Ao recusar um posto no ministério da presidenta Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula produziu um raro momento de grandeza na cena política brasileira. Lula considera indigno de sua história buscar, no foro privilegiado, o salvo-conduto contra as arbitrariedades da hora. Virar ministro seria criar um constrangimento para o governo e para a presidenta.
Por Ricardo Amaral // http://plantaobrasil.net/
Ao recusar um posto no ministério da presidenta Dilma
Rousseff, o ex-presidente Lula produziu um raro momento de grandeza na cena
política brasileira. Lula considera indigno de sua história buscar, no foro
privilegiado, o salvo-conduto contra as arbitrariedades da hora. Virar ministro
seria criar um constrangimento para o governo e para a presidenta. E isso Lula
não fará jamais. É assim que se comporta um líder, que não precisa de cargos
para exercer a política e dispensa refúgio para a dignidade afrontada.
Na plena vigência do estado de direito, Lula não teria nada
a temer. Não cometeu nenhum crime, antes, durante ou depois de governar o País.
Sua atividade como palestrante é o resultado da projeção internacional que
conquistou. Recolhe impostos pelo que ganha licitamente. Não faz lobby,
consultoria nem intermediação de negócios. O Instituto Lula não recebe dinheiro
público, nem direta nem indiretamente. Mas, e daí?
No ambiente de terror policial insuflado pela oposição e
pela mídia, Lula tornou-se alvo de toda sorte de violência. Agentes do terror
lançaram uma bomba na sede do Instituto Lula. Agentes do Estado, que deveriam
estar submetidos à Lei e à hierarquia, quebraram ilegalmente o sigilo bancário
do ex-presidente e de um de seus filhos. As pegadas sujas do crime estão nas
páginas de uma revista sórdida esta semana. Quebraram o sigilo de suas
comunicações e, ao invés de denunciá-la, parte da imprensa associou-se à
meganha bandida.
Há fortes motivos para crer que o próximo passo seja
submeter Lula aos métodos parajudiciais da República de Curitiba: o mandado
cego de busca; a condução coercitiva para mero depoimento; a prisão
“preventiva” pela simples razão de que o sujeito está solto. Os vazamentos
seletivos dos últimos dias desmoralizaram as negativas formais do juiz e dos
promotores da Lava Jato: Lula é, sim, o alvo cobiçado da operação. Não para ser
processado, pois não há acusação contra ele, mas para ser humilhado diante das
câmeras.
No estado de exceção a que se encontra sujeita uma parte do
País, ninguém poderia negar razão a Lula caso aceitasse a oferta solidária e
leal da presidenta Dilma. Ministro, ele estaria a salvo das arbitrariedades da
primeira instância e do terror policial-midiático. Mas Lula não é um
ex-presidente qualquer – e nisso é preciso concordar, por razões opostas, com o
autor original da frase: Merval Pereira.
O imortal do Globo sustenta que Lula não pode ser tratado
como um cidadão de pleno direito, porque continua sendo um líder muito
influente cinco anos depois de ter deixado o Planalto. Trapaça da história: o
promotor que denunciou Lula na LSN por um discurso contra a ditadura, em 1980,
também sustentou que a ameaça à segurança nacional não estava exatamente nas
palavras do metalúrgico, mas na influência que ele exercia sobre as plateias.
De volta ao imortal: Lula não pode fazer palestras para
empresas contratadas pelo governo (Merval talvez ignore que seu patrão, o
Infoglobo, que tem contratos milionários com o governo, já contratou palestra
de Lula). O Instituto Lula não pode receber doações empresariais (só o Instituto
FHC pode, e pode até receber doação da estatal tucana Sabesp). Lula não pode
encontrar governantes estrangeiros (embora seja o brasileiro mais respeitado ao
redor do mundo). E, se isso fosse possível, Lula não poderia fazer política.
Este raciocínio autoritário, parcial e preconceituoso
sustenta as torpezas cometidas contra Lula (e contra a verdade) pelos veículos
e colunistas amestrados sob influência do sublacerdismo tosco e tardio que
emana da rua Irineu Marinho. É o que explica as manchetes mentirosas atribuindo
a Lula a propriedade de um apartamento que ele não tem, os “voos sigilosos” (em
aviões invisíveis?), as “reuniões secretas” (em auditórios públicos, com
cobertura da imprensa), os telegramas oficiais grosseiramente manipulados para
virar notícia.
Lula é atacado justamente por ser o mais influente líder
popular que o Brasil já conheceu. E por ser o maior obstáculo ao projeto
regressista e conversador que, frustrada a aventura golpista, por suas
contradições políticas e econômicas, precisa eliminar a liderança de Lula antes
das eleições de 2018. A Pax Marinho, que ninguém se engane, é um movimento das
elites econômicas para garantir a estabilidade necessária ao ambiente de
negócios. Não é um pacto para preservar Dilma. E muito menos, para preservar
Lula.
O que preserva Lula é sua liderança, sua coerência e seu
caráter. Ao recusar o ministério, Lula promoveu um magnífico contraste com
personagens políticos, institucionais e midiáticos nesta que é a mais rebaixada
quadra da disputa política desde a redemocratização. Enquanto alguns ousam
sequestrar instituições, para salvar a pele ou perseguir adversários, e outros
se omitem de suas responsabilidades republicanas, por covardia ou conveniência,
Lula decidiu simplesmente portar-se com dignidade.
A recusa de Lula é um gesto fundamentalmente moral. É
corajoso, porque arrosta a arbitrariedade, e desprendido, porque preserva a
presidenta. É mais uma lição do ex-retirante, ex-engraxate, ex-metalúrgico,
ex-sindicalista para a educação política desta e de outras gerações. Isso é
incompreensível para os abutres que tentam medi-lo pela régua de seu próprio e
mesquinho caráter. Lula não é mesmo um ex-presidente qualquer. Lula é um líder.
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