Gerei contrariedade em alguns leitores ao sustentar na última coluna que
greves em serviços públicos essenciais, como saúde e educação, são agressões à
sociedade que só se explicam por serem uma espécie de contrapartida à proibição
absoluta de greves na ditadura. Volto ao assunto porque considero essas
questões como parte de um problema maior.
J. Carlos de Assis
Carta Maior
Gerei contrariedade em alguns leitores ao sustentar na última coluna que
greves em serviços públicos essenciais, como saúde e educação, são agressões à
sociedade que só se explicam por serem uma espécie de contrapartida dialética à
proibição absoluta de greves na ditadura. Também houve quem se contrapôs às
minhas críticas às intervenções do TCU no sentido de paralisar obras públicas
em andamento sob o pretexto de que isso evita a corrupção. E falei também das
prerrogativas exorbitantes do Ministério Público quando invade atribuições
específicas da polícia ao assumir diretamente investigações.
Volto ao assunto porque considero essas questões como parte de um
processo que afeta o foco dos problemas brasileiros atuais, a saber, o fraco
desempenho econômico este ano. Inicialmente, vamos ver a questão da greve no
serviço público. Tomemos como referência a greve no setor privado: esta é uma
iniciativa que ameaça atingir o interesse econômico do patrão a fim de
convencê-lo a ceder numa negociação coletiva. Tudo bem. Mas quem é o patrão do
servidor público? Ao que eu saiba, é a sociedade. O Governo é apenas um
intermediário. A greve visa a forçar o Governo a destinar recursos
orçamentários adicionais para as categorias grevistas. Quem dá a última palavra
no orçamento é o Congresso.
Entretanto, a vítima direta da greve é a sociedade. Numa democracia, em
tese, só se força o Executivo a fazer alguma coisa mediante uma articulação no
Parlamento. Se esta falha, esperam-se as próximas eleições.
Esta é a regra do jogo. Negar à sociedade um serviço público essencial
em nome de reivindicações corporativas não tem nada a ver com democracia. É uma
agressão ao Estado de bem estar social que se tenta construir a duras penas e
cujo instrumento central é o serviço público. Claro, os servidores têm todo direito
de recorrer a diferentes instrumentos de pressão, notadamente os políticos. Mas
greve é um excesso - mesmo porque, na prática, raramente é eficaz. Vide as
últimas.
Vamos aos controles contra a corrupção, inclusive pelo TCU: a coisa mais
ingênua, para não dizer a mais idiota para combater a corrupção são os chamados
controles preventivos superpostos. Isso não existe. Você não pode criar
instrumentos legais e procedimentos administrativos que evitem toda a prática
de corrupção mesmo que construa uma máquina burocrática gigantesca para isso.
Sempre haverá quem contorne os controles. O resultado, quando se insiste nisso,
é fazer com que a ação em geral descoordenada e não raro comandada pela vaidade
de múltiplos órgãos controladores e fiscalizadores esmague a capacidade de
execução de obras e projetos pelo Executivo. Só existe controle a posteriori.
Em todo o mundo, as obras públicas são fiscalizadas (na maioria das
vezes por amostragem) depois de concluídas. Se houver suspeita de corrupção,
denunciam-se e prendem-se os responsáveis, promovendo o devido processo de
ressarcimento. No nosso caso, o TCU tem-se arrogado o direito de mandar parar
obras e anunciar isso publicamente antes de enviar seu relatório ao Congresso
(com o presidente da Câmara Marco Maia, parece que isso vai mudar, e o TCU
voltaria a ser um órgão de assessoria do Congresso, e não um órgão judicial,
como ele pensa que é).
Os espertos que pensam que fiscalizar obras em execução é uma forma de
evitar a corrupção se informem com as empreiteiras sobre o que é negociar com o
TCU a formatação dos editais de concorrência. E não foi justamente no TCU que
os irmãos Vieira, da operação Porto Seguro, foram encontrar alguém para dar um
parecer encomendado? Não gosto de fazer acusações genéricas, mas posso
assegurar, com minha experiência de jornalista econômico de quarenta anos, que
não é no TCU que se encontram os funcionários mais honestos da administração
pública brasileira.
Quanto ao Ministério Público, é sobretudo um problema de afirmação e de
vaidade de jovens promotores e procuradores que querem mostrar serviço. É
impressionante a precariedade dos fundamentos de muitas de suas iniciativas
para paralisar obras. Como têm poder de iniciativa legal, e como costumam
encontrar juízes movidos pelos mesmos sentimentos de afirmação e vaidade,
tornaram-se um instrumento de bloqueio da administração pública e de prejuízo
para o bem-estar geral por puro exibicionismo.
O pífio crescimento da economia este ano deve-se, em grande parte, a
esse bloqueio. Todo mundo tenta e consegue parar obras em andamento – portanto,
depois da licitação, das audiências públicas e dos acordos com os interessados.
É o Ministério Público, é o TCU, é a própria Corregedoria da União, são os
índios e quilombolas, é o pessoal da arqueologia (eles consideram como de valor
arqueológico sítios de 100 anos de idade, o que é uma barbaridade), todos se
acham no direito de negar à sociedade as obras que o Executivo propôs e o
Congresso aprovou no sentido de melhorar as condições de vida dos brasileiros.
Um ponto adicional: Façam o seguinte exercício – ponham numa coluna o
valor estimado da corrupção para um conjunto de obras paralisadas, e na outra o
valor real e moral da perda pela sociedade relativa às mesmas obras paralisadas
pelo mesmo tempo. Verão que o valor da perda por paralisação é maior!
(*) Economista e professor da UEPB, presidente do Intersul, autor junto
com o matemático Francisco Antonio Doria do recém-lançado “O Universo
Neoliberal em Desencanto”, Ed. Civilização Brasileira. Esta coluna sai às
terças também no site Rumos do Brasil e no jornal carioca Monitor Mercantil.

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