Lula
pediu aos colombianos que não se deixem seduzir pela ladainha dos meios de
comunicação que estimulam a despolitização e a ojeriza às ações coletivas.
Darío
Pignotti, enviado especial a Medellín // www.cartamaior.com.br
Uma
hora antes do começo do discurso de Lula em Medellín, na noite desta
terça-feira (10/11), já não havia mais lugares disponíveis no auditório da
Praça Maior. As centenas de jovens universitários que não puderam ingressar
acompanharam sua participação em telas gigantes instaladas em um anfiteatro,
numa suave noite da cidade encravada entre serras de vegetação espessa.
Lula
foi interrompido por ovações várias vezes. Por exemplo, quando denunciou a onda
golpista contra governos progressistas e ao defender as negociações de paz
entre as guerrilhas das FARC e o governo colombiano.
“Vejam
o que está ocorrendo na América Latina, na América do Sul, estamos sentindo um
certo cheiro de retrocesso, porque tem muita gente que não aceita as políticas
que permitem a ascensão social, muita gente incomodada porque a filha da
empregada doméstica se formou em medicina (…) essas coisas incomodam as elites
da Argentina, do Uruguai, do Chile, de vários países sul-americanos. No Brasil,
os aeroportos estão cheios, e há pessoas indignadas porque dizem que eles agora
parecem rodoviárias”.
O
ex-mandatário brasileiro deu seu discurso na abertura da Conferência anual do
Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO), numa cerimônia
encabeçada pelo diretor-geral da entidade, o doutor Pablo Gentili.
A
visita de Lula mereceu uma importante repercussão nos meios colombianos, não só
por seu prestígio no país, mas também porque a conferência do CLACSO se realiza
numa capital regional como Medellín, bastião político dos paramilitares, narcos
(foi o feudo de Pablo Escobar) e do ultradireitista Álvaro Uribe, o
ex-presidente que encabeça a campanha contra as negociações de paz entre os
guerrilheiros das FARC e o governo colombiano, em Havana – conversas marcadas
por avanços importantes, como o compromisso alcançado em setembro passado, por
Juan Manuel Santos e pelo comandante Timochenko, para que a paz definitiva seja
assinada no próximo 23 de março.
“Reafirmo
meu total apoio ao processo de paz que a Colômbia vive hoje, e quero felicitar
o corajoso processo de negociação que se projeta como desafio, para construir
um futuro de justiça e liberdade para esse país”, destacou Lula, e lembrou que,
“no mês passado, a presidenta Dilma fez uma visita (de Estado) a este país e
também manifestou seu total apoio ao processo de paz”.
Suas
palavras foram respaldadas por aplausos de dois ex-guerrilheiros ali presentes:
o ex-presidente uruguaio José Pepe Mujica, ex-membro do Movimento de Liberação
Nacional Tupamaros, e o prefeito de Bogotá, Gustavo Petros, ex-integrante da já
dissolvida guerrilha M-19.
A
organização de Petros deixou as armas nos Anos 80, para formar a agrupação
política Aliança Democrática, que lançou, em 1990, seu primeiro candidato a
presidente, seu ex-líder Carlos Pizarro Leongómez – que terminou não disputando
eleições, apesar dos seus altos índices de aprovação, porque grupos ligados ao
narcotráfico e aos paramilitares o assassinaram antes do dia da votação.
Essa
não foi a única experiência frustrada dos guerrilheiros que passaram à vida
política.
Membros
das FARC optaram pela disputa eleitoral em meados dos Anos 80, quando formaram
a União Patriótica, agrupação que teve dezenas de prefeitos e deputados, e alguns
senadores eleitos. Porém, logo foi literalmente exterminada pelos paramilitares
e narcotraficantes, que assassinaram cerca de 5 mil membros do partido, que
finalmente desapareceu como força com peso na vida política nacional.
“Jovens,
façam política”
Em
seu discurso, Lula pediu aos jovens colombianos que não se deixem seduzir pela
ladainha dos meios de comunicação que estimulam a despolitização e a ojeriza às
ações coletivas, como as organizações sociais e sindicais. “Queridos rapazes e
garotas, não acreditem nas bobagens que a imprensa diz sobre o nosso
continente. A maior oposição aos governos progressistas hoje é a imprensa do
nosso continente. Essa imprensa fomenta a despolitização, e o que vocês devem
fazer é rejeitar isso, não cair na conversa da negação da política. Quando nos
negamos a fazer política deixamos que outros façam, e o que vem depois é muito
pior. Tenham cuidado com os que falam contra a política. Não existe nenhuma
saída fora da política”.
“Quando
nenhum político servir para nada, quando houver desconfiança em todos os
políticos, ainda restará uma oportunidade, a oportunidade de vocês ingressarem
na política, porque vocês, com 20 e 25 anos, são os que governarão amanhã. A
desgraça de quem não gosta da política é que será governado por quem gosta de
fazer política”.
“Mujica
está com 80 anos e eu com 70, somos parte do século passado, vocês são o Século
XXI. Por favor, tenham coragem, sejam perseverantes, assumam o controle dos
partidos, dos movimentos sociais, voltemos à paixão dos Anos 60”.
“Se
um ex-preso político como Mujica chegou à presidência, se um operário como eu
chegou à presidência, se um índio como Evo chegou. Então, façam essa pergunta:
por que vocês mesmos não podem chegar?”, apontou o líder brasileiro, e os jovens
responderam com um sonoro “olê, olê, olê, olá, Lula, Lula…”.
No
auditório, havia centenas de intelectuais latino-americanos, entre eles, alguns
que foram premiados ontem por sua contribuição com o pensamento crítico, como
os economistas Theotônio dos Santos, brasileiro, e Aldo Ferrer, argentino.
“Devemos
ter paixão pela América do Sul, paixão pela integração, a mesma paixão que os
nossos libertadores tiveram no Século XIX. A integração não é somente
comercial, a integração necessita da participação da sociedade, de mais
confiança uns nos outros, de combater o clima de desconfiança”, enfatizou Lula.
E
mencionou os subsídios da intelectualidade de esquerda na formulação dos
programas do PT, nos quatro governos do partido no Brasil.
Theotônio
dos Santos
“Esta
noite pudemos ver uma vez mais a admiração que os colombianos têm por Lula, por
sua história de vida, por sua luta sindical, seu compromisso político com a
América Latina, pelas políticas sociais de seus governos” declarou Theotônio
dos Santos à Carta Maior.
“O
que se viu hoje, com as pessoas que encheram este auditório de Medellín, é
parecido ao que vimos há dois meses numa universidade da Argentina, onde as
pessoas receberam o Lula com uma extraordinária simpatia e admiração, eu fui
testemunha dessa recepção, numa universidade da Grande Buenos Aires”, lembrou.
“Em
todos os lugares por onde passa, Lula é recebido como uma celebridade.
Indiscutivelmente, é o maior líder da América Latina, apesar das campanhas de
desprestigio contra ele nos meios privados de comunicação do Brasil”, disse o
professor emérito da Universidade Federal Fluminense.
E
concluiu: “creio que já quase ninguém duvida da estatura internacional e da
popularidade de Lula, apesar de que essa realidade não vai agradar o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso”.
Tradução:
Victor Farinelli
Créditos
da foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
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