Decisões do STF provocam clima de insegurança jurídica
Nos últimos dias cresceram as
manifestações pela imprensa de advogados e executivos de empresas e bancos
preocupados com os caminhos, as escolhas e as decisões da maioria dos juízes do
Supremo Tribunal Federal no decorrer do julgamento da Ação Penal 470, que
estariam criando um clima de insegurança jurídica, especialmente por causa do
uso feito da teoria do domínio do fato. Uma pergunta repetida é: a
jurisprudência originada neste julgamento vai se aplicar a todos daqui para
frente ou ela só vale para os réus do "mensalão"?
Marco Aurélio Weissheimer
Publicação do Carta Maior
Porto Alegre - Uma reportagem
publicada no jornal Valor Econômico, no dia 13 de novembro, trouxe a público o
que vinha sendo tema de preocupadas conversas em gabinetes de executivos de
empresas e bancos e também em escritórios de advocacia: os caminhos, as
escolhas e as decisões da maioria dos juízes do Supremo Tribunal Federal (STF)
no decorrer do julgamento da Ação Penal 470 estão alimentando um clima de
insegurança jurídica neste meio, revela a reportagem intitulada “Jurisprudência
do mensalão deixa bancos e empresas apreensivos”, de Cristine Prestes e Laura
Ignacio. “Qualquer executivo, a partir do mensalão, vai estar muito mais
preocupado em assinar qualquer liberação de recursos para evitar o que aconteceu
no caso do Banco do Brasil e do Banco Rural, diz um executivo de uma
multinacional que pediu para não ser identificado.
Outro executivo, que também
preferiu não ser identificado, disse na mesma matéria: “O risco aumentou, e
aumentou muito, porque agora qualquer administrador pode ser condenado por
lavagem de dinheiro, sem que tenha tido a intenção de cometer o crime”. Um dos
principais motivos de preocupação entre executivos de empresas e de bancos,
revela a reportagem, está ligado ao uso que o Supremo Tribunal Federal fez da
chamada teoria do domínio do fato.
“Usada pela primeira vez pela
Corte para basear uma condenação criminal, ela permite que se atribua
responsabilidade penal a quem pertence a um grupo criminoso, mas não praticou
diretamente o delito porque ocupava posição hierárquica de comando”, diz a
reportagem, lembrando que essa foi a teoria usada para condenar, por corrupção
ativa e formação de quadrilha, o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu.
Ainda segundo a mesma reportagem,
o temor de advogados e empresários é que essa leitura da teoria passe a motivar
uma série de processos por crimes econômicos contra executivos e gerentes, pela
função hierárquica que ocupem nas empresas eventualmente acusadas desses
crimes.
Bancos apreensivos
Um dia depois do Valor, foi a vez
da Folha de S. Paulo publicar uma matéria afirmando que “a punição rigorosa no
mensalão está deixando os bancos apreensivos”. “A pena aplicada pelo Supremo
Tribunal Federal a Kátia Rabello (16 anos e 8 meses de prisão), dona do Banco Rural,
já está levando a uma reviravolta no setor financeiro e entre as empresas que
usam o mercado de capitais para tomar empréstimos”, diz a reportagem assinada
por Júlio Wiziack, que conversou com advogados, empresários e bancários, que,
assim como aconteceu na reportagem do Valor, só aceitaram falar sob a condição
do anonimato.
Defensor de Kátia Rabello, o
advogado José Carlos Dias, criticou o tamanho da pena. “Não foi ela quem
concedeu os empréstimos. Foi responsável apenas pela renovação de um deles, sem
que houvesse desembolso de dinheiro novo”. A pena de 16 anos e 8 meses de
prisão, dada pelos juízes do STF, foi baseada na chamada “teoria da cegueira
deliberada”. Segundo ela, o gerente ou diretor de um banco não pode liberar
recursos que, posteriormente, serão usados em crimes e dizer que “não sabia”.
Para o mercado, diz a matéria da Folha, “isso levará a estruturas jurídicas
maiores e mais rigorosas porque, de antemão, será preciso vasculhar a vida do
cliente e do destinatário”. Isso elevaria os custos e o tempo das operações,
que ficariam mais demoradas.
Esse temor, como observa a
reportagem do Valor, foi externado durante o próprio julgamento pelo ministro
revisor do processo, Ricardo Lewandowski: “Preocupa-me como os 14 mil juízes
brasileiros vão aplicar essa teoria se essa Corte não der parâmetros para sua
aplicação”. A teoria do domínio do fato é um risco para o ambiente de negócios,
disse ao Valor o advogado Eduardo Salomão, sócio do escritório Levy &
Salomão Advogados, que presta consultoria jurídica para empresas e mais de 80
instituições financeiras nacionais e estrangeiras. Esse temor é agravado pela
leitura que o STF fez da teoria do domínio de fato. Leitura esta que foi
criticada por um de seus estudiosos, o jurista alemão Claus Roxin, em
entrevista à Folha de S. Paulo.
Um mau uso da teoria do domínio
de fato
Claus Roxin criticou o uso dessa
teoria para fundamentar a condenação de um acusado apenas pelo fato de sua
posição hierárquica, tal como foi feito pelo Supremo Tribunal Federal
brasileiro. “A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o
domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção (“dever de
saber”) é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso de
Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os
sequestros e homicídios realizados. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma
organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem”, afirmou
o jurista, criticando o que qualificou como “um mau uso da teoria do domínio do
fato.
Roxin também condenou a publicidade
e a pressão midiática exercida sob o julgamento. “Na Alemanha, temos o mesmo
problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações
severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao
direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública”.
A polêmica sobre os bônus de
volume
Outro setor preocupado é o
publicitário, por causa da interpretação que o STF fez do mecanismo do bônus de
volume. Cinco réus foram denunciados, entre outros crimes, pela prática de
peculato referente a desvios dos chamados “bônus de volume” (BV), a comissão
paga pelos meios de comunicação às agências de publicidade, conforme o volume
de propaganda negociado entre eles.
O ex-diretor de Marketing do
Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, e os sócios da DNA Propaganda, Marcos
Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, foram acusados de permitir que a
agência se apropriasse de R$ 2,9 milhões repassados como bônus de volume pelos
veículos de comunicação. O ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha, foi
acusado de possibilitar que a agência SMP&B, dos mesmos sócios, ficasse com
os R$ 2,1 milhões dos Bônus de Volume decorrentes da publicidade feita pela
casa.
Fontes do mercado publicitário,
consultadas pela reportagem da Carta Maior em setembro deste ano, estimaram
que, atualmente, cerca de 60% ou 70% do faturamento das agências provenham do
BV. A Rede Globo é a maior pagadora do bônus e especula-se que, em 2010, tenha
repassado cerca de R$ 700 milhões às agências por meio deste mecanismo. A
Editora Abril, que possui o maior faturamento na mídia impressa, teria
desembolsado aproximadamente R$ 75 milhões. O que aconteceria se as empresas
públicas, a partir das decisões do STF sobre o tema, começassem a pedir a
devolução retroativa de bônus de volume pagos às agências de publicidade?
Além disso, o debate sobre o tema
no STF expôs essa prática como instrumento que favorece a concentração das
inserções publicitárias em alguns poucos veículos, reforçando o oligopólio da
mídia. Críticas e fiscais permanentes da destinação de verbas publicitárias
públicas para a chamada “mídia alternativa”, as grandes empresas de comunicação
têm as suas caixas pretas nesta área, de cujo conteúdo os BV são apenas uma
parte. De quanto é, afinal, a participação do setor público (em publicidade,
pagamento de bônus ou financiamentos via bancos públicos) na sustentação
financeira de grandes grupos midiáticos como Abril, Globo, RBS ou Folha de S. Paulo?

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