se acumulando em grande escala (...) os combates em Donbass nas últimas duas semanas foram realizados por duas entidades que não fazem parte do exército regular russo (o Grupo Wagner e a milícia Donbass). Então eu acho que todo mundo espera que um golpe aconteça. Ninguém sabe ao certo onde isso vai acontecer, os russos conseguiram manter tudo extraordinariamente secreto. (...) Ninguém sabe o que eles vão fazer, mas o que podemos ver é esse grande número de forças reunindo-se em torno da Ucrânia, onde os ucranianos estão obviamente em pânico (porque parece que algo os vai atingir em grande escala (mas) eu não sei de onde isso vai vir." (“Russia’s next move, keeps collective west guessing”, Alex Christoforou and Alexander Mercouris, You Tube, 15:25 minute)

Conclusão: Se Washington e seus aliados da NATO não têm uma estratégia coerente para vencer a guerra na Ucrânia, é claro que os russos têm. Nos quatro meses desde a ordem de mobilização parcial de Putin, mais 300 000 reservistas juntaram-se às suas unidades no campo de batalha ou ao longo do perímetro norte da Ucrânia. O cenário está preparado para uma guerra terrestre convencional como ninguém em Washington jamais previu. Acreditamos que o resultado deste conflito irá remodelar a arquitetura de segurança ultrapassada da Europa e impor um realinhamento que marcará o fim da era unipolar.

17/Janeiro/2023

[1] Critica da China na ONU à “ordem internacional baseada em regras” de Washington, concebida para contornar o direito internacional por um unilateralismo violento.
[*] Analista geopolítico e social residente no Estado de Washington, EUA.
Este artigo encontra-se em resistir.info

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