Cidades de Wuhan e Mianyang, na China (Foto: Aquiles Lins/Brasil 247)
Jornalista Aquiles Lins conta o que viu e sentiu sobre a China, e o que o Brasil pode ganhar com uma maior integração com o gigante asiático
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A transformação espetacular que a China experimentou em apenas 40 anos pôde ser observada nos cinco sentidos por este colunista. Juntamente com o colega jornalista Mario Vitor Santos representando o Brasil 247 e a TV 247, integrei uma delegação composta por 20 jornalistas de diversos veículos brasileiros, além de influenciadores e observadores que visitou a China entre 20 e 31 de agosto. A viagem pelas cidades de Pequim, Wuhan, Chengdu e Mianyang se deu a convite do Partido Comunista da China (PCCh), que custeou o transporte, a hospedagem e a alimentação, numa articulação com o Partido dos Trabalhadores (PT).
Seguimos uma programação intensa, repleta de visitas a instituições e empresas nas áreas da comunicação, de tecnologia de ponta, como fabricação de semicondutores, painéis solares, telas de led para os mais diversos usos. Houve visitas a universidades e centros de pesquisa que têm relações com o Brasil e a lugares históricos da China, como a Grande Muralha, em Pequim, a Torre da Garça Amarela, em Wuhan, e o Parque do Povo, em Chengdu. Na área da política, representantes do departamento internacional do Partido Comunista Chinês, dirigentes das províncias também nos receberam em mais de uma ocasião. Em todos os casos é dito que Brasil e China têm amizade sincera e que compartilham visão comum de mundo. De alguns deles ouvimos que para entender a China é preciso olhar o país com a humildade de ver as particularidades de sua história, do seu povo. Ou seja, se for ver a China com as lentes do Ocidente, a imagem vai sair embaçada.
Grande Muralha da China (Photo: Aquiles Lins/Brasil 247)
Durante a interação com chineses comumente ouvimos que para entender a China, é preciso entender a história do Partido Comunista da China. De fato não é nenhum pouco corriqueiro na história uma organização política como esta, hoje com 97 milhões de filiados, materializar um crescimento econômico médio de dois dígitos nas últimas três décadas e criar uma classe média de 400 milhões de pessoas, transformando a China no principal país manufatureiro e no maior exportador em nível mundial. O sistema político da China centralizou as decisões em torno do objetivo de melhorar a vida de sua população e até aqui tem conseguido. A capacidade do governo de entregar resultados tangíveis, como a erradicação da pobreza extrema, maior acesso à educação e saúde e a criação de uma infraestrutura robusta, só aumenta sua legitimidade perante o povo. Porque não atende aos preceitos do Ocidente sobre como se governa um país não podemos chamar o modelo chinês de democracia? Obviamente que podemos. Sobre democracia na China fizemos com Leonardo Attuch e Mario Vitor Santos este programa na TV 247.
A política econômica chinesa tem sido amplamente centrada na soberania popular, na qual as necessidades básicas e a prosperidade da maioria da população são vistas como prioridades centrais do governo. A ascensão econômica da China, com crescimento contínuo e melhorias em setores como habitação, transporte e tecnologia, garante uma base de apoio popular ao governo. Para se ter noção do tamanho do crescimento da China, apenas de cimento, a China consome a cada dois anos o que os Estados Unidos consumiram em todo o século XX, segundo a investigadora Hannah Ritchie, que refez as contas de Bill Gates que viralizaram. O resultado desta imensidão de concreto está espalhado por toda a China com prédios incontáveis, viadutos imensos, ferrovias de alta velocidade, rodovias que rasgam o país continental. A urbanização das cidades chinesas é impressionante. A começar pela capital Pequim, que tem 21 milhões de habitantes e é amplamente arborizada, conectada por avenidas largas, por onde circulam frenéticos motos, carros e ônibus. É possível ver centenas de placas de carros na cor verde, identificação de veículos elétricos ou híbridos. As bicicletas continuam por toda parte a despeito da rápida transformação tecnológica do transporte. Qualquer pessoa pode alugar uma na rua por um aplicativo e sair por aí. O barulho no trânsito é bem menor e a qualidade do ar é bem melhor do que costumamos imaginar no Brasil.
Avenida da capital chinesa, Pequim. (Photo: Aquiles Lins/Brasil 247)
Esta explosão de crescimento e desenvolvimento da China sustentado pela quarta década consecutiva mescla elementos do socialismo e da presença forte e decidida do estado como orientador e regulador do processo, com elementos do modo capitalista de produção. É o socialismo com características distintas chinesas, que foi impulsionado a partir do líder Deng Xiaoping com o início da abertura econômica da China para o mundo ocidental nos anos 1980. O PCCh planejou o que a China deveria fazer, com políticas públicas estáveis e contínuas que criaram condições para que o país chegasse a essa posição de potência global que é hoje. Admitiu a existência e a convivência com o capitalismo, porém subjuga-o a determinadas regras que interessam majoritariamente ao conjunto da população. Diferentemente do Brasil, na China é o estado que detém a última palavra sobre os rumos do país, não o mercado financeiro.
Na área da Comunicação, a delegação brasileira visitou empresas estatais de mídia, com diferentes abrangências. Em Pequim, conhecemos as instalações da CGTN (China Global Television Network), principal grupo de mídia estatal nacional da China, que concentra diversos canais em diferentes línguas. A CGTN utiliza tecnologia de ponta em sua produção diária. Animações gráficas e inteligência artificial estão a serviço da comunicação, da informação e da educação. Um exemplo: a partir da inteligência artificial, os profissionais da CGTN reconstituíram todas as manifestações do líder espiritual Confúcio, bem como sua imagem e criaram um Confúcio virtual que conversa com o interlocutor sobre qualquer assunto. Pergunte diretamente a Confúcio sua dúvida e ele lhe responderá. Assim como este, há inúmeros direcionamentos tecnológicos nas áreas da Comunicação, da Educação e da Cultura. Também visitamos veículos de mídia estatais comandados pelas províncias. O material técnico com o qual trabalham deixaria muitos veículos de comunicação pública totalmente empoderados no Brasil. E há caminhos para uma maior integração e veículos brasileiros, apesar da desconfiança e do despeito da maioria da mídia tradicional brasileira com a China.
Jornalistas Aquiles Lins e Mario Vitor Santos na sede da CGTN, em Pequim.(Photo: CGTN)
Outras impressões sobre a China também foram compartilhadas no programa de Mario Vitor com a jornalista Regina Zappa na TV 247:
No centro da China, tradição milenar e tecnologia de ponta de mãos dadas
Wuhan é uma cidade efervescente, com centenas de prédios em construção. São imagens de guindastes por todo lado, erguendo arranha-céus incontáveis na cidade de 13 milhões de habitantes que diariamente cortam ou margeiam o lindo rio Yangtsé. Lamentavelmente Wuhan ficou mais conhecida no Brasil em função dos primeiros casos de Covid-19 no mundo. A cidade, no entanto, está muito além deste estigma. A mais populosa da China central, Wuhan abriga um parque tecnológico imenso, que conta com empresas que produzem laser, semicondutores, placas solares, drones inteligentes e até carros autônomos, isto é, sem motoristas. Andamos neles para comprovar sua eficiência. Mas, por enquanto, ainda seria impensável vê-los circulando na marginal do Tietê, em São Paulo. Também pudemos experimentar andar de metrô suspenso, cujos trilhos estão no teto e o chão fica passando debaixo de nossos pés a 20 metros de altura.
Na Universidade de Hubei, uma das maiores do país, fomos recebidos calorosamente por professores e alunos (aliás, nenhuma recepção aos jornalistas brasileiros foi menos efusiva). A instituição é pioneira no estudo sobre o Brasil e no intercâmbio com estudantes brasileiros. Por meio do Instituto Confúcio, organização educacional pública cujo objetivo é promover a língua e a cultura da China e que tem unidades no Brasil, dezenas de estudantes brasileiros estudam cursos de graduação, pós-graduação ou cursos de verão na universidade. A maioria deles oriunda da região Sudeste do Brasil, a partir do Instituto Confúcio da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
A programação oferecida pelos chineses à nossa delegação incluiu visitas nas áreas da Cultura e da história da China. Isso nos levou ao Museu de Arte de Hubei, que abriga artefatos e objetos milenares da China e assistimos à uma apresentação musical a partir de instrumentos tradicionais chineses, como o Bianzhong, carrilhão de doze sinos de bronze, afinados de acordo com a escala cromática de 12 sons, em uso na música cerimonial desde a Dinastia Shang, séc.16 antes de Cristo.
Outra programação cultural oferecida à delegação brasileira foi uma visita à histórica Torre da Garça Amarela, um edifício antigo, reconstruído em 1981 que reflete as características da arquitetura tradicional chinesa. Uma apresentação de luzes projetadas no prédio conta como a torre foi diversas vezes incendiada ao longo da história. Um show de imagens. Tudo muito tecnológico para exaltar a história. De cima da torre, é possível ter uma vista panorâmica de Wuhan e do rio Yangtsé. As dezenas de prédios que compõem o cenário têm suas fachadas iluminadas com luzes led que mostram imagens em movimento, como se todos fossem parte de um único e imenso painel de led.
Torre da Garça Amarela, em Wuhan.(Photo: Aquiles Lins/Brasil 247)
Chengdu: pandas, pimenta e Rota da Seda
Vista de um cruzamento na cidade de Chengdu.(Photo: Aquiles Lins/Brasil 247)
O terceiro e último trecho da viagem se deu na província de Sichuan, oeste da China. É a região dos ursos pandas, além de ser a quinta maior economia entre as províncias chinesas. Na capital Chengdu, uma megalópole de 21 milhões de habitantes, visitamos o centro de preservação e reprodução de pandas, que se apresentaram em toda a sua fofura, quando não estavam dormindo ou recolhidos, em razão das altas temperaturas do verão chinês.
Também visitamos a cidade de Mianyang, com cerca de 4 milhões de habitantes, conhecida como o Vale do Silício chinês, que concentra empresas de alta tecnologia, além de manter viva sua cultura milenar. Às margens do rio Yangtze.
O ponto alto da estada em Chengdu foi a participação da delegação brasileira do Fórum Internacional de Cooperação de Mídia do Cinturão e Rota 2024, evento que reuniu cerca de 200 jornalistas estrangeiros, além de 700 chineses, além de dirigentes do governo central, de grandes empresas estatais nas áreas de tecnologia, petróleo e energias renováveis. Uma iniciativa para consolidar cooperação midiática sobre a China para além do que descreve a mídia ocidental, assim como a imagem do ambicioso projeto lançado há 11 anos pelo presidente Xi Jinping para aumentar e tornar mais eficiente a integração econômica, social e cultural da China com diversos países ao redor do mundo. Mais de 150 estados hoje são signatários do Cinturão e Rota e recebem investimentos e financiamentos da China.
Fórum de Cooperação de Mídia do Cinturão e Rota 2024, em Chengdu.(Photo: Aquiles Lins/Brasil 247)
Embora a China seja o maior parceiro comercial do Brasil e ambos mantenham há décadas uma complementaridade de suas atividades econômicas, nós ainda não aderimos à iniciativa Cinturão e Rota. Os presidentes Luiz inácio Lula da Silva e Xi Jinping assinaram diversos acordos de cooperação que elevaram a relação estratégica entre os dois países a um patamar inédito. No entanto, o Brasil ainda não se deixou seduzir pelas possibilidades de desenvolvimento compartilhado que a China está lhe oferecendo. O governo Lula quer ter a certeza de que aproveitará o melhor possível no âmbito das negociações e do conceito ganha-ganha chinês. Nos diversos discursos proferidos pelas autoridades chinesas, ressaltam-se sempre três princípios que norteiam a Rota da Seda para qualquer país interessado: consulta, construção e benefícios compartilhados. Ou seja, após o Brasil manifestar interesse no projeto, os dois países se reúnem e discutem quais projetos, em quais áreas estratégicas, interessam tanto ao Brasil quanto à China. Aí podem entrar investimentos em energia, em infraestrutura de transporte, como ferrovias, por que não um trem bala?. A segunda parte é a execução da modelagem feita anteriormente, e a terceira parte é o desfrute dos benefícios oriundos dos investimentos.
A China se mostra ao mundo uma nação cada vez mais moderna, aberta para dialogar com todos os países, especialmente aqueles do Sul Global. E o Brasil, como integrante do Brics, detentor de grandes recursos naturais e com uma economia emergente e aquecida, tem uma posição privilegiada nas mudanças em curso. Uma maior integração com a China será cada vez mais natural e isso representará um universo de oportunidades na vida dos brasileiros. A atenção histórica é do oriente, da Ásia, e o Brasil saberá aproveitar o momento e não perder o bonde.
Gostaria de agradecer a todos os amigos chineses que acompanharam a delegação de jornalistas na viagem à China, que nos receberam com muita hospitalidade e gentileza. Especialmente aos diplomatas Augusto e Victor, Jan e Frank. Gostaria de agradecer também pela companhia e possibilidade de interação com os colegas jornalistas Ricardo Amaral, da assessoria de imprensa do PT, Paulo Salvador, presidente da TVT, Renato Rovai, da Revista Fórum, Haroldo Ceravolo, do Opera Mundi, Pedro Zambarda, do DCM, Heloísa Vilela, do ICL Notícias, Kennedy Alencar, da Rede TV e UOL, Cintia Alves, do Jornal GGN, André Barrocal, da Carta Capital, Luis Fernando Sá, do site AgFeed, Agnes Franco, da Rede Brasil Atual, Tainá Farfan, apresentadora da TV Record, Bartolomeu Silva, cinegrafista da Record, Pedro Martins, repórter da CNN Brasil, Luis Marcelo e João Batista Tavares. Agradecer também aos colegas influenciadores brasileiros Felipe Durante e Lucas Brand.
Delegação de jornalistas brasileiros é recebida no Centro das Américas, em Pequim. (Photo: Divulgação)
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