27/01/2013
Em um país onde só 8% da população declaram não seguir uma religião, os templos dos mais variados cultos registraram uma arrecadação bilionária nos últimos anos.
Apenas em 2011, arrecadaram R$ 20,6 bilhões, valor superior ao orçamento de 15 dos 24 ministérios da Esplanada --ou 90% do disponível neste ano para o Bolsa Família.
A soma (que inclui igrejas católicas, evangélicas e demais) foi obtida pela Folha junto à Receita Federal por meio da Lei de Acesso à Informação. Ela equivale a metade do Orçamento da cidade de São Paulo e fica próxima da receita líquida de uma empresa como a TIM.
A maior parte da arrecadação tem como origem a fé dos brasileiros: R$ 39,1 milhões foram entregues diariamente às igrejas, totalizando R$ 14,2 bilhões no ano.
Além do dinheiro recebido diretamente dos fiéis (dos quais R$ 3,47 bilhões por dízimo e R$ 10,8 bilhões por doações aleatórias), também estão entre as fontes de receita, por exemplo, a venda de bens e serviços (R$ 3 bilhões) e os rendimentos com ações e aplicações (R$ 460 milhões).
Sérgio Lima/Folhapress
Lucilda da Veiga paga dízimo com cartão de débito em igreja evangélica de Brasília
"A igreja não é uma empresa, que vende produtos para adquirir recursos. Vive sobretudo da doação espontânea, que decorre da consciência de cristão", diz dom Raymundo Damasceno, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
Entre 2006 e 2011 (último dado disponível), a arrecadação anual dos templos apresentou um crescimento real de 11,9%, segundo informações declaradas à Receita e corrigidas pela inflação.
A tendência de alta foi interrompida apenas em 2009, quando, na esteira da crise financeira internacional, a economia brasileira encolheu 0,3% e a entrega de doações pesou no bolso dos fiéis. Mas, desde então, a trajetória de crescimento foi retomada.
Editoria de Arte/Folhapress
IMPOSTOS
Assim como partidos políticos e
sindicatos, os templos têm imunidade tributária garantida pela Constituição.
"O temor é de que por meio de
impostos você impeça o livre exercício das religiões", explica Luís
Eduardo Schoueri, professor de direito tributário na USP. "Mas essa
imunidade não afasta o poder de fiscalização do Estado."
As igrejas precisam declarar anualmente
a quantidade e a origem dos recursos à Receita (que mantém sob sigilo os dados
de cada declarante; por isso não é possível saber números por religião).
Diferentemente de uma empresa, uma
organização religiosa não precisa pagar impostos sobre os ganhos ligados à sua
atividade. Isso vale não só para o espaço do templo, mas para bens da igreja
(como carros) e imóveis associados a suas atividades.
Os recursos arrecadados são
apresentados ao governo pelas igrejas identificadas como matrizes. Cada uma
delas tem um CNPJ próprio e pode reunir diversas filiais. Em 2010, a Receita
Federal recebeu a declaração de 41.753 matrizes ou pessoas jurídicas.
PENTECOSTAIS
Pelo Censo de 2010, 64,6% da população
brasileira são católicos, enquanto 22,2% pertencem a religiões evangélicas.
Esse segmento conquistou 16,1 milhões de fiéis em uma década. As que tiveram
maior expansão foram as de origem pentecostal, como a Assembleia de Deus.
"Nunca deixei de ajudar a igreja,
e Deus foi só abrindo as portas para mim", diz Lucilda da Veiga, 56,
resumindo os mais de 30 anos de dízimo (10% de seu salário bruto) à Assembleia
de Deus que frequenta, em Brasília.
"Esse dinheiro não me pertence. Eu
pratico o que a Bíblia manda", justifica.
DE BRASÍLIA
A arrecadação das igrejas em Estados do
Nordeste cresceu quase o triplo da média nacional nos últimos anos.
No período de 2006 a 2011, o volume
declarado pelos templos religiosos de todas as denominações religiosas nessa
região aumentou 35,3% --um salto de R$ 1,45 bilhão para quase R$ 2 bilhões.
Ao mesmo tempo, o crescimento da
arrecadação em todos os Estados da Federação se limitou a 11,9%.
O ritmo mais acelerado foi
impulsionado, principalmente, pelos Estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba
--que registraram evolução de receita de 130% e 60,3% nesse período,
respectivamente.
De acordo com o Censo de 2010, a região
Nordeste é a mais católica do país: 72,2% da população diz seguir a religião.
No Brasil, esse percentual é de 64,6%. Ao mesmo tempo, porém, a região segue o
movimento de queda de católicos de outras áreas --e de crescimento evangélico.
Em 2000, 10,3% da população do Nordeste
declararam ser evangélicos. Em 2010, o índice subiu para 16,4%.
domínio do sudeste
domínio do sudeste
Editoria de
Arte/Folhapress
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Os quatro Estados da região
concentraram quase R$ 14 bilhões do montante de R$ 20,6 bilhões informado à
Receita Federal em 2011.
Somente São Paulo responde por
praticamente metade de toda a arrecadação do segmento religioso no Brasil --R$
10,2 bilhões.
É no Estado, aliás, que estão alguns
dos maiores templos religiosos e onde se concentram as principais obras de
expansão das igrejas.
No final do ano passado, por exemplo, o
padre Marcelo Rossi inaugurou o Santuário Theotokos - Mãe de Deus na região de
Interlagos, na zona sul da capital paulista.
Ele poderá abrigar 100 mil fiéis quando
estiver totalmente pronto --sendo considerado o maior espaço católico no país.
Na abertura, ainda incompleto, reuniu em uma missa 50 mil pessoas, de acordo
com estimativa da Guarda Civil Metropolitana.
Também é na capital paulista que a
Igreja Universal do Reino de Deus planeja construir uma réplica do Templo de
Salomão, na zona leste.
A previsão é que a igreja ocupe 70 mil
metros quadrados de área construída. O espaço poderá abrigar 10 mil pessoas
sentadas.
Depois do Estado de São Paulo, as
maiores arrecadações das igrejas no país estão no Rio de Janeiro, Rio Grande do
Sul e Paraná.
O Centro-Oeste também registrou
crescimento expressivo de arrecadação religiosa --o volume subiu de R$ 1 bilhão
para R$ 1,3 bilhão (variação de 32,89%).
Entre 2006 e 2011, apenas as
organizações religiosas da região Sul tiveram queda no valor arrecadado --de
pouco menos de 19%.
CENSO
Os números do último Censo do IBGE mostraram que o catolicismo perdeu 1,7 milhão de adeptos no Brasil entre os anos de 2000 e 2010.
Os números do último Censo do IBGE mostraram que o catolicismo perdeu 1,7 milhão de adeptos no Brasil entre os anos de 2000 e 2010.
O movimento foi seguido pela expansão
das religiões evangélicas --que conquistaram 16,1 milhões de fiéis no período e
passaram a representar 22,2% da população.
Os grupos de sem religião e espíritas
também tiveram crescimento no Brasil ao longo da última década.
O peso deles no cenário nacional, no
entanto, é bem menor --de 8% e 2%, respectivamente. (FLÁVIA FOREQUE)
Análise:
Legislação é despreparada para lidar com religião-negócio
RICARDO MARIANO
ESPECIAL PARA A FOLHA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Desde a separação republicana entre
Estado e igreja no Brasil, toda organização religiosa depende da contribuição
financeira de seus adeptos para se sustentar.
A Igreja Católica obtém recursos com
empresários, festas e quermesses, cobra pela realização dos rituais
encomendados e, cada vez mais, exorta os fiéis a contribuir.
No kardecismo, espera-se que a
clientela dos médiuns, após receber gratuitamente mensagens, passes e curas,
doe alimentos, roupas e dinheiro para obras assistenciais.
As religiões afro-brasileiras são
geridas por microempreendedores que, em troca de remuneração, ofertam bens e
serviços mágico-religiosos: despachos, descarregos, amarrações, patuás,
consultas aos búzios e ritos iniciáticos.
O inciso VI do artigo 150 da
Constituição Federal veda ao Estado instituir impostos sobre "templos de
qualquer culto", veto que, conforme o parágrafo 4º, compreende "o
patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades
essenciais" das entidades religiosas.
Fins que se referem normalmente a
templos, cultos, assistência religiosa, atividades filantrópicas e de formação
teológica.
A imunidade tributária, avalia-se,
protege a liberdade religiosa ao impedir o Estado de obstruir economicamente o
funcionamento dos cultos.
Já o artigo 19 prevê que, em caso de
"colaboração de interesse público", cultos podem auferir subsídios do
Estado.
Nossa legislação, porém, parece
despreparada para lidar com a proliferação de igrejas-empresas, conglomerados
cujos líderes fazem fortuna, adquirindo jatinhos, helicópteros, mansões,
fazendas, gravadoras, editoras, emissoras e redes de TV. Sempre à custa de
rebanhos esmagadoramente pobres e socialmente vulneráveis.
Tanto que igrejas neopentecostais e
suas controversas técnicas de arrecadação baseadas na teologia da prosperidade
ensejaram a popularização dos trocadilhos "templo é dinheiro" e
"templo de vendilhões".
Nelas, a adesão religiosa, embora
opcional e voluntária, implica o compromisso de fazer doações financeiras
polpudas e sistemáticas para garantir a propagandeada retribuição divina aqui e
agora.
A religião tocada como negócio ou
atividade econômica está a demandar uma nova regulação pública do religioso,
seja para privá-la de privilégios fiscais ou para obstar sua mercantilização,
prática em tudo avessa aos fins visados e resguardados pela dispendiosa
concessão estatal de isenção tributária.
RICARDO MARIANO é sociólogo da
PUC-RS
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