À beira de um fracasso na Ucrânia, mas tendo submetido a Europa a seus interesses, EUA voltam-se contra seu grande rival. Quais as bases de sua ofensiva econômica e geopolítica? Por que crescem as chances de ela também naufragar?
Por Michael Hudson para The Unz Review | Tradução: Maurício Ayer
A cúpula da Otan de julho em Vilnius, Lituânia, teve um clima de funeral, como se tivessem acabado de perder um membro da família – a Ucrânia. Para varrer da sala o climão de fracasso da Otan em seu intento de expulsar a Rússia da Ucrânia e levar a aliança até a fronteira russa, os países membros tentaram reavivar os ânimos mobilizando apoio para o próximo grande combate – contra a China, que agora é apontada como o inimigo estratégico definitivo. Para se preparar para este confronto, a Otan anunciou o compromisso de estender sua presença militar até o Pacífico.
O plano é dividir os aliados militares e parceiros comerciais da China, sobretudo a Rússia, a começar pela guerra na Ucrânia. O presidente Biden disse que esta guerra terá alcance global e levará muitas décadas à medida que se expande para, por fim, isolar e dividir a China.
As sanções impostas pelos EUA contra o comércio com a Rússia são um ensaio geral para a imposição de sanções semelhantes contra a China. Mas só os aliados da Otan se juntaram à luta. E em vez de destruir a economia russa e “deixar o rublo em frangalhos” como previu o presidente Biden, as sanções da Otan tornaram o país mais autossuficiente, aumentando sua balança comercial e reservas monetárias internacionais e, portanto, melhorando a taxa de câmbio do rublo.
Para fechar a questão, apesar do fracasso das sanções comerciais e financeiras em seu objetivo de prejudicar a Rússia – e, aliás, apesar dos fracassos da Otan no Afeganistão e na Líbia –, os países da Otan se comprometeram a tentar as mesmas táticas contra a China. A economia mundial será dividida entre EUA/Otan/Aliança dos Cinco Olhos de um lado, e o resto do mundo – a Maioria Global – de outro. O comissário da UE, Joseph Borrell, chama isso de divisão entre o “jardim” dos EUA/Europa (o Bilhão de Ouro) e a “selva” que ameaça engolfá-lo, como uma invasão de seus gramados bem cuidados por uma espécie invasora.
Do ponto de vista econômico, o comportamento da Otan desde seu reforço militar para atacar os estados orientais de língua russa da Ucrânia em fevereiro de 2022 foi um fracasso drástico. O plano dos EUA era sangrar a Rússia e deixá-la tão desamparada economicamente que sua população se revoltaria, derrubaria Vladimir Putin e restauraria um líder neoliberal pró-Ocidente que afastaria a Rússia de sua aliança com a China – e então prosseguiria com o plano infalível de mobilizar a Europa para impor sanções à China.
O que torna tão difícil avaliar o rumo para que a Otan, a Europa e os Estados Unidos estão tomando é que o pressuposto tradicional de que nações e classes agirão em seu próprio interesse econômico não ajuda muito. A lógica tradicional da análise geopolítica é considerar que os interesses comerciais e financeiros orientam a política de quase todas as nações. O pressuposto auxiliar é de que os governantes têm uma compreensão bastante realista da dinâmica econômica e política em ação. Prever o futuro é, portanto, geralmente um exercício de explicitação dessas dinâmicas.
O Ocidente dos EUA/Otan liderou a instauração dessa fratura global, mas será o seu grande perdedor. Os membros da Otan já viram a Ucrânia esgotar seu estoque de armas e balas, artilharia e munições, tanques, suprimentos bélicos de helicópteros e outros armamentos, que haviam sido acumulados ao longo de cinco décadas. Mas as perdas da Europa converteram-se em oportunidade de vendas para os EUA, abrindo um vasto novo mercado para o complexo industrial militar estadunidense reabastecer a Europa. Para obter apoio, os Estados Unidos patrocinaram um novo jeito de pensar o comércio e o investimento internacionais. O foco agora mudou para “segurança nacional”, o que significa garantir uma ordem unipolar, tendo os EUA como centro.
O mundo está se dividindo em dois blocos: um EUA/Otan pós-industrial em oposição à maioria global
Os diplomatas dos EUA estavam cada vez mais preocupados com o fato da Alemanha e outros países europeus passarem a contar cada vez mais com o gás, o petróleo e os fertilizantes importados da Rússia como base para suas indústrias de aço, fabricação de vidro e outras. Ficaram ainda mais preocupados porque a China havia se tornado a “fábrica do mundo” enquanto a economia dos EUA se desindustrializava. O medo era de que o crescimento da China e de seus países vizinhos da Eurásia, beneficiados pela expansão do Cinturão e Rota, ameaçasse tornar aquela parte do mundo a principal área de crescimento e, portanto, um ímã para o investimento europeu. A perspectiva lógica era que a política seguiria o interesse econômico às custas da capacidade dos Estados Unidos de manter uma economia mundial unipolar com o dólar em seu centro financeiro e o comércio sujeito ao unilateralismo protecionista dos EUA.
Ao se juntar à cruzada dos Estados Unidos para destruir a economia russa e promover a mudança de regime, a recusa da Alemanha e de outros países europeus em negociar com a Rússia destruiu a matriz energética básica de sua indústria. A destruição do gasoduto Nord Stream mergulhou a economia alemã e outras economias europeias em uma depressão, envolvendo falências generalizadas e desemprego. Em vez do gás russo, os países da Otan agora devem pagar um preço até seis vezes mais alto pelo gás natural liquefeito (GNL) dos EUA e devem construir novas instalações portuárias para importar fisicamente esse gás.
Os líderes europeus, patrocinados e financiados pela interferência eleitoral dos Estados Unidos nos últimos 70 anos, fizeram o que Boris Yeltsin fez na Rússia na década de 1990: concordaram em sacrificar as economias industriais da Europa e acabar com o que havia sido um lucrativo comércio e integração de investimentos com a Rússia e a China.
O próximo passo é que a Europa e os Estados Unidos deixem de negociar e investir na China, apesar dos países da Otan terem se beneficiado com esse florescente comércio, contando com ele para uma ampla gama de bens de consumo e insumos industriais. Essa próspera linha de comércio está agora para ser encerrada. Os líderes da Otan anunciaram que a importação de gás russo e outras matérias-primas (incluindo hélio e muitos metais) corre o “risco” de se tornar uma dependência – como se a Rússia ou a China pudessem considerar de seu interesse econômico ou político abortar esse comércio simplesmente para prejudicar a Europa, e fazer com ela, aliás, aquilo que efetivamente os Estados Unidos têm feito para forçá-la à submissão.
Mas submissão a quê? A resposta é: submissão a uma lógica de ganhos mútuos ao longo de linhas comerciais que deixariam a economia dos EUA para trás!
Ao tentar impedir que outros países sigam essa lógica, as diplomacias dos EUA e da Otan europeia trouxeram exatamente o que os supremacistas dos EUA mais temiam. Em vez de paralisar a economia russa, criar uma crise política e talvez provocar a própria dissolução da Rússia, isolando-a da China, as sanções dos EUA/Otan levaram os russos a reorientar seu comércio, excluindo os países da Otan, e a integrar sua economia e diplomacia mais estreitamente com a China e outros membros do BRICS.
Ironicamente, a política dos EUA/Otan está forçando a Rússia, a China e seus aliados do BRICS a seguirem seu caminho próprio, a começar com o fortalecimento de uma união eurasiática. Essa nova articulação de China, Rússia e Eurásia com o Sul Global está criando uma esfera de comércio e investimento multipolar mutuamente benéfica.
Em contrapartida, a indústria europeia foi devastada. Suas economias tornaram-se completamente, e de um modo abjeto, dependentes dos Estados Unidos – a um custo muito maior para si do que no caso de seus antigos parceiros comerciais. Os exportadores europeus perderam o mercado russo e agora estão seguindo as exigências dos EUA de que abandonem e, finalmente, rechacem o mercado chinês. Também serão rejeitados no devido tempo os mercados dos membros do BRICS, que estão se expandindo para incluir países do Oriente Médio, África e América Latina.
Em vez de isolar a Rússia e a China e torná-los dependentes do controle econômico dos EUA, a diplomacia unipolar dos EUA isolou a si mesma e seus satélites da Otan do resto do mundo – a Maioria Global que está crescendo enquanto as economias da Otan avançam rapidamente em sua Estrada para a Desindustrialização. O notável é que, embora a Otan alardeie quanto ao “risco” envolvido em comercializar com a Rússia e a China, seus membros parecem não ver a perda da viabilidade industrial e da soberania econômica para os Estados Unidos como um risco.
Não é isso o que a “interpretação econômica da história” teria vislumbrado. O esperado é que os governos apoiem os principais interesses comerciais de sua economia. Assim, somos levados de volta à questão de saber se os fatores econômicos determinarão a forma do comércio, investimento e diplomacia mundiais. É realmente possível criar um conjunto de economias pós-econômicas da Otan, cujos membros serão muito parecidos com os estados bálticos e a Ucrânia pós-soviética pelo seu rápido despovoamento e desindustrialização?
Certamente, esse seria um estranho tipo de “segurança nacional”. Em termos econômicos, parece que a estratégia dos Estados Unidos e da Europa de autoisolamento do resto do mundo é um erro tão grande e de longo alcance que seus efeitos são equivalentes a uma guerra mundial.
A batalha de hoje contra a Rússia no fronte ucraniano pode ser considerada como a campanha de abertura da Terceira Guerra Mundial. Por muitas razões, trata-se de uma consequência da Segunda Guerra Mundial e de seus desdobramentos, quando os Estados Unidos estabeleceram organizações econômicas e políticas internacionais moldadas para operar para o seu próprio interesse nacional. O Fundo Monetário Internacional impõe o controle financeiro dos EUA e ajuda a dolarizar a economia mundial. O Banco Mundial empresta dólares aos governos para construir infraestrutura de exportação que subsidie os investidores dos EUA/Otan no controle do petróleo, mineração e recursos naturais, e para promover a dependência comercial das exportações agrícolas dos EUA enquanto promove a monocultura de commodities, em vez da produção doméstica de grãos alimentícios. Os Estados Unidos insistem em ter poder de veto em todas as organizações internacionais às quais se filiam, incluindo as Nações Unidas e suas agências.
A criação da Otan é frequentemente mal compreendida. Ostensivamente, ela se apresentava como uma aliança militar, com o propósito original de se defender contra a ideia de que a União Soviética poderia ter algum motivo para conquistar a Europa Ocidental. Mas o papel mais importante da Otan foi usar a “segurança nacional” como desculpa para anular a política interna e externa da Europa e subordiná-la ao controle dos EUA. A dependência da Otan foi registrada na Constituição da União Europeia. Seu objetivo era garantir que os dirigentes partidários europeus sigam a direção dos EUA e se oponham à política de esquerda ou anti-estadunidense, políticas favoráveis aos trabalhadores e a governos que fossem fortes o suficiente para impedir que uma oligarquia financeira cliente dos EUA exercesse o controle.
O programa econômico da Otan tem sido de adesão irrestrita à cartilha neoliberal de financeirização, privatização e desregulamentação do governo e a imposição de austeridade aos trabalhadores. Os regulamentos da UE impedem que os governos tenham um déficit orçamentário superior a 3% do PIB. Isso bloqueia políticas de tipo keynesiano para estimular a recuperação. Hoje, os custos mais altos com armas militares e os subsídios governamentais aos preços da energia estão forçando os governos europeus a cortar gastos sociais. A política bancária, a política comercial e a legislação doméstica estão seguindo o mesmo modelo neoliberal dos EUA que desindustrializou a economia americana e a sobrecarregou de dívidas com o setor financeiro, em cujas mãos está concentrada a maior parte da riqueza e da renda.
Abandonar o interesse econômico próprio pela dependência da “segurança nacional” dos EUA
O mundo pós-Vilnius trata o comércio e as relações internacionais não como questões econômicas, mas sim de “segurança nacional”. Qualquer forma de comércio traz o “risco” de ser cortado e desestabilizado. O objetivo não é obter ganhos comerciais e de investimento, mas tornar-se autossuficiente e independente. Para o Ocidente, isso significa isolar a China, a Rússia e os BRICS para depender totalmente dos Estados Unidos. Portanto, para os Estados Unidos, sua própria segurança significa tornar outros países dependentes dele, para que os diplomatas americanos não percam o controle de sua diplomacia militar e política.
Tratar comércio e investimento com outros países além dos Estados Unidos como “risco”, ipso facto, é uma projeção de como a diplomacia estadunidense impôs sanções a países que resistem à dominação, privatização e subordinação de suas economias aos EUA. O medo de que o comércio com a Rússia e a China leve à dependência política é uma fantasia. O objetivo da aliança emergente da Eurásia, BRICS e Sul Global é se beneficiar do comércio exterior uns com os outros para que todos ganhem, com governos fortes o suficiente para tratar dinheiro e bancos como serviços públicos, juntamente com os monopólios básicos necessários para fornecer direitos humanos normais, incluindo assistência médica e educação, e mantendo monopólios como transporte e comunicação no domínio público para manter os custos de vida e de negócios baixos, em vez de serem cobrados preços de monopólio.
O ódio anti-China veio especialmente de Annalena Baerbock, ministra das Relações Exteriores da Alemanha. A Otan é avisada para “reduzir o risco” do comércio com a China. Os “riscos” são que (1) a China pode cortar as principais exportações, assim como os EUA cortaram o acesso europeu às exportações de petróleo da Rússia; e (2) as exportações poderiam ser usadas para apoiar o poderio militar da China. Quase qualquer exportação econômica PODERIA ser militar, até mesmo alimentos para dar de comer a um exército chinês. A viagem da secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, à China também explicou que todo comércio tem um potencial militar e, portanto, um elemento de segurança nacional.
A exigência dos EUA/Otan é que a Alemanha e outros países europeus imponham uma Cortina de Ferro contra o comércio com a China, a Rússia e seus aliados, a fim de “reduzir o risco” do comércio. No entanto, quem impôs sanções econômicas a outros países foram apenas os EUA, não a China e outros países do Sul Global. O risco real não é que a China imponha sanções comerciais para prejudicar as economias europeias, mas que os Estados Unidos imponham sanções aos países que violarem o boicote comercial patrocinado pelos EUA.
Essa visão de “comércio é risco” trata o comércio exterior não em termos econômicos, mas em termos de “Segurança Nacional”. Na prática, “segurança nacional” significa juntar-se à tentativa dos EUA de manter seu controle unipolar de toda a economia mundial. Não se reconhece nenhum em reorientar o comércio europeu de gás e energia para empresas dos EUA. Diz-se que o risco é o comércio com países que os diplomatas dos EUA consideram “autocracias”, ou seja, nações com investimento e regulamentação ativa em infraestrutura governamental, em vez do neoliberalismo ao estilo dos EUA.
O mundo está se dividindo em dois blocos – com filosofias econômicas bem diferentes
Apenas os Estados Unidos impuseram sanções comerciais a outros países. E apenas os Estados Unidos rejeitaram as regras internacionais de livre comércio como ameaças à segurança nacional ao controle econômico e militar dos EUA. À primeira vista, a fratura global entre EUA/Otan, por um lado, e a expansão da aliança BRICS da Rússia, China, Irã e o Sul Global pode parecer um conflito entre capitalismo e socialismo (quer dizer, socialismo de Estado em uma economia mista, com regulamentação pública em prol do interesse trabalhista).
Mas essa ideia de oposição entre capitalismo e socialismo não ajuda muito em um exame mais em detalhe. O problema reside no que a palavra “capitalismo” passou a significar no mundo de hoje. No século XIX e início do XX, a expectativa era de que o capitalismo industrial evoluísse para o socialismo. Os Estados Unidos e outras economias industrializadas acolheram a ideia e, de fato, pressionaram seus governos a subsidiar uma ampla gama de serviços básicos com financiamento público, em vez de obrigar os empregadores a arcar com os custos de contratação de mão de obra que precisava pagar por necessidades básicas, como saúde e educação. Evitaram-se os preços monopolistas, mantendo os monopólios naturais – como ferrovias e outros meios de transporte, sistemas telefônicos e outras comunicações, parques e outros serviços – como serviços públicos. O fato de que os governos, em vez de empresas e seus funcionários, paguem por esses serviços aumentou a competitividade global da indústria nacional nas economias mistas resultantes.
A China seguiu essa abordagem básica do capitalismo industrial, com políticas socialistas para fortalecer a sua força de trabalho, e não apenas a riqueza dos capitalistas industriais – com bem menos banqueiros e ausentes proprietários de terras e monopólios privados. Mais importante, industrializou os bancos, criando crédito para financiar investimentos tangíveis em meios de produção, não o tipo de crédito predatório e improdutivo que caracteriza o capitalismo financeiro de hoje.
Mas a política de economia mista do capitalismo industrial não corresponde ao modo como o capitalismo evoluiu no Ocidente desde a Primeira Guerra Mundial. Rejeitando a economia política clássica e seu impulso para mercados livres das classes herdadas do feudalismo – uma classe hereditária de proprietários de terras, uma classe de banqueiros financistas e os monopolistas –, o setor rentista lutou para reafirmar o aluguel sobre a terra privatizada, os juros e os ganhos com o monopólio. Procurou reverter a tributação progressiva e, de fato, conceder favoritismo tributário à riqueza financeira, aos proprietários de terras e aos monopolistas. O setor de Finanças, Seguros e Imóveis (FIRE) tornou-se o interesse dominante e o planejador econômico sob o atual capitalismo financeiro. É por isso que as economias costumam ser chamadas de neofeudais (ou, com o uso de um eufemismo, neoliberais).
Ao longo da história, a dinâmica da financeirização polarizou riqueza e renda entre credores e devedores, levando às oligarquias. À medida que a dívida com juros cresce exponencialmente, mais e mais rendimentos do trabalho e dos negócios devem ser pagos como serviço da dívida. Essa dinâmica financeira encolhe o mercado doméstico de bens e serviços, e a economia sofre com o aprofundamento da austeridade solapada pela dívida.
O resultado é a desindustrialização, conforme as economias se polarizam entre credores e devedores. Isso ocorreu notadamente no Reino Unido, na esteira de Margaret Thatcher e do Novo Partido [Anti-]Trabalhista de Tony Blair e da abordagem desreguladora de “toque leve” de Gordon Brown para a manipulação financeira e a fraude total.
Os Estados Unidos sofreram uma mudança igualmente devastadora de riqueza e renda para os setores de Finanças, Seguros e Imóveis após os cortes de impostos de Ronald Reagan para os ricos, a desregulamentação antigoverno, a tomada da “Terceira Via” de Bill Clinton por Wall Street. A “Terceira Via” não era nem o capitalismo industrial nem o socialismo, mas o capitalismo financeiro obtendo seus ganhos tanto espoliando as receitas da indústria e do trabalho quanto endividando-os. A nova ideologia do Partido Democrata de desregular as finanças foi coroada pelo enorme colapso devido às fraudes bancárias em 2008 e pela proteção de Barack Obama aos credores de hipotecas podres e às execuções hipotecárias em massa de suas vítimas financeiras. O planejamento e a política econômica foram transferidos dos governos para Wall Street e outros centros financeiros – que assumiram o controle do governo, do Banco Central e das agências reguladoras.
Os diplomatas americanos e britânicos agora estão tentando promover essa filosofia econômica financista, predatória e inerentemente anti-industrial para o resto do mundo. Mas esse evangelismo ideológico é ameaçado pelo contraste óbvio entre as economias falidas e desindustrializadas dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha em comparação com o notável crescimento econômico da China sob o socialismo industrial.
Esse contraste entre o sucesso econômico da China e o “jardim” ocidental da Otan de austeridade endividada é a essência da campanha atual do Ocidente contra os países da “selva” que buscam independência política da diplomacia dos EUA para elevar seus padrões de vida. Essa guerra global ideológica e inerentemente política é a versão atual das guerras religiosas que isolaram os países europeus por muitos séculos.
Testemunhamos o que parece ser um declínio inexorável do Ocidente. Os diplomatas dos EUA conseguiram fortalecer sua posição de liderança no controle econômico, político e militar sobre seus aliados europeus da Otan. O fácil sucesso que obtiveram nesse objetivo os levou a imaginar que de alguma forma possam conquistar o resto do mundo, apesar da desindustrialização e do peso sobre suas economias de dívidas tão profundas que não há como imaginá-los capazes de pagar sua dívida oficial com países estrangeiros ou mesmo que tenham muito a oferecer.
O imperialismo tradicional de conquista militar e conquista financeira acabou
Houve uma sequência de táticas utilizadas pelas nações líderes para conquistar um império. A forma mais antiga é a conquista militar. Mas não se pode ocupar e dominar um outro país sem um exército, e os EUA não têm um exército grande o suficiente. A Guerra do Vietnã acabou com o recrutamento. Portanto, precisam contar com exércitos estrangeiros como Al Qaeda, ISIS e, mais recentemente, Ucrânia e Polônia, assim como são dependentes de manufaturas industriais estrangeiras. Seus armamentos estão esgotados e o país não tem capacidade de mobilizar um exército próprio para ocupar país nenhum. Os EUA têm apenas uma arma: mísseis e bombas podem destruir, mas não podem ocupar e dominar um país.
A segunda maneira de se criar um império era utilizar o poder econômico para tornar outros países dependentes das exportações dos EUA. Após a Segunda Guerra Mundial, o resto do mundo foi devastado e forçado a aceitar as manobras diplomáticas dos EUA para dar à sua economia o monopólio das necessidades básicas. A agricultura tornou-se uma arma importante para criar dependência estrangeira. O Banco Mundial não apoiaria os países estrangeiros que cultivassem seus próprios alimentos, mas pressionou por cultivos de exportação e lutou contra a reforma agrária. E para o comércio de petróleo e energia, as empresas dos EUA e seus aliados da Otan na Grã-Bretanha e Holanda (British Petroleum e Shell) controlavam o comércio mundial de petróleo. O controle do comércio mundial de petróleo tem sido um objetivo central da diplomacia comercial dos EUA.
Essa estratégia funcionou para a afirmação do controle dos EUA sobre a Alemanha e outros países da Otan, explodindo o gasoduto Nord Stream e cortando o acesso da Europa Ocidental ao gás, petróleo, fertilizantes e também colheitas russas. A Europa agora entrou em uma depressão industrial e austeridade econômica à medida que sua indústria siderúrgica e outros setores importantes são convidados a emigrar para os Estados Unidos, juntamente com a qualificada mão de obra europeia.
Hoje, a tecnologia eletrônica e os chips de computador têm sido um ponto focal para estabelecer a dependência econômica global da tecnologia dos EUA. Os Estados Unidos pretendem monopolizar a “propriedade intelectual” e extrair renda econômica da cobrança de preços altos para chips de computador de alta tecnologia, comunicações e produção de armas.
Mas o que os Estados Unidos fizeram foi se desindustrializar e se tornar dependentes da Ásia e de países de outras regiões para seus produtos, em vez de tornar esses países dependentes dos EUA. Essa dependência comercial é o que faz com que os diplomatas dos EUA se sintam “inseguros”, temendo que outros países possam tentar usar a mesma diplomacia comercial e financeira coercitiva que os Estados Unidos têm exercido desde 1944-1945.
Para os Estados Unidos, sobrou apenas uma tática para controlar outros países: as sanções comerciais, impostas por eles e seus satélites da Otan na tentativa de perturbar as economias dos países que não aceitam o domínio econômico, político e militar unipolar dos EUA. Ele persuadiu a Holanda a bloquear máquinas sofisticadas de gravação de chips para a China e outros países a bloquear qualquer coisa que pudesse contribuir para o desenvolvimento econômico da China. Um novo protecionismo industrial americano está sendo enquadrado em termos de segurança nacional.
Se os chineses espelhassem sua política comercial na diplomacia estadunidense, parariam de exportar aos países da Otan os minerais e metais necessários para produzir os chips de computador e insumos associados de que a economia americana precisa para exercer sua diplomacia global.
Os EUA estão de tal modo afundados em dívidas, seus preços para habitação e saúde são tão altos (18% do PIB), que não podem competir. Não podem se reindustrializar sem tomar medidas radicais para amortizar dívidas, desprivatizar a saúde e a educação, quebrar monopólios e restaurar a tributação progressiva. Os interesses investidos em Finanças, Seguros e Imóveis são poderosos demais para permitir essas reformas.
Isso torna a economia estadunidense uma economia falida e os EUA, um Estado falido.
Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos acumularam 75% do ouro monetário do mundo em 1950. Isso permitiu impor a dolarização ao mundo. Mas, hoje, ninguém sabe se o Tesouro dos EUA e o Federal Reserve de Nova York têm ouro que não tenha sido prometido a compradores e especuladores privados. A preocupação é que tenham vendido as reservas de ouro do Banco Central europeu. A Alemanha pediu que suas reservas de ouro fossem reenviadas de Nova York, mas os Estados Unidos disseram que não estavam disponíveis, e a Alemanha foi tímida demais para tornar públicas suas preocupações e queixas.
O dilema financeiro dos Estados Unidos é ainda pior quando se tenta imaginar como o país poderá pagar sua dívida externa com países que busquem sacar seus dólares. Os Estados Unidos só podem imprimir sua própria moeda. Não estariam dispostos a vender seus ativos nacionais, como eles mesmos exigem que outros países devedores façam?
O que outros países podem aceitar no lugar do ouro? Um tipo de ativos que pode ser dado como garantia são os investimentos dos EUA na Europa e em outros países. Mas se governos estrangeiros tentarem fazer a mesma coisa, as autoridades estadunidenses podem retaliar apreendendo os investimentos deles nos Estados Unidos. Ocorreria um assalto mútuo.
Os Estados Unidos estão tentando monopolizar a tecnologia eletrônica. O problema é que isso requer insumos de matérias-primas cuja produção atualmente é dominada pela China, sobretudo metais de terras raras (que são abundantes, mas ambientalmente destrutivos para refinar), gálio, níquel (cujo refino a China domina), o hélio e outros gases russos usados para gravar chips de computador. A China anunciou recentemente que em 1º de agosto começará a restringir essas importantes exportações. De fato, tem a capacidade de cortar suprimentos de materiais e tecnologia vitais para o Ocidente, para se proteger das sanções de “segurança nacional” do Ocidente contra a China. Essa é a profecia autorrealizável que os clamores dos EUA em relação à guerra comercial criaram.
Se a diplomacia dos EUA intimidar seus aliados da Otan a boicotar a tecnologia Huawei da China, a Europa ficará com uma alternativa menos eficiente e mais cara – cujas consequências ajudarão a separá-la da China, dos BRICS e do que se tornou a Maioria Mundial em nome de um alinhamento autorreferente muito mais amplo do que o criado por Sukarno em 1954.
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