AQUI, ENTRE MESTRES E PALHAÇOS...
JORGE
CAETANO
Professor da SE-DF
Alguns meses
atrás, publiquei em um grande jornal local um anúncio de aulas particulares.
Moveu tal
decisão a consciência de ser grande naquele momento - pleno recesso escolar - o
número de alunos em recuperação, somada à premente necessidade de completar o
orçamento profundamente combalido por força da recessão econômica.
É
extraordinário o poder dos veículos de comunicação!
Recebi inúmeros
telefonemas de mães temerosas da situação escolar de seus filhos, muitos dos
quais, já a caminho da reprovação.
Minhas
credenciais interessavam de imediato e, por diversas vezes, cheguei a
considerar o negócio fechado.
Estranhamente,
contudo, quando falávamos do preço e eu declinava os vinte e cinco reais que
decidira cobrar por meu importante trabalho extraordinário, em regime de
exclusividade, sentia que o entusiasmo esmaecia e o telefonema terminava por um
“Vou decidir e depois volto a ligar.” Não voltava.
Não cheguei a
dar uma aula sequer.
Afirmaram-me
posteriormente que o preço estava alto demais, exagerado; com o que,
obviamente, não concordei.
De qualquer
modo, o tempo passou e o assunto teria caído no esquecimento, não fosse o fato
de, pouco tempo após, estar eu preparando a festa de primeiro aniversário de
meu primeiro filho.
A mãe, zelosa
como cabe às mulheres serem, resistindo heroicamente a meus apelos por uma
comemoração simples e coerente com nossa realidade, insistia em contratar um
palhaço para animar as crianças - como se fosse necessário algum estímulo
externo.
Concordei.
Assumi pessoalmente a missão de contratar o tal palhaço. Tomei do telefone,
abri a lista e entrei em ação.
Imaginem minha
surpresa, ao constatar que os preços cobrados por esses profissionais variavam
entre cento e oitenta e duzentos e vinte reais, por noventa minutos de
apresentação.
Aumentem agora
a surpresa imaginada, diante do fato de que todos eles estavam com dificuldades
para agendar novos compromissos, face ao excesso de demanda.
Não contratei,
mas não pude evitar a indignação a que o episódio me conduziu.
Nunca tive e
não tenho qualquer restrição a palhaços, em que pese o fato de jamais ter
conseguido rir de sua comicidade explicita, apreciador que sempre fui de
situações mais sutis e sugeridas.
Entendo que o
lúdico possui uma importância tão fundamental para o ser humano quanto a
sobriedade e a consciência objetiva, desde que coexistam harmoniosa e
equilibradamente.
O grande risco
reside no desequilíbrio, pois o peso da balança para qualquer dos lados, produz
deformações que vão da sisudez e da casmurrice à frivolidade e à vulgaridade.
Descobri com o
episódio que é justamente nesse desequilíbrio que reside o grande problema e,
possivelmente, o de tantos outros que comigo o compartilham.
Sucede que fiz
uma opção profissional - e por que não dizer existencial - por ser um formador
de consciência e valores, numa nação que parece ter feito uma opção clara pelo
culto à futilidade.
Se assim for,
não consigo ver, pelo menos “a priori”, razão outra que justifique o fato do
palhaço ser mais valorizado que o mestre.
Aliás, uma tal
inversão de valores suscita, até mesmo, um questionamento de ordem ontológica
que pode ser formulado em termos de quem é, realmente, o palhaço.
Afinal, não
somos todos, no fundo, no fundo, meros atores sociais? O sucesso do papel que
representamos não está diretamente ligado à interpretação da platéia?
Nesse sentido,
não parece razoável que o pequeno espaço de sala de aula, de onde todos os dias
professamos nossas convicções, nossos valores, e que, por isso mesmo, tem para
nós o sentido de uma tribuna ou de um púlpito, possa ter, no âmbito das
subjetividades alheias, a conotação de picadeiro?
Não sei. Sei
apenas que essas são perguntas cujas respostas passam, doravante, a ter
importância decisiva na redefinição de meu destino.
Sim, pois, se
minha vida, que sempre julguei aventura - a grande aventura do conhecimento -
na verdade é comédia, há aí, no mínimo, uma disfunção clara entre minha vocação
de professor e minha condição de palhaço. Reservo-me o direito de sonhar com a
possibilidade de, unindo vocação e condição, conseguir, algum dia, ensinar pelo
menos a diferença que separa a gargalhada fácil do sorriso consciente.
Quero crer que
essa diferença expresse claramente a distinção fundamental entre o imbecil e o
cidadão.

Comentários
Postar um comentário
12