Beto Almeida (*) – Carta Maior
Havana - Tem sido extremamente educativo registrar, aqui em
Havana, a reação do povo cubano diante da inauguração do Porto de Mariel.
Expressando um elevado nível cultural, uma mirada política aprofundada sobre os
fenômenos destes tempos, especialmente sobre a Reunião de Cúpula da Celac que
se realiza por estes dias aqui na Ilha, tendo como meta central, a redução da
pobreza, os cubanos revelam, nestas análises feitas com desembaraço e
naturalidade, todo o esforço de 55 anos da Revolução Cubana feita na educação e
na cultura deste povo.
Mariel, uma bofetada no bloqueio
Poderia citar muitas frases que colhi ao acaso, conversando
com os mais diversos segmentos sociais, faixas etárias distintas, etc, mas, uma
delas, merece ser difundida amplamente. O marinheiro aposentado Jorge Luis, que
já esteve nos portos de Santos e Rio de Janeiro, que vibra com o samba carioca,
foi agudo na sua avaliação sobre o significado da parceria do Brasil com Cuba
para construir o Complexo Portuário de
Mariel. “ Com Mariel, Brasil rompe
concretamente o bloqueio imperialista contra Cuba”, disse. E adverte: “ Jamais
os imperialistas vão perdoar Lula e Dilma”. Ele não disse, mas, no contexto do
diálogo com este marinheiro negro, atento ao noticiário de televisão, leitor
diário de jornal, informado sobre o que ocorre no Brasil e no mundo, estava subentendido, por sua expressão
facial, que ficava muito claro porque Dilma é alvo de espionagem dos EUA.
O tom da cobertura do oposicionismo impresso brasileiro,
pré-pago, à inauguração do Porto de Mariel, não surpreende pela escassa
informação que apresenta, muito menos pela abundante insinuação de que
tratar-se-ia apenas de um gasto sem sentido,
indefensável, indevido. Ademais,
sobram os rançosos preconceitos de sempre, afirmando que o Brasil estaria
financiando a “ditadura comunista”, tal
como este oposicionismo chegou a mencionar que seria esta a única razão para
empreender um programa como o Mais Médicos, que salva vidas e que tem ampla aprovação
da sociedade brasileira.
É necessário um jornalismo de integração
Informações objetivas sobre o significado e a transcendência
do Complexo Portuário de Mariel certamente faltarão ao povo brasileiro.
Primeiramente, porque o oposicionismo midiático não permitirá sua difusão, numa
evidente prática de censura. E, por outro lado,
nem o PT ou as forças que sustentam politicamente o governo Dilma e estas iniciativas robustas
da política externa brasileira, com
tangíveis repercussões sobre a economia brasileira, possuem uma mídia própria para
esclarecer o significado de Mariel, ante um provável dilúvio de desinformações sobre a sociedade brasileira.
Primeiramente, deve-se informar que o financiamento feito
pelo BNDES, algo em torno de um bilhão reais na primeira fase, não se trata de uma doação a Cuba. É um
empréstimo, que será pago. As relações bilaterais Brasil-Cuba registram
crescimento contínuo nos últimos anos.
Além disso, está condicionado à contratação de bens e
serviços na economia brasileira, além de envolver cerca de 400 empresas, sendo, portanto, um dos fatores a mais que
explicam porque há contínua expansão no mercado de trabalho brasileiro, com uma
taxa de desemprego das mais baixas de sua história. Ao contrário do que ocorre,
por exemplo, na Europa, onde aumenta o desemprego e há eliminação de direitos
trabalhistas e sociais conquistados décadas atrás.
Dinamização das forças produtivas
Além disso, Mariel vai ser
- por enquanto , Dilma inaugurou apenas a primeira fase - o
maior porto do Caribe, com capacidade para atracar navios de calado superior a 18 metros, e também , podendo movimentar mais de 1 milhão
de conteiners por ano. Terá um impacto especial para o comércio marítimo também
direcionado ao Pacífico, via Canal de Panamá. Para isto, vale lembrar da
importância da participação da China, crescente, na economia latino-americana,
em especial com o Brasil. Tanto o
gigante asiático como empresas brasileiras, já manifestaram interesse em
instalarem-se na Zona Econômica Especial a ser
implantada em Mariel, onde também já foi construída uma rodovia moderna,
estando em construção, uma ferrovia.
De alguma maneira , Havana retoma uma posição de destaque no
comércio marítimo internacional, pois já
foi o maior porto da América Latina,
ponto de conexão de várias rotas, tendo sido, por isso mesmo, uma cidade
com mais de 70 por cento de habitantes portugueses, quando Portugal era um grande protagonista na
marinha mercante internacional. Havana já teve, também, uma das maiores indústrias navais do mundo.
Cuba sempre
impulsionou a integração
O tirocínio do marinheiro negro Jorge Luis é perfeito. Depois
de suportar décadas de um bloqueio que impediu os cubanos a compra de uma
simples aspirina no maior e mais próximo mercado do mundo, os EUA, a Revolução
Cubana, tendo resistido a ventos e tempestades, sobretudo às agressões imperialistas, soube preparar-se para esta
nova etapa da história, simbolizada pela existência de uma Celac que vai se
consolidando, pouco a pouco. Não sem enfrentar ações desestabilizadoras,
lançadas contra os países mais empenhados na integração regional
latino-americana, como Venezuela, Bolívia, Equador, e, também, pelas evidentes
ações hostis contra Brasil e Argentina. Cuba investiu parte de seus modestos
recursos na solidariedade internacional. Seja no envio de 400 mil homens e
mulheres para derrotar o exército
racista da África do Sul que havia invadido Angola, como também para promover ,
em vários quadrantes, com o envio de professores, métodos pedagógicos, médicos
e vacinas, a eliminação do analfabetismo e o salvamento generalizado de vidas.
É o caso, por exemplo, do programa Mais
Médicos, não por acaso tão injustamente desprezado pela oligarquia midiática,
que vocaliza os laboratórios farmacêuticos multinacionais.
Como defender que salvar vidas merece desprezo?
É certo que todas as economias caribenhas e latino-americanas serão dinamizadas com a entrada em
funcionamento do Porto de Mariel, gerando mais empregos, possibilitando novas
opções comerciais. É emblemático que China esteja firmando um acordo
estratégico de cooperação com a Celac. Para uma economia cercada de restrições,
sem capacidade de investimentos, sem engenharia nacional para fazer esta obra
por conta própria, o Porto de Mariel, é
um imenso descortinar de possibilidades
para Cuba. Os gigantescos navios chineses, de uma China que consolida sua
posição como a segunda potência comercial mundial, não podiam mais aportar no
velho Porto de Havana, o que resultava numa limitação operacional e logística,
com impactos econômicos negativos de grande monta. O Porto de Havana será
readaptado para o turismo e a economia cubana, no seu conjunto, recebe, com
Mariel um enorme impulso para a dinamização de suas forças produtivas. A
atendente do hotel onde estou instalado me confessava hoje o interesse de ir
trabalhar em Mariel, porque, segundo disse, o futuro está por ali e são
empregos mais promissores.
Mariel e seus impactos internacionais
Realmente, para um
economia que perdeu a parceria que tinha com a União Soviética, que resistiu
durante o período especial com as adaptações inevitáveis para salvar o essencial das conquistas da
Revolução, o que Mariel significará é de
extraordinária relevância. E é exatamente na dinamização das forças produtivas
da Revolução Cubana que se localizam as chaves para muitas portas que podem ser
abertas para uma maior dedicação de meios , recursos e iniciativas visando a integração
latino-americana. E, neste quebra-cabeças, a política estratégica implantada
por Lula, continuada por Dilma, é
,inequivocamente, muito decisiva. Que outro país poderia fazer um financiamento
deste porte para a construção de Mariel?
Por último, pode ser muito útil uma reflexão sobre os
diversos pensadores, formuladores e também executores de políticas de
integração. Desde Marti, aquele analisou a importância da “nossa Grécia”, numa
referência ao significado da civilização Inca, mas que também formulou o conceito de Nuestra América, até chegando ao pensamento de Getúlio Vargas,
criador do BNDES, o banco estatal de fomento que está financiando a construção
do Porto de Mariel, uma estupenda ferramenta integradora. Tudo converge para a
abertura de uma nova avenida para dar trânsito à integração. Seja pela
sabedoria dos povos da região que estão sabendo apoiar, com o seu voto, os
governos que mais impulsionam estas políticas, seja pelos avanços concretos que
estas políticas integradoras têm registrados, apesar da insistência nada
profissional do jornalismo de desintegração em reduzir tudo a zero.
Futuro socialista
A força e a necessidade histórica das ideias se vêm
comprovadas nesta inauguração da primeira etapa do Porto de Mariel, em plena
reunião da Celac, sem a presença de Estados Unidos e Canadá, patrocinadores
históricos da desintegração entre os povos. A simbologia da justeza histórica
do pensamento martiniano, nos permite, agora,
afirmar, também, que José Marti é um dos autores intelectuais de Mariel.
E, retomando o otimismo realista do
marinheiro Jorge Luis, constatamos que a
dinamização das forças produtivas da Revolução Cubana que a parceria entre Cuba
e Brasil possibilita, foi estampada na frase final do discurso do presidente
cubano, General Raul Castro: “Mariel e a
poderosa infraestrutura que o acompanha são uma mostra concreta do otimismo
e da confiança com que os cubamos olham o futuro socialista e próspero da
Pátria”. O marinheiro negro captou o significado essencial destes dias. Não por acaso, a Marcha das
Tochas, que celebra com chamas que não se apagam, as ideias de Marti, em seu
aniversário, ontem - com mais de 500 mil manifestantes, maioria esmagadora de
jovens - teve, na primeira fila, além de Raul, os presidentes Evo Morales,
Nicolás Maduro, Pepe Mujica, Daniel
Ortega. As ideias de Marti, materializadas nestes avanços produtivos e
integradores, como Mariel, vão iluminando o futuro socialista de Cuba e, com
isto, da integração latino-americana.
(*) Beto Almeida, de Havana, Membro do Diretorio da Telesur
Créditos da foto: Agência Brasil
Comentários
Postar um comentário
12