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Não me lembro se estávamos em 1997 ou se já tínhamos entrado
em 1998, ano em que a direita se reagruparia, como de costume, para evitar a
reeleição do petista Cristovam Buarque ao Governo do Distrito Federal. Eu
estava à frente da recém-criada coluna Metrópole no Correio Braziliense, uma
tentativa de abordar os bastidores da política local em notas curtas, frescas e
ácidas, o que deu certo por algum tempo durante a gestão de Ricardo Noblat.
Deputado distrital pelo PP, Luiz Estevão era então o líder
da oposição a Cristovam Buarque na Câmara Legislativa do DF. Roriz havia sumido
do mapa desde o segundo turno da eleição de 1994 para governador, quando
abandonou seu candidato, Valmir Campelo, para facilitar a vitória de Cristovam,
na certeza de que voltaria ao governo em 1999 derrotando o próprio Cristovam.
Arruda, ex-secretário do metrô, cria transgênica de Roriz e eleito senador em
1994 com o apoio dele, havia rompido com o ex-governador e tentava inventar uma
“terceira via” para si mesmo no eterno fla-flu
de vermelhos e azuis da política local. Resumindo, o quadro era o
seguinte: Cristovam e Luiz Estevão na frente do palco, sustentando a encenação;
Roriz como uma enorme sombra projetada atrás de Estevão; e Arruda no fundo do
tablado, procurando uma brechinha para entrar em cena.
Fazia sol naquele final de manhã quando eu saí da redação do
Correio rumo à mansão de Luiz Estevão, no Lago Sul. Ia para um almoço, a
convite do próprio Estevão, que me traria na bandeja o prato mais disputado no
momento: Roriz, em carne e osso, voltando ao primeiro plano da cena depois de
um sumiço estratégico. O convite, na verdade, se estendia ao meu editor, que na
última hora, por algum motivo que não me lembro, não pode ir. E foi assim que
me vi sozinha, na varanda da mansão de Estevão, com dois dos personagens mais
repugnantes que o jornalismo já colocou à minha frente.
Naquele momento, porém, eu não tinha a menor ideia do quão
disgusting eles ainda se revelariam nos anos seguintes. E talvez por isso eu
tenha conseguido manter a elegância e não vomitar na cena seguinte, quando ouvi
de Roriz uma das frases mais reveladoras do cruzamento de coronel com senhor de
engenho que estava diante de mim.
Passávamos da varanda para a sala de jantar e, ao cruzar a
sala de estar, parei para observar a bela coleção de arte ali exposta, quase
que totalmente modernista. Por uns minutos, me detive com interesse diante de
uma tela de Portinari – se não me falha a memória, “Futebol em Brodósqui”, um
retrato da infância pobre do pintor, com crianças jogando bola num campinho de
terra vermelha típico daquela região, que por acaso é a minha. Um retrato, mais
que da simplicidade, da pobreza.
Percebendo meu interesse pelo quadro, Roriz comentou:
- Sabe, Anamaria, eu quero te dizer uma coisa. Eu gosto
muito dos pobres. Tenho muito apreço pelos pobres.
Olhei para ele à espera do que viria.
- É mesmo, governador?
Ele abriu um sorriso quase inocente antes de completar a
ideia.
- Verdade, tenho muito apreço. Porque, você veja bem. O que
seria de nós sem os pobres? Se eles não existissem, quem cozinharia? Quem
limparia nossa casa? Quem trabalharia pra nós? Então… eu gosto muito, aprecio
muito os pobres.
E seguiu, sorridente e magnânimo, para ser servido no salão
do almoço.
* A propósito da reportagem de Ana Maria Campos e Helena Mader publicada ontem no Correio Braziliense, sob o título “Luiz Estevão se junta a Joaquim Roriz e Arruda contra o PT nas eleições”, aberta com a seguinte frase de Estevão: “Na política, não existem inimizades incontornáveis, nem amizades definitivas.”
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