terça-feira, 24 de dezembro de 2024

A América Latina como reserva ideológica

Fontes: La Jornada - Imagem: Presidente do México, Claudia Sheinbaum. Foto: Marco Peláez

O “mantra” que a extrema direita avança não se cumpre na América Latina.


Existem duas maneiras de dizer isso. Uma delas, o presidente da Argentina, Javier Milei, tem poucos amigos presidenciais na América Latina. Segundo, a maioria dos países da região não elege candidatos de extrema direita.

O ano de 2024 culmina com a derrota da coalizão neoliberal no Uruguai. Todos os conservadores se uniram no segundo turno e perderam para o bloco progressista. A Frente Ampla venceu as eleições.

Neste mesmo ano, no México, outra troca de siglas unida pela doutrina neoliberal (PRI-PAN-PRD) sofreu uma dura derrota nas mãos de uma proposta claramente de esquerda, que já governava há seis anos.

Esse caso foi muito significativo, pois a vitória do Morena foi por mais de 30 pontos de diferença. Andrés Manuel López Obrador saiu com altíssimo apoio e Claudia Sheinbaum chega com milhões de votos. A maioria dos mitos hegemônicos desapareceu. Que “o partido no poder perde sempre” não aconteceu. E foi conquistada apesar do Judiciário, da mídia e do poder econômico estarem contra. Nada disso conseguiu superar as convicções, as ideias, a gestão, a coragem. As redes sociais também não.

Também é interessante o caso da Colômbia, que após décadas de governos conservadores, a vitória de Gustavo Petro representa uma notável mudança ideológica num enclave geopolítico fundamental para o Norte. O conjunto de reformas contra-neoliberais que estão em curso (saúde, terra, educação, trabalho, impostos e pensões) foram propostas durante a campanha e uma grande maioria as apoiou.

Se calcularmos o índice de quantos governos estão nas mãos da esquerda, a América Latina vai na contramão do que acontece em outras latitudes do mundo. 58 por cento correspondem a presidentes que venceram graças à proposta aberta de ideias de esquerda, revolucionárias, progressistas, social-democratas ou pertencentes ao campo nacional-popular. Em suma, são todos projetos de origem não neoliberal, embora mais tarde alguns, na prática, tenham flertado demasiado com as ideias do adversário (ver o exemplo peruano: Fujimori perdeu nas urnas e agora governa).

Também podemos ter esse índice em termos populacionais. E, assim, os dados impactam ainda mais: 79% dos cidadãos latino-americanos estão nas mãos de governos de esquerda (ou pelo menos foram votados a favor destas ideias).

Este traço latino-americano sai da dobra atlântica (termo amplamente utilizado nos textos do Conselho Atlântico).

Por exemplo, nos Estados Unidos, há anos que oscilam: antes foi a vez dos Democratas e agora a dos Republicanos. Donald Trump venceu e fê-lo com as suas abordagens e ideias extremas, e também com os seus modos extremos.

Mas, na América Latina, apenas Milei e, em menor medida, Nayib Bukele têm esse perfil. Também Jair Bolsonaro, mas é preciso lembrar que ele não conseguiu revalidar seu mandato no Brasil nas últimas eleições (e, aliás, não se esqueça que venceu quando Luiz Inácio Lula de Silva foi preso injustamente).

Este traço latino-americano também não ocorre na Europa. O saldo da vitória é o oposto: apenas 22 por cento dos países são governados por ideias social-democratas. Os restantes são de direita e extrema-direita, salvo algumas coligações ocasionais em que cabe tudo.

Esses dados objetivos desaconselham cair na armadilha usual de “copiar e colar”. Ou seja, não é correto considerar que o que acontece na Europa e nos Estados Unidos é igual ao que acontece na América Latina. Você nunca deve cair na tentação de importar “frameworks”.

O “mantra” que a extrema direita avança não se cumpre na América Latina.

Não se cumpre na esfera eleitoral, mas também não na esfera político-ideológica.

Se analisarmos rigorosamente a matriz do senso comum na região, vemos que o neoliberalismo não é dominante. A importância do público nos direitos básicos (educação, saúde) continua. As ofertas de privatização em sectores estratégicos também não são bem-vindas. A ideia de “igualdade de oportunidades” é quase sempre preferida a toda a doutrina individualista de “cada um por si”. Alguns intervenientes privados, como bancos ou grandes meios de comunicação social, têm uma imagem negativa muito elevada. O feminismo é cada vez mais concebido como uma forma legítima de luta pela igualdade. As políticas sociais são consideradas necessárias para garantir uma vida digna aos que têm menos. As políticas fiscais que tributam os mais ricos são amplamente apoiadas.

Significa isto que atualmente não há disputa com outras ideias abertamente conservadoras? De forma alguma. Tudo está em disputa. Há constantemente um impulso para impor matrizes ideológicas e sentidos comuns. Mas, nesta batalha, assumir que a direita já ganhou o jogo na América Latina, quando esse não é o caso neste momento, é um primeiro passo para uma derrota futura.

Alfredo Serrano Mancilla: Doutor em Economia, diretor executivo da Celag .



 

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