quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Pode chamar de terrorismo sim

Primeiro-ministro de Israel, Benjamim Netanyahu. (Foto: REUTERS/Ronen Zvulun)


Toda a história de Israel fundamentou-se sobre o terrorismo contra os palestinos, e é pouco provável que isso se altere agora

André Gattaz
www.brasil247.com/

Causou grande comoção entre a extrema direita e os sionistas brasileiros o comentário do presidente Lula de que Israel vem cometendo atos de terrorismo. O assunto vem repercutindo nos canais da mídia tradicional, que não vê problema em chamar os palestinos de terroristas, mas enchem-se de pudores para condenar Israel pela mortandade e destruição que o Estado sionista vem provocando em Gaza.

Não é consensual a definição internacional de “terrorismo”, uma vez que aquilo que se aplica a um país ou região pode não valer para outro, mas de um modo geral define-se terrorismo como o uso intencional da violência contra civis e não combatentes com a intenção de causar um estado de medo e pânico social. Na ONU, a Assembleia Geral definiu terrorismo como “atos criminosos planejados ou calculados para provocar estado de terror no público em geral, num grupo de pessoas ou em particulares por motivos políticos”. Já numa definição mais detalhada, terrorismo é o ato de “devastar, saquear, explodir bombas, sequestrar, incendiar, depredar ou praticar atentado pessoal ou sabotagem, causando perigo efetivo ou dano a pessoas ou bens, por indivíduos ou grupos, com emprego da força ou violência, física ou psicológica, por motivo de facciosismo político, religioso, étnico/racial ou ideológico, para infundir terror com o propósito de intimidar ou coagir um governo, a população civil ou um segmento da sociedade, a fim de alcançar objetivos políticos ou sociais.”

Seja qualquer uma das definições que tomarmos, Israel vem cometendo terrorismo de Estado contra o povo palestino da Faixa de Gaza, não apenas com o objetivo de vingar os 771 civis mortos (segundo o jornal israelense Haaretz) na ação do Hamas de 7 de outubro, mas com o objetivo de levar a cabo a reocupação da Faixa de Gaza, com o consequente deslocamento de sua população – como demonstra o discurso e o mapa de Netanyahu que analisei em artigo anterior. Nesse sentido, a reocupação da Faixa de Gaza é apenas o primeiro passo rumo à conquista integral da Palestina histórica, e uma vez concluída, permitirá a Israel (ATENÇÃO: alerta de spoiler) dirigir suas atenções à ocupação integral da Cisjordânia, provavelmente em reação à possível Terceira Intifada e ataques contra alvos israelenses que se insinuam nesse território. Afinal, não custa lembrar que a ocupação integral da Palestina sempre foi o objetivo último do sionismo, como deixou bastante claro o líder da fundação do Estado de Israel, David Ben Gurion, após a aprovação do Plano de Partilha na ONU em novembro de 1947. Dizia ele (grifos meus): “Eu sou a favor da partilha do país porque quando nós nos tornarmos uma grande potência, depois do estabelecimento do Estado, iremos abolir a partilha e nos espalhar pela Palestina.” E deixando ainda mais claro: “O Estado judeu terá um exército fora do comum – não tenho dúvida que o nosso exército estará entre os mais espetaculares do mundo – e assim estou certo de que não seremos impedidos de nos assentarmos no resto do país, mesmo que fora do acordo e entendimento mútuo com os vizinhos árabes. [...] O Estado judeu que agora é oferecido para nós não é o objetivo sionista. Dentro desta área não é possível resolver a questão judaica. Mas pode servir como uma etapa decisiva em direção à grande implementação do sionismo. Irá consolidar na Palestina, no menor tempo possível, a real força judaica que irá nos levar a nosso objetivo histórico.”

O recurso ao terrorismo, aliás, não é novo para Israel. Ainda antes de sua configuração enquanto Estado independente os colonos sionistas e seus aparatos militares conduziram uma campanha de terrorismo contra os palestinos e os britânicos – que num dado momento deixaram de apoiar as pretensões sionistas, tornando-se alvo destes. São famosos na historiografia alguns eventos como o atentado ao Hotel King David (julho de 1946), em que foram mortos 91 ingleses, árabes e judeus, e o massacre de Deir Yassin (abril de 1948), com o assassinato a sangue frio de 254 civis palestinos. Já sob o comando do Estado de Israel, constituído em maio de 1948, houve o assassinato do representante da ONU, conde Folke Bernadotte, a dessacralização de igrejas e mosteiros cristãos, e a destruição de mais de 500 aldeias, provocando a expulsão de 725.000 árabes palestinos das regiões em que veio a se constituir o Estado judaico. Toda a história de Israel fundamentou-se sobre o terrorismo contra os palestinos, e é pouco provável que isso se altere agora, quando o país é governado por um dos mais extremados primeiros-ministros da breve e desumana história israelense. Um verdadeiro terrorista, promovendo terrorismo de Estado, como afirmaram o presidente Lula, o presidente turco Recep Erdogan e muitos outros líderes e analistas internacionais.

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