sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

SÍNDROME DO DONO DO MUNDO - O excepcionalismo como essência das agressões: Estados Unidos e Israel

No caso americano, ou no caso israelense, suas excepcionalidades estão fundamentadas nas crenças de que são naturalmente superiores por direito divino, racial, epistemológico. Créditos: Ted Eytan/Creative Commons

A síndrome do dono do mundo é detectada quando um povo e país dá-se ao direito de ser a polícia do planeta e possuir a palavra final em qualquer assunto

Bruno Ribeiro Oliveira

Excepcionalismo, quando aplicado a uma nação, serve para conceituar um povo que possui direitos e deveres superiores em relação ao restante do globo. Numa hierarquia global, a nação excepcional ocupa a posição mais alta como se fosse uma liderança global. Exemplos disso existem na história.

Na Alemanha nazista, Adolf Hitler e seus seguidores acreditavam que a superioridade racial dos alemães justificava o extermínio das raças consideradas inferiores, a invasão de outros países (dado que eram países de raças inferiores), a anexação, colonização e alargamento das fronteiras alemãs. Era uma política internacional guiada pelo racismo científico com eugenia e genocídios. Para esse propósito, universidades e intelectuais de diversas áreas foram convocados para provar, defender e expor a ideia da superioridade ariana.

O nazismo era muito claro em sua lógica: acreditavam-se superiores e, por serem superiores, podiam cometer qualquer ato porque todos os outros não possuíam as mesmas capacidades. O dito superior não precisa argumentar com os supostos inferiores porque esses nem ao menos possuiriam essa capacidade. Esse tipo de lógica persiste nas relações internacionais entre os povos, ainda que por outros meios.

O excepcionalismo já foi atrelado às cruzadas e a conversão quando a Espanha e Portugal dividiram o mundo entre si. Já foi usado como missão civilizadora quando as antigas potências europeias invadiram e colonizaram a África em fins do século XIX. E, também, quando a excepcionalidade Ocidental, racional e epistemológica, decidiu que africanos negros poderiam e deveriam ser escravizados. De modo geral, essa crença é inimiga da igualdade entre os povos.


O primeiro é o excepcionalismo americano, formado numa mistura de povo escolhido por Deus, extermínio indígena, branqueamento, imperialismo e colonização sobre a América do Norte e a América Latina, o Pacífico, e até a Europa ocidental (depois da Segunda Guerra Mundial) e da Europa do leste (depois da Guerra Fria). Trata-se do fenômeno mais acentuado da metade do século XX e início do XXI.

Washington desenvolveu uma ideologia própria de superioridade que, ao longo do tempo, escondeu o seu caráter racial (nunca realmente eliminou o racismo de suas decisões). Essa crença está por trás das decisões tomadas que justificam e levam à golpes de estado, invasões militares, bloqueios econômicos, auxílio militar para autocracias e cria uma síndrome do dono do mundo. Tal síndrome é detectada quando um povo e país dá-se ao direito de ser a polícia do planeta e possuir a palavra final em qualquer assunto, chegando ao ponto de confundir os seus interesses com o interesse de todos no planeta.

Ocorre que, no fundo, o excepcionalismo americano não atua fora da mesma lógica do alemão. Mesmo que o caráter racial não seja o principal, Washington entende que, por ser a nação indispensável, o povo escolhido por Deus para liderar o mundo livre, para ela é natural criar uma hierarquia entre os superiores estadunidenses e os restantes inferiores que não tiveram a sorte de ser escolhido por um ser supremo.

É por esse motivo que os Estados Unidos não possuem, nem nunca possuirá aliados ou países que possam dialogar de forma igual consigo. Os outros países são apenas subalternos (como os membros da OTAN), irracionais (como a Rússia) ou simplesmente não conseguem fazer nada direito (como Cuba). Por isso precisam do auxílio americano (seja uma invasão militar para democratizar, contenção militar ou econômica para ensinar bons modos, ou eleições fraudadas para que candidatos “errados” não sejam eleitos).

Com um poder excepcional não existe diálogo, apenas subalternidade. O excepcionalismo é a morte do diálogo nas relações internacionais. O povo escolhido precisa fazer aquilo que é certo dentro de sua lógica e sem ouvir ninguém mais. Os outros não tiveram a chance de ser escolhidos pelo destino, por Deus ou por uma profecia, como é o caso de Israel.

Israel é outro caso de crença na excepcionalidade da nação. O Estado é guiado pela ideia da superioridade do povo judeu contra os povos inferiores que habitam as suas fronteiras. Dado que Israel é superior (dentro de suas crenças), não pode haver diálogo ou qualquer tipo de relação do mesmo nível com seus vizinhos. Como essa verdade está dentro da cabeça de homens como Benjamin Netanyahu, é justificável anexar territórios de outros países, colonizar as terras prometidas por Deus com total indiferença aos seus reais habitantes, explodir milhares de crianças e manter o exército mais racista do mundo.

Seja no caso americano, ou no caso israelense, suas excepcionalidades estão fundamentadas nas crenças de que são naturalmente superiores por direito divino, racial, epistemológico (só eles sabem pensar racionalmente) e, ainda, pela ideia de que possuem uma missão a cumprir na terra (seja qual for).

Suas crenças se manifestam em seus valores e sistemas de organização da vida (somente o capitalismo, as democracias liberais e a liderança americana são aceitáveis). O efeito dessa crença é a hierarquização do mundo em povos, raças e formas de pensamentos que fornecem o direito de intervenção deles sobre os “inferiores” restantes que formam o globo terrestre.

Não existe diálogo em hierarquias. Os excepcionais não podem se rebaixar ao nível dos irracionais, das nações e dos povos sem passado e futuro que não seja guiado pelos Estados Unidos ao nível mundial, e ao desejo expansionista de Israel no Oriente Médio. Por isso se pode praticar com tanta facilidade a mentira e a traição uma vez que a irracionalidade dos inferiores não permite nenhum cometimento.

A excepcionalidade também permite hierarquizar as vidas e os locais que não interessam a esses dois países (dois pesos e duas medidas). Criam-se mortos que importam (as vítimas do ataque do Hamas em outubro de 2023) e mortos que não importam (os palestinos, por exemplo).

Não se deve esquecer que eles possuem a certeza de que seus interesses são mais puros e necessários do que o interesse dos outros. De outra forma, só o que eles pensam é sério e verdadeiro, do outro lado só há bestialidade e obscuridade. Ao se pensar nas relações internacionais, nas políticas internas e no desenvolvimento e preservação das ideologias desses países, o observador nunca deve esquecer que está a lidar com países que possuem na essência, como se diz por aí, de se acharem melhor do que os outros.


Bruno Ribeiro Oliveira é doutor em História e Artes pela Universidade de Granada.



 

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