por Jean-Baptiste Mallet
Descolando seu olhar dos cartazes do sindicato alemão Ver.di
– o sindicato unificado dos serviços – presos à parede da sala de reuniões,
Irmgard Schulz se levanta de repente e toma a palavra. “No Japão”, conta, “a
Amazon acaba de recrutar cabras para que elas pastem em torno de um armazém. A
empresa colocou nelas um crachá igual ao que temos pendurado no pescoço! Está
tudo lá: nome, foto, código de barras.” Estamos na reunião semanal de
funcionários da Amazon em Bad Hersfeld (Hesse, Alemanha). Em uma imagem, a
operária logística acaba de resumir a filosofia social da multinacional de
vendas on-line, que propõe ao consumidor comprar com alguns cliques e receber
no prazo de 48 horas um esfregão, as obras de Marcel Proust ou um arado
motorizado.1
Em todo o mundo, 100 mil pessoas estão trabalhando em 89
armazéns logísticos cuja superfície somada totaliza cerca de 7 milhões de
metros quadrados. Em menos de duas décadas, a Amazon projetou-se na vanguarda
da economia digital, ao lado da Apple, do Google e do Facebook. Desde seu
lançamento em Bolsa, em 1997, seu faturamento foi multiplicado por 420,
chegando a US$ 62 bilhões em 2012. Seu fundador e CEO, Jeffrey Preston Bezos,
metódico e libertário, inspira aos jornalistas retratos ainda mais lisonjeiros desde
que investiu em agosto último US$ 250 milhões – 1% de sua fortuna pessoal –
para comprar o diário norte-americano The Washington Post. O tema do sucesso
econômico eclipsa com certeza o das condições de trabalho.
Na Europa, a Amazon escolheu a Alemanha como carro-chefe.
Ela estabeleceu ali oito plantas logísticas e construiu uma nona. Ao volante de
seu carro, Sonia Rudolf pega uma avenida chamada Amazon Strasse2 – a
municipalidade financiou a chegada da multinacional num valor de mais de 7
milhões de euros. Em seguida, aponta um enorme bloco de construção cinza. Atrás
de uma cerca de arame farpado, surge o armazém. “No terceiro andar da FRA-1,3
não há nenhuma janela, nenhuma abertura, nenhum ar condicionado”, testemunha a
ex-funcionária. “No verão, a temperatura ultrapassa os 40 graus, e os
mal-estares são muito frequentes. Um dia – vou me lembrar disso por toda a vida
–, quando eu estava fazendo ‘picker’ [ato de prender as mercadorias nos
alvéolos metálicos], encontrei uma moça deitada no chão e vomitando. Seu rosto
estava azul. Eu realmente achei que ela fosse morrer. Como não tínhamos maca, o
gerente pediu-nos que conseguíssemos um palete de madeira sobre o qual a
estendemos para transportá-la até a ambulância.”
Fatos semelhantes foram relatados pela imprensa nos Estados
Unidos.4 Na França, foi o frio, em 2011, que atingiu os funcionários do armazém
de Montélimar (Drôme), forçados a trabalhar com parcas, luvas e bonés, até que
uma dúzia deles começou uma greve e conseguiu que o aquecimento fosse ligado.
Foi assim, em parte, que a Amazon catapultou seu fundador ao 19o lugar entre os
bilionários do planeta.5
A especificidade do supermercado on-line consiste em
permitir que os comerciantes, por meio de sua plataforma Marketplace, ofereçam
produtos para venda em seu site, em concorrência direta com sua própria
mercadoria. O conjunto infla as cifras do negócio e faz crescer o efeito “cauda
longa” – a agregação de múltiplos pequenos volumes de encomendas de produtos
pouco solicitados cujo custo de armazenamento é baixo –, na origem do sucesso
da empresa. Esse sistema, eficaz para o consumidor, recruta livreiros para a
promoção do gigante que vampiriza a clientela deles e destrói sua atividade.
“O sorriso no embrulho não é o nosso”
O Sindicato dos Livreiros Franceses estimou que, em vendas
de produtos equivalentes, uma livraria de bairro gera dezoito vezes mais
empregos do que a venda on-line. Unicamente para o ano de 2012, a Associação
dos Livreiros Americanos (ABA) avalia em 42 mil o número de empregos destruídos
pela Amazon no setor: US$ 10 milhões em receitas para a multinacional
representariam 33 eliminações de empregos nas livrarias locais.
Além disso, tudo opõe os postos de trabalho perdidos e
aqueles criados nos armazéns logísticos. De um lado, desaparece um trabalho
qualificado, diversificado, permanente, localizado no centro da cidade, que
combina manutenção, sociabilidade, contato e conselho. De outro, emergem na
periferia urbana “fábricas para vender” nas quais a produção contínua de
pacotes de papelão vai ao encontro de uma mão de obra não qualificada,
recrutada pela única razão de atualmente ser mais barata do que robôs. Mas não
por muito tempo: desde a compra em 2012, por US$ 775 milhões, da empresa de
robótica Kiva System, a Amazon prepara a utilização em seus armazéns de
pequenos autômatos rolantes: hexaedros laranjas de 30 centímetros de altura,
capazes, por exemplo, de deslizar sob uma prateleira para mover cargas que vão,
dependendo do modelo, de 450 a 1.300 quilos.
Trata-se de reduzir para apenas vinte minutos o tempo entre
a realização do pedido pelo cliente e sua expedição. Bezos tem um objetivo que
se tornou lendário: oferecer, vender e liberar para a entrega qualquer
mercadoria para qualquer lugar do mundo no próprio dia da encomenda. Desde sua
criação, a Amazon está investindo somas faraônicas nos servidores e aumenta
constantemente suas capacidades de cálculo algorítmico a fim de melhorar a
eficiência de sua logística e as potencialidades de seu site de venda, o qual
oferece sempre novos produtos para os clientes existentes, graças a um complexo
cruzamento de dados pessoais e hábitos de consumo. E, para que nada se perca,
os recursos de computação em excesso são alugados para empresas por meio de um
serviço específico, os Amazon Web Services.6
Seja qual for o país onde estão instalados, os armazéns
logísticos apresentam uma arquitetura e uma organização do trabalho similares.
Localizados perto de pontos de confluência de estradas em áreas onde a taxa de
desemprego supera a média nacional, eles são colocados sob a custódia severa de
empresas de segurança. Esses paralelepípedos de metal laminado se espalham por
uma superfície por vezes superior a 100 mil metros quadrados, algo semelhante a
cerca de catorze campos de futebol. Eles se animam no ritmo de um balé de
caminhões pesados: a cada três minutos, o grupo Amazon empanturra de pacotes um
semirreboque. Apenas no território dos Estados Unidos, a empresa vendeu
trezentos artigos por segundo durante as festas de Natal de 2012.
A profusão de produtos oferecidos aos 152 milhões de
clientes do site se materializa nos armazéns que abrigam florestas de
prateleiras de metal onde labutam trabalhadores obrigados a ficar calados pelo
regulamento interno. Considerados gatunos potenciais, todos passam por revistas
minuciosas realizadas por vigias: eles atravessam pórticos de segurança na
saída definitiva ou no intervalo, encurtado assim por esse controle tedioso que
gera longas filas. Como a Amazon se recusa a colocar os relógios de ponto dos
armazéns na área da revista, os trabalhadores dos centros de distribuição de
Kentucky, do Tennessee e do estado de Washington, nos Estados Unidos, já
moveram quatro processos para reclamar o pagamento desse tempo de espera não
remunerado que acreditam ser de 40 minutos por semana.
A gestão dos estoques da Amazon é informatizada pela lógica
do chaotic storage: os artigos são dispostos de maneira aleatória nas
prateleiras. Essa “arrumação caótica” apresenta a vantagem de uma flexibilidade
maior que o armazenamento tradicional: não há necessidade de prever espaço
adicional para cada tipo de artigo, em caso de variações na oferta ou demanda,
uma vez que todos são empilhados aleatoriamente. Cada linha de prateleiras tem
vários níveis; cada nível, várias células de armazenamento: são os bins
(alvéolos), nos quais os escritos de Antonio Gramsci disputam espaço com um
pacote de cuecas, um ursinho de pelúcia, temperos para grelhados ou o
Metrópolis, de Fritz Lang.
Dentro da unidade de “recepção”, os trabalhadores
eachersdesfazem os paletes dos caminhões e marcam a mercadoria. Já
osstowers(“arrumadores”) colocam os artigos onde podem nas imensas prateleiras
para criar um bazar apenas repertoriado por um escâner wi-fi que lê códigos de
barras. Para conjurar a geografia vertiginosa dos quilômetros de prateleiras,
em meio a essa formidável acumulação de bens, a mais moderna tecnologia guia,
controla e mede a produtividade dos funcionários que executam tarefas
repetitivas, extenuantes. Na unidade dita de “produção”, os pickers(“coletores”),
por sua vez, também guiados por seu escâner se deslocam rapidamente pelas
prateleiras. A fim de coletar incansavelmente os artigos, eles andam mais de 20
quilômetros por jornada – número oficial das agências de trabalho temporário
que os sindicalistas contestam, considerando que deve ser maior.
Uma vez que um produto é extraído, uma contagem regressiva é
exibida no escâner, ordenando ao trabalhador que colete o seguinte. Sua escolha
é determinada por computador para otimizar a distância de deslocamento. Quando
o carrinho está cheio, os pickerso levam até os packers(“empacotadores”). Eles
são estáticos e fazem os embrulhos na cadeia dos produtos, antes de empurrar os
pacotes para grandes esteiras computadorizadas. Estas pesam as caixas de
papelão marcadas com o sorriso da Amazon, colam os endereços e, em seguida, as
dividem de acordo com os serviços postais ou as transportadoras internacionais.
“O sorriso no embrulho não é o nosso”, afirma Jens Brumma,
38, stower desde 2003. Tendo alternado momentos de desemprego com trabalhos
temporários na Amazon por sete anos, ele mantém ali, desde 2010, contratos de
curto prazo, já que a direção se recusa a efetivá-lo. Como acontece com
qualquer assalariado no mundo, seus contratos o proíbem estritamente de se expressar
a respeito de seu trabalho com a família, amigos ou jornalistas. “O silêncio
que nos é imposto não é para proteger segredos comerciais, aos quais não temos
acesso: é para calar a extrema dificuldade de nossas condições de trabalho.”
No final do ano, no período de pico chamado “Q4” – quarto
trimestre –, equipes noturnas são constituídas e cada armazém recorre
intensivamente a uma mão de obra temporária para enviar os pedidos da época das
festas. “Durante essa fase”, explica Heiner Reimann, um dos funcionários
permanentes especializados, designado pelo Ver.di em 2010 para iniciar e
acompanhar uma ação sindical, “o número de trabalhadores nos dois armazéns
passa de repente de 3 mil para mais de 8 mil. Temporários de toda a Europa
chegam a Bad Hersfeld e são alojados em condições terríveis. Aqui, para lidar
com esses milhares de contratos temporários, a Amazon contratou secretárias
chinesas. No ano passado, elas trabalhavam em uma grande sala vazia, sem
móveis, e empilhavam os contratos no chão, um por um. Era surreal.”
Desempregados espanhóis, gregos, poloneses, ucranianos e portugueses convergem
em ônibus dos quatro cantos da Europa, contratados por meio de agências de
trabalho temporário.
“Os gestores se vangloriam desse recrutamento internacional
e o exibem como motivo de orgulho”, testemunha Brumma. “Em uma festa organizada
pela empresa, pediram-me que pendurasse as bandeiras de todas as nacionalidades
presentes: havia 44! Os espanhóis eram os mais numerosos. Entre eles havia
pessoas com diplomas importantes: um historiador, sociólogos, dentistas,
advogados, médicos. Eles estão desempregados, então vêm para cá pelo tempo do
trabalho temporário.”
Trabalho hard rock
O alemão Norbert Faltin, ex-executivo da área de informática
abruptamente demitido em 2010, teve de concordar em se tornar da noite para o
dia um operário picker temporário na Bad Hersfeld. “No inverno, fiquei
hospedado por três meses com cinco estrangeiros em um bangalô normalmente usado
por turistas de verão e, portanto, não dotado de aquecimento. Nunca passei
tanto frio na vida. Éramos todos adultos e dormíamos em turnos em um berço.”
Aqui, a eventual assinatura de um contrato com duração indeterminada marca o
ápice de uma série de contratos de curto prazo durante a qual não é prudente se
sindicalizar, muito menos fazer greve. E o uso maciço de mão de obra imigrante
temporária antes das festas de Natal neutraliza o efeito das greves iniciadas
pelo Ver.di durante esse curto período em que a Amazon, vulnerável, realiza 70%
de seu volume de negócios anual.
Para honrar seu lema, “Work hard, have fun, make history”
(Trabalhe duro, divirta-se, faça história), exibido em todas as suas unidades
do planeta, o gigante norte-americano enquadra seus funcionários por meio de
uma técnica de gestão extremamente rigorosa, a “5S”, inspirada nas fábricas de
automóveis japonesas, e organiza vários eventos paternalistas, tanto durante o
trabalho quanto fora dele. “Na época do ‘Q4’, os gestores difundem músicas que
se repetem no volume máximo no armazém para nos excitar”, diz Sonia Rudolf. “Um
dia, durante as festas, eles tinham colocado hard rock no volume máximo para
nos fazer trabalhar mais rápido. Era tão alto que eu tinha dor de cabeça, me
dava palpitação. Quando pedi ao gerente que diminuísse o volume, ele riu de mim
porque eu tinha mais de 50 anos, dizendo que aqui éramos uma empresa de jovens.
Eu era de idade e me pediam que tivesse a mesma produtividade no picking de um
jovem de 25 anos. Mas, depois da morte de meu marido, não me restava escolha,
eu tinha de aceitar o trabalho.”
Trabalhar vestido de bruxo
Os funcionários de Bad Hersfeld lembram-se de ter visto
Bezos na inauguração do primeiro armazém alemão da empresa no verão europeu de
2000. Naquele dia, seu patrão, vindo especialmente dos Estados Unidos, havia
pousado seu helicóptero no estacionamento dos funcionários para colocar as mãos
cobertas de tinta em uma placa comemorativa. “Tudo é dito e escrito em inglês
na Amazon. Os funcionários ali são chamados ‘hands’, as pequenas mãos”, explica
Schulz. “Jeff Bezos nos tinha mostrado suas mãos dizendo no microfone que
éramos todos ‘hands’, como ele, e que éramos seus associados, porque tínhamos
direito a ações após vários anos na empresa. Na época, ele tinha explicado que
formávamos uma grande família. Depois disso, ele chegava até a ligar por
telefone, e sua voz era transmitida por alto-falante no armazém para falar
conosco, para nos estimular. E isso funcionava. Tínhamos orgulho da Amazon;
para nós, era o sonho americano. Mas rapidamente virou um pesadelo. É por isso
que hoje eu participo das greves.”
Dispostos ao longo de uma mesa onde se amontoam panfletos,
crachás, documentação legal com textos assinalados e recortes de imprensa
referentes à última greve, os membros da equipe da tarde deixam prontamente
suas cadeiras para ir bater ponto. “Foi muito difícil quando cheguei. Os
trabalhadores estavam aterrorizados pela ideia de falar conosco ou aceitar
nossos panfletos”, confessa o sindicalista Reimann, enquanto aguarda a chegada
da equipe da manhã para realizar uma segunda reunião. Depois de mais de uma
década na Ikea e uma sólida formação em direito do trabalho, ele começou essa
missão para o Ver.di em 2010. Dando-se conta da despolitização e da falta de
cultura sindical da maioria dos funcionários da Amazon, ele adaptou-se à
situação e conseguiu gradualmente resultados graças a ações organizadas com
base em um núcleo duro.
Desde 2011, por exemplo, os ativistas colam pequenas folhas
de papel autoadesivas coloridas em todo lugar nos armazéns alemães. Em cada uma
delas, uma pergunta anônima aponta um impedimento ao direito do trabalho, uma
injustiça ou um desvio da normalidade. Os exemplos são sempre escolhidos pelos
próprios trabalhadores, que fazem que eles sejam escritos por parentes, para que
não seja possível reconhecer a letra. Essas folhas, afixadas por milhares de
pessoas no local de trabalho, sem causar danos, semeiam o pânico entre os
gestores. Após as deliberações realizadas durante as reuniões semanais abertas
a todos, as reivindicações emergem rapidamente de Bad Hersfeld e Leipzig.
Em Leipzig, ninguém é pago segundo a tarifa do ramo
negociada pelo Ver.di para a distribuição. Embora os acordos salariais das
Länder orientais prevejam um salário mínimo de 10,66 euros por hora, a Amazon
aplica sua própria tabela: 9,30 euros. Em Bad Hersfeld, também há diferença
entre a tarifa do ramo (12,18 euros por hora) e o salário do armazém: 9,83
euros. Dois anos e meio depois das primeiras reuniões do Ver.di, cerca de
seiscentos trabalhadores alemães realizam regularmente piquetes para exigir a
aplicação do acordo coletivo (Tarifvertrag) do setor. Tanto é assim que os
sindicalistas e seus simpatizantes usam agora abertamente, inclusive no
trabalho, um pequeno bracelete vermelho com as palavras “Work hard, have fun,
make Tarifvertrag”.
O resultado? Sonia Rudolf o constata por si mesma quando
encontra ex-colegas passeando no centro da cidade de Bad Hersfeld: “A imagem do
sindicato mudou muito. As pessoas têm cada vez menos medo de se sindicalizar, e
isso se torna quase um reflexo para elas quando sofrem humilhação. Elas querem
dar uma resposta para defender seus direitos e sua dignidade”.
Na França, em 10 de junho de 2013, uma centena de
funcionários do armazém de Saran (Loiret) estava também em greve, atendendo ao
chamado da Confederação Geral do Trabalho (CGT). Todos foram convocados
individualmente no dia seguinte. “Por ser sindicalista, fui submetido a
revistas arbitrárias durante meu período de trabalho”, testemunha Clément
Jamin, da CGT. “Eu me recusei; então me pediram que sentasse em uma cadeira,
supostamente até que a polícia chegasse. Sentei-me por seis horas na frente de
todos, e a polícia nunca chegou. Eles tentaram fazer a mesma coisa no dia
seguinte e no outro, e a CGT entrou com uma queixa.”
“O ritmo é extenuante”, diz, em tom sério Mohamed, operário
em Saran, que pediu para permanecer anônimo. “E, em contrapartida, o que eles
nos propõem? O ‘have fun’: jogos durante os intervalos, distribuições de
chocolates, bombons... Mas não posso aderir à ideia de vir descarregar
caminhões vestido de palhaço.” De fato, de acordo com os temas escolhidos pelos
gestores, os funcionários são regularmente convidados a ir trabalhar vestidos
como bruxas ou jogadores de basquete. “Enquanto isso, nossa produtividade
continua, é claro, sendo gravada por computador”, prossegue. “Somos convidados
a ser ‘top performers’, a nos superar para bater continuamente nossos recordes
de produtividade. Desde junho de 2013, os gestores chegam até a exigir que
façamos coletivamente práticas de aquecimento e de alongamento antes de
assumirmos nossos postos de trabalho.”
Temporários tratados como gado
Algo inédito, o regulamento interno impõe que a
produtividade individual esteja constantemente em alta. A gravação em tempo real
do desempenho dos trabalhadores permite aos supervisores geolocalizá-los a
qualquer momento no armazém, obter curvas e histórico de seu rendimento, mas
também organizar a concorrência entre eles. Na Alemanha, Reimann descobriu há
pouco tempo que essa medição, “que é uma informação pessoal, é enviada
diariamente por computador a partir dos armazéns alemães para Seattle, nos
Estados Unidos, onde é armazenada. Isso é totalmente ilegal!”. Ex-gestor da
Amazon na França, tendo participado de treinamentos internos em Luxemburgo, Ben
Sihamdi confirma essa prática que os trabalhadores ignoram: “Todos os dados de
produtividade são registrados de modo centralizado no exato instante por
computador e depois enviados para Seattle”.
Se os funcionários estão em concorrência, a semântica da
casa também os convida a “assinalar anomalias”. “Isso pode ser uma caixa de
papelão que bloqueia uma entrada”, explica Mohamed, “mas também um colega que
está conversando. É preciso, então, denunciá-lo. É algo bem-visto para subir na
classificação e se tornar ‘lead’, supervisor.” “Um dia”, Sihamdi relembra, “um
colega me perguntou sobre a fortuna de Jeff Bezos e respondi que isso me dava
vontade de vomitar. Ele me denunciou, e fui repreendido por criticar o
‘espírito Amazon’! O ambiente de trabalho é deletério; todo mundo se vigia. E
os temporários são tratados como gado, o que era insuportável para mim. Eu
conheço bem o mundo industrial, incluindo o do automóvel. Mas minha experiência
com a Amazon é, de longe, a mais violenta da minha carreira de engenheiro.”
Quedas, mal-estar, dedos cortados na esteira, acidentes
mortais entre a residência e a empresa, síndrome de burnout (depressão
provocada por esgotamento físico e mental relacionado à profissão): os
acidentes de trabalho são numerosos na Amazon. No entanto, a imprensa prefere
elogiar o desempenho das ações da multinacional, as extravagâncias de seu
fundador ou a construção de novos armazéns logísticos – as três unidades que em
breve serão colocadas em funcionamento na Polônia pesam agora como uma ameaça
de dumpingsalarial sobre os trabalhadores alemães. A mídia celebra a criação de
empregos precários e invisíveis que vão destruir ainda mais as lojas locais.
Apoiador das greves do Ver.di, o jornalista alemão Gunter
Wallraff acompanha com atenção o desenvolvimento fulgurante da Amazon. De
Colônia, conta que ele próprio tentou uma queda de braço com o rolo compressor
dos negócios on-line: “Quando descobri as condições de trabalho dos
funcionários, imediatamente pedi um boicote e solicitei a meu editor que
retirasse meus livros no site. Isso foi um problema para ele: a Amazon
representava 15% de suas vendas. Depois de ter discutido a ideia, a editora
alinhou-se com minha exigência. Mas, agora, a Amazon consegue material com
atacadistas para continuar vendendo meus livros! E, infelizmente, não posso
impedi-la de fazer isso. Sou, portanto, criticado por pessoas que dizem: ‘Você
faz belos discursos, mas seus livros continuam a ser vendidos na Amazon’... Na
realidade, não podemos lutar individualmente contra essa empresa. Trata-se de
uma multinacional organizada segundo uma ideologia bem definida. Seu sistema
não nos coloca a pergunta simples, neutra, se devemos ou não consumir em seu
site; ele nos coloca questões políticas: aquela da nossa escolha de sociedade”.
BOX:
Escapar dos impostos
Quer um livro seja comprado na Espanha ou um aspirador na
França, no site da Amazon, o pedido será faturado em Luxemburgo pela empresa
Amazon EU, que, com apenas 235 funcionários, atingiu em 2012 cerca de US$ 10
bilhões em volume de negócios, mas, graças a uma montagem financeira
inteligente, apenas 20,4 milhões de lucro. Ela controla as versões nacionais
das estruturas introduzidas na Europa que realizam o trabalho real da multinacional:
logística, marketing, relações com fornecedores etc. No topo dessa pirâmide de
holdings reina a reserva financeira da empresa, a Amazon Europe Holding
Technologies SCS, propriedade de três entidades domiciliadas no estado de
Delaware, nos Estados Unidos.
No coração desse andaime fiscal, a Amazon Europe Holding
Technologies SCS, também domiciliada em Luxemburgo, devora e derrama rios de
dinheiro: ela tinha acumulado uma reserva de 1,9 bilhão de euros no final de
2011, sem empregar um único funcionário. Esse complexo mecanismo de evasão
fiscal permite que a multinacional possa fugir dos impostos dos países onde
está atuando e dos quais suga somas colossais. Desde que seu diretor Andrew
Cecil forneceu uma tabela para os parlamentares britânicos membros da Comissão
de Finanças, seu volume de negócios francês se tornou conhecido: 889 milhões de
euros em 2011. Mas as filiais francesas declaram às autoridades fiscais somas
consideravelmente mais baixas, a tal ponto que são hoje objeto de um benefício
fiscal de 198 milhões de euros. (J.-B.M.)
Jean-Baptiste Mallet
Jornalista, é autor da pesquisa “En Amazonie. Infiltré dans
le ‘meilleur des mondes’” [Na terra da Amazon. Infiltrado no “admirável mundo
novo”] (Fayard, Paris, 2013), para a qual trabalhou como funcionário temporário
em um armazém francês da Amazon em novembro de 2012.
Ilustração: Alves
1 Apesar de nossas repetidas solicitações, a Amazon não quis
responder às nossas perguntas.
2 Há também ruas Amazon em Graben, em Pforzheim e em Kobern-Gondorf,
na Alemanha, assim como duas na França, em Sevrey e em Lauwin-Planque.
3 Os estabelecimentos da Amazon têm todos nomes compostos
por três letras e um número. Os armazéns logísticos são batizados com o nome do
aeroporto internacional mais próximo; nesse caso,Frankfurt.
4 Spencer Soper, “Inside Amazon’s warehouse” [Dentro do
armazém da Amazon], The Morning Call, Allentown (Pensilvânia), 18 set. 2011.
5 Bezos foi eleito empresário do ano em 2012 pela revista
norte-americana Fortune.
6 A Amazon também lançou um mercado de trabalho on-line, o
Amazon Mechanical Turk, que propõe aos usuários de internet executar
microtarefas em troca de uma microrremuneração. Ler Pierre Lazuly, “Télétravail
à prix bradés sur Internet” [O teletrabalho a preços irrisórios na internet],
Le Monde Diplomatique, ago. 2006.
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