por Mauro Santayana
JB online
Em um dos mais belos poemas da
nossa antiga e desprezada Língua Pátria, Joaquim Cardozo reúne, em uma várzea
do Capibaribe, todos os ventos do mundo. Os alísios, em sua anárquica natureza
e rota, chegam do Equador, viajando clandestinos em um transatlântico.
Os ventos do grande engenheiro e
poeta se queixam, em seu congresso, do abandono em que se encontram, agora,
solitários, vagando sobre todos os quadrantes. Vagando sobre todos os
quadrantes se encontram os ventos amotinados em ciclones, furacões, tornados e
tufões políticos. Anteontem, em Brasília, o chanceler Serguei Lavrov aprovou a
presença do Brasil na conferência internacional que deve reunir-se para
discutir a situação na Síria. Se a Rússia, os Estados Unidos e a China não se
entenderem logo sobre o tema, irão agravar-se, e de forma perigosa, as tensões
internacionais.
Os Estados Unidos se encontram em
situação constrangedora, que limita os movimentos diplomáticos, mas excita as
glândulas agressivas de seu complexo industrial-militar, denunciado por
Eisenhower, o mais prudente chefe de Estado norte-americano, depois da Segunda
Guerra Mundial. O general Eisenhower, comandante-em-chefe das tropas aliadas
conhecia de perto a realidade internacional e a verdadeira crônica do conflito
– em que se destacara a União Soviética – de forma a avaliar, com precisão, os
riscos do envolvimento cada vez maior de seu país no jogo internacional do
poder.
As revelações de Snowden são
muito mais graves do que as de Manning. Os telegramas diplomáticos trocados entre
as missões americanas, no mundo, e o Departamento de Estado (divulgados por
Assange), revelavam seu juízo desprezível sobre personalidades importantes dos
governos “amigos” e o uso de intrigas que favoreciam a influência internacional
de Washington.
Snowden denuncia o monitoramento
das comunicações eletrônicas internacionais, com o conluio das empresas
privadas que operam o sistema, como é o caso do Google, do Facebook, da Yahoo,
e de outras. Trata-se de uma agressão ao mundo inteiro.
A reação de alguns países
europeus mostra que os Estados Unidos podem manter e, eventualmente, empregar
todo o seu imenso poder militar, mas estão perdendo o respeito da Humanidade.
Eles sempre poderão contar com a vassalagem de algumas nações, seja pela
cumplicidade histórica, como é o caso do Reino Unido e da Espanha, seja pelo
medo, mas isso não basta para impor ao planeta a sua vontade.
Além de a União Européia
manifestar a sua preocupação, a chanceler Ângela Merkel declarou que vai
conversar sobre o assunto com Obama, que visitará Berlim quarta feira. Peter Schaar, especialista em internet,
resumiu: “o problema é que nós europeus não estamos protegidos. A lei americana
só protege americanos”.
Na mesma linha se pronunciaram
Joerg-Uwe Hahn, secretário de Justiça do land de Hesse e Sabine Leutheusser,
ministra da Justiça, em artigo publicado em Der Spiegel, diz que a vigilância
americana é profundamente desconcertante e potencialmente perigosa. “Quanto
mais uma sociedade monitora, controla e observa seus cidadãos, menos livre ela
é” – acrescentou.
Embora os meios ocidentais de
comunicação prevejam que Beijing entregará o jovem a Washington, para não
perturbar o relacionamento amistoso entre os dois países, o silêncio do governo
mantém a dúvida. Se, na opinião pública mundial, a provável proteção ao rapaz
favorecerá a China, a eventual entrega do funcionário da Booz Allen – outro
herói na prisão – seria enorme presente de grego, imenso cavalo de Tróia.
O processo contra o técnico – não
sujeito à severidade excessiva dos códigos militares – poderá estimular outros
vazamentos públicos, em uma comunidade de segurança que envolve milhares de
civis.
Isso significaria uma rebelião
declarada contra o sistema, muito mais grave do que a inconfidência que atinja
só o governo Obama. Enquanto isso, os chineses, que são mestres nesse tipo de
jogo, devem divertir-se com o suspense. E Washington, ao que parece, hesita em
pedir a extradição e pagar o preço de novo embaraço diplomático.
Os Estados Unidos, ao contrário
de Camões, que ali se achou, ainda se encontram perdidos “sóbolos rios da
Babilônia”, no Iraque e em seus arredores. De lá saem sem glória, carregando um
passivo de centenas de milhares de mortos, também com milhares de seus próprios
soldados mortos ou inválidos no corpo e na alma, em 10 anos de guerra limitada e mais dez anos
de guerra aberta.
Os Estados Unidos terão que se
decidir: ajustam sua convivência com o mundo, ou fazem a guerra ao mundo.
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