Centrais sindicais na Av. Paulista (Foto: Ricardo Stuckert)
“As esquerdas se negam a conversar sobre o envelhecimento do seu ativismo e das duas ideias, enquanto a direita rejuvenesce bases e líderes”, diz Moisés Mendes
Moisés Mendes
Por que não há nas esquerdas uma figura jovem com a mesma audiência de um Nikolas Ferreira? Não, não estamos falando de alguém com as mesmas crueldades e capacidade de mentir, mas com volume na voz e poder de síntese para alcançar o público que precisa ser alcançado, na hora certa e em todos os meios possíveis.
As esquerdas já tiveram essas figuras, antes e depois da ditadura. Que falavam para milhões, do movimento estudantil ao movimento sindical. Eram tempos de mobilizações analógicas.
Onde esses personagens se extraviaram na História recente? Por que é tabu falar do déficit de juventude no ativismo de esquerda, não só em relação a quem fala em voz alta?
Talvez porque se busque sempre o consolo preguiçoso de citar as mesmas exceções conhecidas. É o despiste da autocomiseração: ah, mas tem a Erika Hilton. Tem. E quem mais, com expressão nacional?
Nikolas tem 28 anos. Já se apresentou na extrema direita, na primeira eleição para deputado, como nome para muito além das fronteiras de Minas. Usa a linguagem universal do fascismo, que Musk, Zuckerberg, Trump, Jeff Bezos e seus parceiros desejam que prospere sem controles.
Chega com força aos jovens, que nunca foram, ao contrário do que acontece com Javier Milei na Argentina, a base do bolsonarismo. E fala para os tios e as tias do zap.
Vamos relembrar. Quando foi preso no Congresso da UNE em Ibiúna, em 12 de outubro de 1968, José Dirceu tinha 22 anos. Vladimir Palmeira e Raul Pont tinham 24.
Quando foi presa em 16 de janeiro de 1970, em São Paulo, Dilma Rousseff tinha 23 anos. Na presidência da UNE, Lindbergh Farias liderou os caras-pintadas que derrubaram Collor. Foi em 1992, há quase 33 anos. Lindbergh tinha 22 anos.
Todos, só para citar alguns exemplos, construíram trajetórias políticas relevantes e se tornaram figuras públicas que falavam ou ainda falam alto a partir do que fizeram na juventude. Construíram ativismo e representação com a bravura e o vigor mental e físico dos jovens.
Na maioria, eram crias do movimento estudantil, porque o protagonismo político que sai do meio sindical tem como personagens homens bem mais maduros.
Mas o movimento estudantil perdeu a capacidade de gerar e fomentar militâncias, mesmo que ocasionais e intermitentes, e de multiplicar lideranças. É uma inércia quase só do Brasil, se olharmos a vizinhança.
Quem se renova aqui pela vitalidade dos jovens é a direita. As bases religiosas da extrema direita produzem para o bolsonarismo o que o movimento estudantil produziu, dos anos 60 aos 80, para as esquerdas.
Nikolas, criado nesse ambiente, é quem fala para o povo para alertá-lo sobre a vigilância da Receita Federal. Seu timbre tem a forte pegada dos pastores que atraem engajamento para Deus e para o que continua sendo o bolsonarismo.
Conter Nikolas parece ser tarefa do sistema de Justiça, quando em outros tempos seria antes uma atribuição da política. As esquerdas deveriam ter seus equivalentes, com a mesma força, para que não dependessem de Ministério Público e do Judiciário para segurar tipos com esse perfil.
Desejar contê-los à margem da política é apenas distração. Até porque ninguém imagina que, num Congresso dominado pela turma de Nikolas, o deputado vá ser punido por seus pares.
E Sidônio Palmeira pode acionar todas as bruxarias, mas não conseguirá duelar com essa gente. Esse não é um duelo de Sidônio, o marqueteiro de Lula e agora seu chefe da Comunicação, contra Duda Lima, o marqueteiro de Bolsonaro e agora orientador das falas e dos vídeos de Nikolas.
É uma guerra política, na arena pública da política, a ser conduzida por políticos, com ou sem função pública e mandatos, pela militância, pelo que resta dos movimentos organizados, pelo que sobra de relevância nas OABs regionais e pelo jornalismo que chamam de alternativo ou independente. Contra toda a velha direita e o novo fascismo acumpliciados com a grande imprensa sempre golpista.
As esquerdas cansadas, sem o mesmo poder dos professores, sem estudantes, sem padres, sem a força dos líderes sindicais e comunitários e sem uma ideia que as coloque no jogo de novo, percebem que perderam a vitalidade da renovação.
Entre os anos 60 e 80, os jovens afrontaram os velhos que sustentavam a ditadura e toda forma de reacionarismo. Hoje, os jovens são deles, da direita. E os velhos na defensiva, agora chamados de idosos, são os antigos jovens das esquerdas.
E essa não é uma conversa de velhos. As eleições do ano passado mostraram que as esquerdas envelheceram. E que a direita rejuvenesceu suas bases e suas lideranças para chegar ao poder municipal em cidades de todos os portes.
É o cenário que está diante de nós. Negá-lo e condenar abordagens que possam ser consideradas saudosistas são duas reações típicas desse envelhecimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12