quinta-feira, 3 de outubro de 2024

A sabedoria iraniana lidera a Aliança Islâmica

© Foto: Domínio público

Lorenzo Maria Pacini

A proposta turca de uma Aliança Islâmica contra Israel é de fato uma ideia bem elaborada, mas política e religiosamente problemática.

Khamenei assume o controle

Como era de se esperar – e como já havíamos coberto algumas semanas atrás – a proposta turca para uma Aliança Islâmica contra Israel é de fato uma ideia bem elaborada, mas politicamente e religiosamente problemática porque a Turquia está em uma posição de inconsistência com a soma do mundo islâmico. Muita incerteza, muita instabilidade, muitas experiências ruins no passado recente, com a presença sombria da OTAN pairando sobre Ancara que nunca parece ir embora, apesar das proclamações sensacionalistas.

O problema sionista, no entanto, ainda não foi resolvido e não será tão fácil de erradicar. A urgência não pode mais ser adiada quando Israel está exterminando a população palestina com genocídio impune, expandindo o conflito para estados vizinhos também. A causa de Jerusalém como uma cidade sagrada, a Al Quds dos islâmicos, é escatologicamente convincente demais.

É nessas premissas que o Guia Supremo da Revolução Islâmica do Irã, o Aiatolá Ali Khamenei, sucessor de Ruhollah Khomeini, faz a diferença.

A partir da lua cheia de setembro, no 28º dia do mês de Shahrivar no ano de 1403 de acordo com o calendário persa, no 15º dia do mês de Rabi Al-Awwal no ano de 1446 de acordo com o islamismo, o líder Khamenei começou a falar ao mundo islâmico, especialmente ao mundo sunita, com uma intenção muito precisa e com uma estratégia que já é clara e perfeitamente afinada com a antiga sabedoria diplomática persa: unir o islamismo em direção à mesma batalha, a Jihad, para derrotar o inimigo do Grande Satã (EUA+Reino Unido+Israel) e libertar a Terra Santa. Uma missão que é própria de todo o mundo islâmico (e além). Isso é proposto não como uma novidade de conteúdo, mas como uma novidade de modalidade. E não é por acaso que essa proposta vem agora, algumas semanas depois da ideia de Erdogan de uma Aliança Islâmica contra Israel.

A proposta xiita dos iranianos parece mais plausível e mais coerente, assim como religiosamente autoritária. Erdogan, de fato, não tem autoridade em termos de fé, ele é apenas um político, enquanto Khamenei é, em todo caso, uma autoridade reconhecida toto orbe e suas palavras sempre provaram ser inspiradoras para outras denominações islâmicas também. Este é apenas o começo: é provável que o Líder Supremo continue por muito tempo ainda, pelo menos até a próxima lua de outubro, neste delicado esforço de engajamento e reunificação.

Ele falou especificamente a acadêmicos, a jurispedis, a delegações diplomáticas, a toda a Ummah Islâmica, aos representantes sunitas que visitam a capital Teerã, e mais reuniões e discursos públicos ainda são esperados em grande número, dirigidos também a representantes de outras religiões do Oriente Médio e a líderes políticos de outros países. Além disso, não se deve esquecer que o Irã tem o mérito de ter liderado o Eixo da Resistência a grandes vitórias contra o ISIS e à luta imperecível contra a entidade sionista, como testemunhado pelos numerosos mártires que se imolaram por esta causa, em particular o General Haj Qassem Soleimani, um verdadeiro herói da batalha escatológica.

Das palavras de Khamenei até o momento, vários pontos fundamentais podem ser deduzidos:

– A luta islâmica é uma luta sagrada para todas as denominações;
– O mundo islâmico deve enfraquecer as relações políticas com o regime sionista;
– A guerra da mídia (infowar) é essencial para mostrar abertamente apoio ao povo oprimido da Palestina e deve ser reforçada;
– O Ocidente coletivo já apoiou, financiou e armou guerras inteiras contra vários países ao redor do mundo e isso deve ser lembrado;
– As trocas econômicas devem ser reduzidas e interrompidas com o Ocidente sionista e fortalecidas com os países antisionistas;
– O mundo deve reconhecer o valor da humanidade que esta batalha significa.

Não há muito a acrescentar. Palavras firmes e claras, que abrem uma série de alternativas interessantes.

Mas e se for uma armadilha?

Precisamos refletir mais sobre o que a Turquia propôs. Vamos tentar colocar o caso: e se o que Erdogan propôs fosse de fato uma armadilha para distrair o mundo islâmico e conduzi-lo para o nada?

A Turquia, por outro lado, não é um país consistente e a interferência americana ainda é muito forte.

Diante desse cenário, a postura de Khamenei é mais do que necessária. Uma Aliança Islâmica é uma oportunidade muito valiosa neste momento, mas deve ser autenticamente islâmica e adequadamente focada e conduzida. O mundo sionista não deixará esse projeto acontecer facilmente. A Arábia Saudita já é um obstáculo significativo e tanto os EUA quanto o Reino Unido já têm uma presença extensa em todo o Oriente Médio com suas próprias agências de inteligência para tentar desestabilizá-la e desarmá-la.

A armadilha pode ser ainda mais abrangente: não apenas a luta contra a entidade sionista, mas um verdadeiro cavalo de Troia dentro do mundo islâmico, cujos números e força estão crescendo, particularmente dentro de parcerias – como com o BRICS+ antes da cúpula de Kazan 2024 – e na opinião pública internacional. Tal trabalho interno seria desastroso. A sabedoria milenar e a habilidade estratégica dos iranianos podem remediar esse perigo.

O que fazer com a Turquia?

A próxima questão será, está claro, o que fazer com a Turquia. Não apenas do ponto de vista da credibilidade religiosa, que é em todo caso muito relativa, mas sim das relações internacionais com os países islâmicos.

A Turquia tem um potencial demográfico, econômico e militar que não pode ser subestimado e sua posição estratégica continua sendo um elemento forte nas relações com outros estados, especialmente na macrorregião europeia. A amizade com os países do Oriente Médio é baseada acima de tudo nos processos históricos do Império Otomano, portanto no fato religioso.

Com honestidade intelectual, deve-se reconhecer que a retórica de Erdogan em relação a Israel se tornou mais agressiva e no passado apoiou o Hamas diplomaticamente (como no caso das negociações de 2006). O governo de Ancara desfruta de uma ilusão de força, devido à sua filiação à OTAN, quase como se pudesse jogar com impunidade, relaxando e se organizando autonomamente. Não faltaram ameaças, como a feita por Michael Rubin, um ex-funcionário do Pentágono, que declarou a possibilidade de ver o próximo líder do Hamas morto em Ancara, como aconteceu em Teerã para Ismail Haniyeh.

Mas tudo isso não é suficiente.

O mundo islâmico terá que decidir o que fazer com a Turquia, se vale a pena continuar suas tentativas de pressionar por sua saída da órbita Reino Unido-EUA ou, em vez disso, continuar sem ela, promovendo uma Aliança Islâmica sem sua participação.

A autoridade xiita em Teerã desempenhará um papel decisivo, mais do que se poderia pensar. Onde o governo oficial não perseguirá a causa islâmica comum, serão os sábios religiosos que liderarão a batalha, como fizeram séculos atrás.

Mais uma vez, a cúpula do BRICS+ em Kazan 2024 será decisiva para entender qual será a força geoeconômica dos países islâmicos nos próximos seis meses, com a possibilidade de intensificar o engajamento militar pela causa palestina, pelo Líbano, por todo o Oriente Médio e pela libertação de Al-Quds (Jerusalém) da entidade sionista.


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