Imagem: Diana Smykova
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Como a África do Sul arruinou a perspectiva de seu compromisso com a Rússia
A África do Sul anunciou na semana passada que o presidente Vladimir Putin participará da Cúpula dos BRICS do próximo mês de forma virtual em vez de presencial, como inicialmente previsto. O porta-voz do presidente Cyril Ramaphosa confirmou depois que a decisão foi tomada devido às “obrigações legais de Pretória com o Estatuto de Roma”, depois que o TPI emitiu um mandado de prisão contra o líder russo. Não há, portanto, qualquer base para especular que houve outra razão, como muitos na comunidade de mídia alternativa têm afirmado nas redes sociais.
Se houvesse alguma ameaça credível à vida do presidente Vladimir Putin a caminho desse país ou enquanto lá estivesse, então o Kremlin teria informado a comunidade internacional sobre isso, de forma a tornar mais conhecida a especulação de um plano do Ocidente para assassiná-lo e, assim, desqualificar esse bloco de fato da Nova Guerra Fria. A Rússia revelou anteriormente que desmantelou uma célula terrorista que pretendia assassinar a chefe da RT, Margarita Simonyan, logo, não faria sentido encobrir uma suposta conspiração muito maior relacionada ao presidente Vladimir Putin.
A outra explicação que está sendo cogitada pela comunidade de mídia alternativa, segundo a qual o líder russo está muito ocupado gerindo a operação especial para viajar ao exterior, é desmentida pelo fato de ele ter ido à Ásia Central e ao Irã no ano passado, apesar da situação no campo de batalha ser muito mais grave naquele momento. É importante desmistificar estas teorias da conspiração para que as pessoas não sejam induzidas a concordar com a mídia tradicional que é bom que ele não vá à África do Sul no próximo mês.
“A mídia alternativa precisa parar com a overdose de ‘copium’ e finalmente reconhecer a realidade”, conselho que pode ser aplicado neste contexto pela simples constatação de que o último anúncio é um revés, mas sem cair na armadilha da mídia tradicional de abraçar narrativas “pessimistas e melancólicas” após esta decepção. Os BRICS continuarão acelerando gradualmente os processos de multipolaridade financeira, paralelamente ao fato de que seus membros e os Estados parceiros em sua rede expandida dependem mais das moedas nacionais em seu comércio bilateral.
No entanto, há ainda algumas lições a tirar do fiasco do poder brando da África do Sul, depois de arruinar a perspectiva de seu compromisso com a Rússia dentro dos BRICS. A pressão internacional foi imediatamente exercida sobre o país anfitrião para que desconvidasse o presidente Vladimir Putin, depois de surgirem notícias sobre seu mandado de prisão do TPI, no início desta primavera. O que Pretória deveria ter feito era manter a calma, recusar o circo midiático em torno da próxima cúpula e discutir tudo francamente com o bloco a portas fechadas.
Isso teria mantido as aparências para todas as partes envolvidas e facilitado a possibilidade de transferir totalmente o evento para o formato online sem necessidade de qualquer explicação. A mídia tradicional teria continuado a especular que isso se devia ao mandado de prisão do TPI, mas nada teria sido confirmado nesse cenário, preservando assim a integridade do país anfitrião e a do BRICS como um todo. Em vez disso, ambos foram desmoralizados depois que o circo midiático impossibilitou a implementação sutil deste plano alternativo.
Na semana passada, “O vice-presidente da África do Sul abriu o jogo sobre o dilema BRICS-TPI de seu país”, o que, em retrospectiva, foi muito pouco diplomático devido ao que revelou. Num esforço desesperado para gerar simpatia pela situação em que seu país se encontrava, Paul Mashatile, de forma egoísta, lançou luz sobre algumas das divisões internas do bloco. Em particular, disse que o Brasil e a Índia se opunham à transferência da cúpula para a China, afirmando também que só a Índia estava receptiva à ideia de um formato puramente online este ano.
Por mais “politicamente inconveniente” que possa ser para alguns na comunidade de mídia alternativa admitir, as duas coisas podem ser verdadeiras. Brasil e Índia estão tentando estabelecer um equilíbrio entre o Ocidente e o Sul Global, o que teria sido mais difícil de fazer em relação à primeira afirmação, caso tivessem concordado em transferir a cúpula para a China depois que a África do Sul se deixou levar pelo circo midiático que a cercou. No entanto, se a África do Sul tivesse permanecido discreta em relação a seus cálculos políticos, aqueles dois países poderiam ter ficado mais confortáveis com esta situação.
Quanto à segunda afirmação de Paul Mashatile, a mesma observação é válida no que diz respeito ao comportamento pouco diplomático de seu país ao inviabilizar tal possibilidade. No início deste mês, a Índia acolheu, de modo virtual, a cúpula anual da Organização de Cooperação de Xangai, depois de ter anunciado sua decisão de realizá-la no final de maio sem qualquer explicação, mas provavelmente devido ao desconforto de receber o presidente chinês Xi Jinping no meio de tensões sino-indianas crescentes. Recusando-se a entrar em especulações sobre seus cálculos, a Índia ajudou todas as partes a manter as aparências.
O evento foi bem sucedido depois de todos terem chegado a um acordo sobre os contornos da ordem mundial emergente, mas isso provavelmente não teria acontecido se a Índia tivesse se comportado de forma pouco diplomática no período que antecedeu o evento. Embora a África do Sul já tivesse cometido muitos erros de poder brando antes da Índia ter anunciado sua decisão de acolher, de modo virtual, a cúpula da Organização de Cooperação de Xangai sem explicações, poderia ter aprendido com o exemplo dado pelo seu parceiro dos BRICS ao deixar de falar de seus cálculos políticos para salvar a integridade do grupo.
Se isso tivesse acontecido, talvez ainda houvesse espaço político para realizar a cúpula dos BRICS deste ano também online, sem que seus membros se sentissem desconfortáveis, mas todos eles supostamente se opuseram a isso, com exceção da Índia, precisamente porque a África do Sul já tinha ido longe demais, entregando-se ao circo midiático. Eles não poderiam ter mantido a aparência de que este plano decorria de outras razões que não a pressão ocidental, daí não quererem manchar sua reputação multipolar compartilhando o peso da culpa.
A Índia já tinha transferido a cúpula da Organização de Cooperação de Xangai para o modo online, pelo que não teria sido vergonhoso apoiar a África do Sul a fazer o mesmo, mas a Rússia e a China teriam certamente dado a entender que estavam encobrindo a capitulação da África do Sul perante a pressão ocidental se tivessem concordado, razão pela qual eles alegadamente não o fizeram. Esta percepção conduz diretamente ao anúncio escandaloso de quarta-feira, que poderia ter sido evitado se a África do Sul tivesse se comportado diplomaticamente e não tivesse se deixado levar pelo circo midiático que cercou este acontecimento.
Se Pretória mantivesse a calma em público e discutisse tudo abertamente com o bloco a portas fechadas, teria sido possível transferir a cúpula dos BRICS para a China este ano ou realizá-la inteiramente online, como a Índia tinha acabado de fazer com sucesso com a cúpula da Organização de Cooperação de Xangai. No que diz respeito ao primeiro plano alternativo, as ações de equilíbrio geopolítico do Brasil e da Índia não teriam sido prejudicadas, uma vez que a África do Sul poderia inventar um pretexto plausível, embora as tensões sino-indianas pudessem continuar sendo um problema para Deli.
Quanto ao segundo, poderia ter sido utilizado um pretexto semelhante nesse cenário, para não dar a impressão de que a Rússia e a China estavam ajudando a encobrir a capitulação de um membro dos BRICS perante o Ocidente, em vez de se manterem firmes contra a pressão ocidental, como seus apoiadores esperam que façam sempre. Lamentavelmente, nenhum dos dois planos alternativos se concretizou, porque a África do Sul arruinou a perspectiva de seu compromisso com a Rússia dentro do BRICS, cujo culpado não é ninguém mais senão ela própria, independentemente do que a comunidade de mídia alternativa afirma.
*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular).
Tradução: Fernando Lima das Neves.Publicado originalmente na newsletter do autor.
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