Ivor Abrahams, Díptico, 1981
JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR*
O PT necessita buscar rapidamente uma forma de articular suas diferentes correntes de pensamento para fazer frente aos ataques do setor rentista e a ameaça global da extrema-direita
O Partido dos Trabalhadores (PT) é uma das instituições representativas mais consistentes. Está na cena política do país e nas instâncias formais de poder no Brasil. O partido teve origem em 1980, surgindo como forte opção política de esquerda, com base no apoio dos movimentos sindicais e sociais. No seu itinerário, o partido esteve na Presidência da República por quatro vezes. Em 2023 iniciou seu quinto exercício no topo do comando executivo. Contudo, o PT experimentou momentos difíceis, quando vieram à luz casos como corrupção e o impedimento de Dilma Rousseff em 2016.
As divergências internas ao Partido dos Trabalhadores têm sido uma das principais causas enfrentadas e ainda por enfrentar. O PT é em si uma articulação de correntes distintas, por isso em diversos momentos as visões sobre o partido e sua ação estabelecem conflitos em relação aos caminhos que o PT deve ou não seguir.
Tais diferenças ainda estão evidentes e produzem muito debate no partido em razão das discussões sobre o “pacote fiscal” e a atuação do governo Lula. Um ponto tardio na discussão: o governo retirou os impostos da cesta básica. Tiro no pé, pois as igrejas fazem o mesmo há tempos. A pauta deste setor social é, agora, moral. No partido, há um divisor entre os que defendem uma postura mais alinhada às bases históricas do partido e os que defendem a necessidade de ampliar o diálogo com setores mais centristas e até mesmo de direita. Esse racha pode provocar uma ruptura no PT, colocando em posições diferentes Gleisi Hoffmann e Edinho Silva.
Há ainda, o que ficou dramaticamente claro nas eleições municipais em 2024: o fascismo continua rodando o país. Isso é assunto para muita discussão e posicionamento claro e consequente. E o PT precisa com urgência adotar novas estratégias para ampliar sua base eleitoral, em particular e com destaque, entre os trabalhadores autônomos e informais que tendem a apoiar candidatos de direita.
A crise do Partido tornou-se mais aguda com a discussão do pacote fiscal, que deu origem a desdobramentos na bancada do PT, desgastando relações com os aliados, especialmente o PSol. Causou mesmo espanto quando um dos fundadores do partido, Rui Falcão (mentor da tendência Articulação, ligado aos sindicatos), se colocou contra a posição do governo. Assim sendo, a crise no PT tem implicações profundas para o futuro do partido e da política brasileira.
Diante desse quadro, o PT necessita buscar rapidamente uma forma de articular suas diferentes correntes de pensamento para fazer frente aos ataques do setor rentista e a ameaça global da extrema-direita. Urge a adaptação às demandas políticas e econômicas e retomada da confiança de seus eleitores, muitos do quais se afastaram do partido. Cabe a ele a superação desse momento para fazer o enfrentamento da crise pela qual passa a instituição partidária. O diálogo interno no atual contexto é imprescindível, tanto quanto a formulação de políticas que atendam às necessidades da população.
Além disso, o partido precisará fortalecer suas alianças políticas e buscar novas formas de engajamento com a sociedade civil. A crise no Partido dos Trabalhadores é um reflexo das complexidades e desafios enfrentados pelo partido ao longo de sua história. As divergências internas, os desafios políticos e as implicações para o futuro do PT são questões que exigem uma abordagem cuidadosa e estratégica. O sucesso do PT em superar essa crise dependerá de sua capacidade de se adaptar e inovar, mantendo-se fiel aos princípios que o fundaram.
O Partido dos Trabalhadores (PT) ainda mantém diretórios nas periferias de São Paulo, organizados em todas as regiões da cidade. Esses diretórios zonais são responsáveis por agrupar núcleos de bairro com características e pautas semelhantes, facilitando a mobilização e a organização política local. No entanto, a eficácia e o nível de engajamento desses diretórios podem variar.
Alguns diretórios zonais continuam ativos e desempenham um papel importante na articulação de demandas locais e na promoção de políticas públicas. Outros, porém, enfrentam desafios como a falta de recursos e a dificuldade de mobilizar a população, especialmente em um contexto de mudanças na organização do trabalho e na dinâmica social.
O PT tem enfrentado dificuldades para se aproximar com os trabalhadores na nova organização do trabalho. A transição para o trabalho remoto, a gig economy e outras formas de emprego flexível criaram desafios para o partido, que tradicionalmente se baseava em sindicatos e movimentos trabalhistas mais tradicionais. Embora o PT tenha tentado adaptar suas estratégias, como ampliar o diálogo com trabalhadores autônomos e informais, a eficácia dessas iniciativas ainda é limitada. A precarização do trabalho e a falta de benefícios para muitos desses trabalhadores dificultam a mobilização e a organização política.
Outro desafio está na chamada economia dos bens simbólicos. O neopentecostalismo cresce por meio das suas franchisings na periferia das grandes cidades e no interior. O movimento é geral. Os pastores são a autoridade em tais lugares, pois tais comunidades cresceram à margem do Estado. O pastor e a igreja, muitas vezes, são os únicos refúgios seguros contra o crime organizado e a milícia. As pessoas vivem com medo e buscam acolhida nas igrejas. O pastor e seus acólitos estão diariamente ao lado destes trabalhadores.
Nesse ambiente religioso, destacam-se algumas matrizes da venda de milagres: Igrejas neopentecostais como a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Igreja Renascer em Cristo. Há muitos destes distribuidores de senhas para o paraíso espalhados por todo lugar. A “verdade está lá fora” e a realidade quotidiana é uma distopia para os excluídos. São centenas ou milhares de templos distribuídos e catalogados por todo o país.
Para eles não importam diferença de orientação sexual, preconceitos de qualquer ordem, e acolhem os mais diferentes adeptos de ideologia, tampouco se importam com direita, centro ou esquerda. O show tem que continuar e o preparam muito bem para atrair seus fiéis clientes. Além do apoio espiritual existe a materialidade necessária à vida: cestas básicas, cursos e preparação para os empregos desqualificados, incluindo uma ajuda de custo para os que mais precisam. Há concretamente uma rede de apoio dentro das comunidades ou favelas e, para completar o quadro a mídia está nas mãos de muitos deles.
A presença das igrejas neopentecostais nas periferias pode alterar as dinâmicas de poder locais. É predominante a mediação das igrejas entre a sociedade da favela e o poder local. Há comentários típicos e recorrentes: “os pastores nos ajudam todos os dias, os candidatos aparecem aqui falando bonito e se vão embora”. O paraíso implica para os destruídos a prosperidade e a mudança pessoal. Em algumas favelas os níveis de criminalidade baixos são o resultado da ação divina pregada pelos pastores, ao mesmo tempo que integram os fora da lei à sociedade.
Se podemos dizer sobre estas diferenças internas ao PT, sobre as novas demandas para afiliação e militância partidária, sobre aspectos da religiosidade popular, sobre o avanço da extrema-direita no Brasil…, também carece agregar a preocupação com os ventos ideológicos e mercadológicos no Mundo. Na geopolítica mundial, a tendência conservadora e nacionalista expande-se na Europa e nos Estados Unidos, influenciada por fatores sociais, econômicos e políticos. Na Europa, o conservadorismo fortalece-se em vários países.
Em Portugal, a direita manifesta-se, com o Chega, liderado por André Ventura, como principal partido de extrema direita. Nas eleições legislativas de março de 2024, o Chega quadruplicou sua representação parlamentar de 12 para 48 deputados. A Aliança Democrática (AD), coalizão de centro-direita, venceu as eleições com pequena margem, conquistando 79 cadeiras no Parlamento.
A ascensão da extrema direita na Espanha reflete uma tendência mais ampla na Europa, onde partidos populistas e nacionalistas ganham apoio. Contudo, a capacidade desses partidos de influenciar a política nacional e europeia ainda é limitada pelas divisões internas e pela resistência de outros partidos e eleitores.
Nas eleições legislativas de julho de 2024 na França, a Nova Frente Popular, representando a esquerda, conquistou o maior número de assentos na Assembleia Nacional, mas não alcançou a maioria. A coalizão governista de centro, liderada por Emmanuel Macron, ficou em segundo lugar, enquanto o Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, aumentou sua presença no parlamento.
Na Grã-Bretanha, as eleições gerais de julho de 2024 trouxeram mudanças significativas. O Partido Trabalhista, liderado por Keir Starmer, obteve uma vitória esmagadora, resultando na maior da história do partido. Keir Starmer prometeu guiar o país para “águas mais calmas” após 14 anos de governo conservador.
A Alemanha enfrenta desafios econômicos e crescente polarização política. Por enquanto, a situação ainda é monitorada em níveis local e global, associada à relevância da Alemanha, não apenas para a União Europeia, mas também em escala global.
No plano dos assuntos econômicos, nesses últimos 15 anos, a China tem sido o maior parceiro comercial do Brasil, o que ao longo do tempo vem aumentando seu volume. De fato, as importações chinesas do Brasil ultrapassaram 100 bilhões de dólares americanos por ano nos últimos três anos. Agricultura, comércio, investimento, ciência e tecnologia, comunicações, saúde, energia e até acordos em áreas de cultura estão entre alguns dos 37 acordos bilaterais assinados entre China e Brasil. O acordo inclui protocolos sobre exportações agrícolas, bem como projetos conjuntos em tecnologia inovadora.
Quanto ao relacionamento do Brasil com o BRICS (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul), tem sido dinâmico e o saldo bastante promissor para o ano de 2024. A adesão foi considerada um bom presságio para 2025, já que o Brasil assumirá a presidência pro tempore do BRICS, o que representa uma oportunidade excelente para aprofundar e ampliar a cooperação entre os países-membros.
Neste contexto, movimentos que se opõem à imigração e à União Europeia em uma onda nacionalista e paroquial podem ser destacados, trazendo à tona a formulação de políticas nessa linha. Esses partidos e movimentos colocam cada vez mais apoio na juventude europeia.
Nos Estados Unidos, a reeleição de Donald Trump tem sido preocupante para muitos líderes europeus porque suas políticas populistas e isolacionistas podem tornar a extrema direita mais atraente no continente. Donald Trump continua a ser uma figura central para muitos movimentos de extrema direita em todo o mundo, e seu estilo de liderança e retórica influenciam líderes de diferentes partes do mundo.
A ascensão da extrema direita não é um fenômeno isolado. Está conectada a uma rede de líderes e movimentos que compartilham ideais conservadores e nacionalistas em diferentes partes do mundo. Esse desenvolvimento tem implicações de longo alcance para a política global, sua influência na estabilidade democrática e nas relações internacionais.
Brasil
Aqui, as direitas venceram ou alcançaram notáveis percentagens dos votos. Em outras, onde o trabalho se apresenta organizado, os partidos de centro e centro-direita aparecem com condições de governabilidade. Em Minas Gerais, o Partido dos Trabalhadores (PT) teve um desempenho razoável, especialmente no interior do Estado. Em São Paulo, o Partido Social Democrático (PSD) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) conquistaram prefeituras, mostrando força no centro político. No Nordeste, confirmou-se a tendência eleitoral.
Na Bahia, o PT e o Partido Socialista Brasileiro (PSB) mantiveram uma presença, com vitórias em cidades. Em Pernambuco, o PSB continuou a ser um dos partidos, com prefeituras sob seu controle. No Pará, o MDB e o PSD também tiveram um bom desempenho, conquistando prefeituras. No Sul, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) obteve vitórias apreciáveis na esfera urbana.
Diante de uma conjuntura como esta, é urgente arrumar a casa ou alugá-la a bom preço. Um “racha” no interior do partido dos trabalhadores significa seu fim em conjuntura em que as Forças Armadas estão acuadas e prontas para a ação, em um mundo com a predominância da extrema direita no poder.
Em uma de suas últimas entrevistas, Antonio Candido manifestou-se: “Por isso, penso e digo que Lula não deve ser avaliado do ponto de vista político econômico nem ético, mas do ponto de vista histórico, como o homem que presidiu aquela missão que atenuou sensivelmente a situação de iniquidade econômica e social, que é a vergonha do Brasil.” O Lula e o PT já entraram para a história do Brasil. E agora?
*João dos Reis Silva Júnior é professor titular do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Autor, entre outros livros, de Educação, Sociedade de Classes e Reformas Universitárias (Autores Associados) [https://amzn.to/4fLXTKP]
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