Atos da esquerda e do MBL (Foto: Roberto Parizotti (Divulgação))
“Radicais tardios e de época eleitoral pedem que as esquerdas façam o que eles dominam na teoria”, escreve o colunista Moisés Mendes
Moisés Mendes
Viralizou como um cometa da primavera, durante o primeiro turno da eleição municipal, mas se fortaleceu mesmo no segundo, o apelo para que as esquerdas partam para o enfrentamento, e que Lula deve estar junto como enfrentador.
Mas que enfrentamento, companheiro? O enfrentamento com pautas, dizem, com retórica e ação política. Enfrentamento pela radicalidade da volta às origens das esquerdas pós-ditadura.
Sem essa de papo fofo. Enfrentamento com objetivo eleitoral, para a reversão do quadro de desalento com o tom brando e propositivo da propaganda na TV e nas redes e, depois, com a performance do PT e das esquerdas.
Proliferam na internet, em escritos e em falas, receitas de bolo de como encarar o crescimento da direita, a partir da calibragem de discurso e do tom das mensagens eleitorais em São Paulo, Porto Alegre, Fortaleza. Partam para o enfrentamento, esse é o grito de guerra.
Foi assim que boa parte da esquerda que fala alto virou um monte de bêbados numa mesa de bar comprida, mas não num boteco do Campo Limpo, mas num lounge bar dos Jardins. Não tomando cerveja, mas Campari.
Brancaleones de internet, que nunca entraram numa vila, recomendam com empáfia, enquanto balançam o copo com gelo: partam para o enfrentamento.
Há nessa gritaria uma certa arrogância do glamour acadêmico, de quem teria lugar de fala e lugar de titulação. Gente com títulos, que conhece a história, com carteiraço, com formação teórica que a habilita a determinar: partam para o enfrentamento.
Lula deve partir para o enfrentamento, para dar o exemplo. Haddad já deveria ter partido. Até Mujica, acreditem, foi aconselhado por pensadores brasileiros a partir para o enfrentamento no Uruguai, às vésperas da eleição de domingo, que deve devolver o poder à Frente Ampla.
Só porque, no discurso de despedida do ativismo político, essa semana, Mujica disse: “Não ao ódio. Não à confrontação. É preciso trabalhar pela esperança”.
Mujica, que já fez tudo na vida, que foi Tupamaro no enfrentamento da ditadura, ficou 14 anos preso, foi torturado, sobreviveu, foi ministro, presidente da República, senador, esse Mujica é aconselhado a não falar em esperança.
Mujica teria ficado lírico demais, e ele mesmo admitiu, ao final do discurso, que aquele era o apelo poético de um velho. Pois a esquerda brasileira do enfrentamento acha que pode dizer o que Mujica precisa falar e fazer, aos 89 anos.
Essa esquerda pensante brasileira, que foi incapaz, mesmo nos redutos fechados dos tomadores de Campari, de contribuir para que as investidas de Alexandre de Moraes contra o fascismo tivessem um mínimo de lastro político.
Essa esquerda que não partiu para o enfrentamento contra a extrema direita fora da eleição, que não ergue a voz para falar dos criminosos impunes de todos os crimes do bolsonarismo, essa esquerda-cabeça agora quer enfrentamento.
Porque para esses enfrentadores Alexandre de Moraes daria conta das questões judiciais contra o fascismo, e a política se encarregaria, com o caminho livre, de seguir em frente. Agora, com enfrentamentos tardios.
Esses arrogantes deveriam ouvir, em silêncio obsequioso, os militantes que gastaram sapato para fazer o que a maioria não faz cotidianamente. Deveriam ouvir os que vão às vilas fora do período eleitoral, mas não publicam tratados de como partir para o enfrentamento.
É essa a arrogância que dissemina uma fake news, a de que Lula estaria incentivando as esquerdas a correrem para o centro. É fake news rasa. Lula depende das esquerdas para conversar com a direita ou o centro, ou alguém acha que teremos direita e centro sem esquerda?
Mujica disse, na sua despedida: “Estou lutando contra a morte”. As esquerdas estão, na gritaria, lutando com elas mesmas e com muitos que nunca lutaram luta alguma.
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